segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Ato subversivo

Nietszche disse que os homens deveriam viver a vida como se tivéssemos de vivê-la novamente e eternamente. Mas esse eterno retorno, que é a expressão que ele mesmo usa, poderia um dia ser quebrado? Porque dizer que viveríamos e reviveríamos da mesma maneira pressupõe que, ou somos seres muito, muito burros, ou há uma existência superior que comanda o nosso retorno. Se for a segunda opção, por que faria com que vivêssemos o já vivido? O quanto de voyeurismo há nisso? Não sei qual das opções seria mais provável de acontecer, até porque há um quê de fé nisso, o que faz enveredar para um caminho que não é o que quero.

De qualquer jeito, num dia, numa hora, decerto, aparecia algum ser dotado de subversão (admito que nunca usava essa palavra até conhecer meu colega SUBVERSIVO Luciano) habilitado a criar uma pequeníssima situação diferente das que ocorriam em todas as vidas anteriores. Algo como deixar outra pessoa pegar um táxi na chuva ou até mesmo bater no próprio pai. Talvez toda a humanidade dependesse desse ato revolucionário: um ato bom ensejaria muitos outros atos bons, assim como um ato ruim causaria outros tantos similares.

Seria um ato único, singelo. Porém, antes de tudo, primário e subversivo, que definiria o rumo das outras mudanças subsequentes, catalisando situações que talvez nunca acontecessem.

Mas, antes de tudo, seria um ato subversivo.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Verão de 40º

Antes de dormir, comecei a pensar sobre fenilcetonúria e caí no câncer. E se eu tivesse câncer? E se fosse câncer tomando todo o corpo, assim, o médico me diz que eu tenho mais ou menos um ano de vida, que posso tentar alguns procedimentos invasivos, no entanto de nada vai adiantar, que até pode passar o número de uma psicóloga transpessoal para eu ir me tratar de uma maneira diferente (é um estilo novo, tem algo de física quântica...), mas mesmo assim meus dias estão contados, ele fala: não exatamente com estas palavras porém de um jeito mais sutil, tudo muito cuidado, muito delicado. Contudo não me faz diferença porque notícias assim são tão afiadas que o eufemismo se faz cortina, tentando esconder algo como uma

Caverna escura escura escura aquilo
Que a gente chama Morte
Que faz um grande corte na tua vida
(E a gente finge não temer)
E procura uma saída
E se faz de louco
Acaba por cair em manicômio

(Devo dizer que prefiro a solidão.)

E qual seria a minha reação? Chorar e chorar e chorar porque quando a gente chora a alma se lava. E chorar mais um pouco. Toda aquela conversa fiada de pensar no futuro que não vai mais ser, no presente que já é e logo passa. (E chorar e chorar e chorar). Eu me conheço bem, é certo que cairia em depressão. Meus amigos tentariam me animar, mas não saberiam como, pensariam
eu não sei o que fazer, mas ele precisa parar de chorar
eu não sei o que falar, mas ele precisa de um ombro
eu não sei o que pensar, mas minha mão tem que se mostrar
cria vergonha e vê se te levanta

Como catapora a notícia haveria de se espalhar, e todos que comigo não têm intimidade se lamentariam. Alguns pensariam o que eu deveria estar passando, tentariam se colocar no meu lugar (para falar a verdade, são sempre esses que fazem a diferença pela VIDA). Outros falariam "baah, que merda, sério?". E que merda, meu caro, vai pro inferno você também. Porque a gente não conhece os outros e faz pré-julgamentos e julga como delegado prepotente e age com base nas pré-concepções, quando vê nem falamos com a pessoa porque já a detestamos (pois sim, e eu faço isso também, porém tento me podar).

Acho que também teria reações infantis, porque não se pode ignorar que tenho 17 anos que é: o que acho que se esquecem. (E choraria choraria).

E choraria
Porque de toda a porcaria
A gente pensa ser melhor
Diz pros outros que está bem mas
No fundo no fundo
As estranhas se flagelam.
Pior é

Dizer que está mal e sente dor
Só para ganhar atenção
E manejar um sorriso
A seu próprio favor

A gente é tudo podre mesmo.

Primeiro pensei que aproveitaria meu pouco tempo de vida cursando Ciências Sociais na PUCRS à noite, mas depois voltei atrás porque acho que não passaria meu último ano enlouquecendo com duas faculdades. Depois projetei que me levantaria da cama podre de fedida com minhas formas já nela moldadas. Talvez viajasse. Gritaria mais, sorriria mais. E procurasse todos os dias aquele calafrio que sinto quando estou sozinho sozinho e ouço Yann Tiersen ou Perfume Genius no meu mp4, e algo toma o meu corpo de maneira que não me reconheço e pareço ver-me de cima e sinto que não sou eu eu eu: às vezes choro e agradeço pela vida.

Acho que viajaria. Me declararia a todos que eu já amei, e se não amei ninguém, passaria a amar todos porque quando a gente está prestes a morrer tudo é efêmero, tudo é tão simples, somos todos mortais com carne e alma, nossa: carne que não serve para nada além de fazer com que nossos líquidos não escorram pelos ralos, eles até deveriam, cair no esgoto sujo sujo sujo de Porto Alegre, boiar nas ruas durante uma enchente e entrar na casa de alguma família pobre que não tem o que comer, eu diria que me sorvessem até que eu virasse eles, pura união virando depois mijo amarelo, se bobear misturado com cachaça.

Antes de definhar até os ossos, antes de fazer com que minha mãe acampasse ao lado do meu leito, antes...
Antes de fazer meu pai ficar careca, antes...
De deixar meu irmão solidário
Antes de causar dor nos meus amigos...
Eu me atiro no Guaíba.
E não morro:
Viro água que passa a evaporar
(O tempo aquece)
E viro chuva.

Refresco teu corpo no verão de 40º.

sábado, 18 de setembro de 2010

Era frio, muito frio

Era frio, muito frio

Saí desnorteado camba
Leando pela rua
A alma meio crua de viver
Virgem de amar
De causar dor
Um homem bêbado me chamou de bicha
Disse que ia me foder
Até que não andasse
Não ouvi direito, tentava escutar algo que falava mais baixo
Mais baixo
Bem
baixinho

Quase ouvindo

(Meus passos cegos me levaram ao teu coração sem voz.)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Porém e outros poemas

 Talvez se

A gente é um ser infeliz
Essa coisa de dizer que sente
Uma energia, uma coisa dentro
A gente mente e faz de conta
Que ouve o outro mas na verdade
Ouve o próprio corpo
O som percorrendo os ossos e
Voltando para si.

Humano é o ser mais egoísta que vai existir por aí.

Porém

às vezes penso que hoje mesmo
é a hora da minha hora
porém eu sonho e oh, meu deus,
é tão amanhã

Que todo mundo sabe

Alabama é uma palavra engraçada
Lembra lhama aquele
Bicho que todo mundo sabe que existe
Mas ninguém viu

Como teu filho, aquele que amanhã há de nascer.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

É melhor que

Era noite, e eu estava no ônibus voltando para casa, pensando sobre como se consegue não pensar em nada, já que o consciente pode até fingir que está quieto, mas o inconsciente não, está: sempre ligado digo: a mente é consciente+inconsciente, então é impossível ficar sem pensar, acho. O ônibus passou pelo parada do shopping Praia de Belas, e em seguida duas gurias levantaram-se e falaram para o cobrador:
moço
não, por
favor. a gente parou na parada errada, tem
como abrir a porta, 
rapidinho,
senão a gente fica perdida.

O cobrador disse que não, que a próxima parada era perto de sei-lá-qual-prédio-da-Justiça porém: essa parada fica a quatro quadras do shopping, e naquele momento estavam duas gurias loiras daquelas em que a gente imagina quando pensa em guria estuprada. Eram duas gurias lindas, mas não eram estupradas. Uma pediu:
moooooço
por favor. agora é sinal
vermelho. o shopping é lá longe
e tá tão escuro. 
é escuro e perigoso para a gente.

O moço ficou meio indeciso, coçou a nuca e falou queque chose para si. Depois respondeu que não, meio que se desculpando, que não, vai que passa um motoqueiro e atropela vocês, a culpa fica em mim.

Ambas disseram aaaaaah e desceram na parada que era longe. O cobrador ainda as seguiu com o olhar, acho que cuidando. Porém isso fez-me pensar se todo esse desenrolar foi ético ou não digo: qual a porção de ética que havia nessa situação, se é que é ética que se passa nisso. O cobrador recebe ordens de que não pode deixar ninguém sair se não for na parada. Mas era noite, e poderia acontecer algo com as gurias loiras. Ninguém saberia que ele teria deixado-as sair antes, pois só havia eu no ônibus. Ele: 
podia abrir a porta. Ele devia? D-e-v-e-r-i-a? Essas coisas que a gente faz quando ninguém nos olha porque sabemos que ninguém acusará. As garotas não deveriam pedir o que pediram visto que é certo que sabiam que o homem burlaria regras. Contudo o que é tudo isso senão uma situação em que há as regras do sistema, um roteiro em que todos devem atuar, porém de repente ficam em dúvida em relação ao que devem fazer e seguir? Tudo culpa de duas passageiras que colocaram dúvidas na cabeça de um homem que provavelmente procura não as ter.

Era um ônibus e gurias loiras não-estupradas e um pobre cobrador de boné preto, mas também era o sistema com suas regras planejadas para ser sempre seguidas, para ser sempre cumpridas. Quem é que ousa questionar? 

Melhor que sejam estupradas.

domingo, 5 de setembro de 2010

Não dá pra ser vegano

Hoje pensar me tira carne
A pele fraca
O músculo sangrento
A faca não tem fio para cortar

As pessoas dizem que o que a gente precisa da vida é ser feliz, mas não pode ser isso. Porque muitos de nós somos e nem por isso encerramos nossa jornada nem por isso: quebramos nossa busca. Mas é essa busca que talvez nos mova e que se porta com sede insaciável pois me parece deveras alienado delimitar nossos objetivos a: bom profissional, família feliz, viagens e um bom apartamento. David Elkind, um teórico e psicólogo estadounidense, no livro "Infância e Sociedade", reparte nossa vida em oito estágios. O último é Integridade X Desespero, em que o idoso avalia suas ações até o seu "agora" e pesa se tudo valeu a pena. Se sim, o senso de integridade sobrepõe-se ao do desespero. Porém o que acontece se o desespero vence? O idoso possui dois caminhos sendo: a) entrar em um estado depressivo e lamentar ou b) tentar recompensar com ações benévolas que deem sentido à sua vida (isso não é Elkind que fala, mas eu, na minha humilde condição de... ninguém, que observa). 

Minha vó está prestes a morrer, e eu pensei em perguntar se ela acha que valeu a pena. Mas não vou fazer isso, porque corro o risco de que ela tenha mais desespero do que integridade. A verdade é que todos somos felizes até que questionemos essa felicidade. Fazemos tudo para dar um sentido que nos motive a acordar todos os dias e colocar a roupa e tomar café e sair de casa. Só que qualquer motivo que seja, é egoísta, visto que até podemos tentar-nos enganar dizendo, eu preciso sair de casa para trabalhar e sustentar minha família mas: se a família não precisasse de sustento, não haveria um porquê de levantar-se, e seria preciso buscar outro motivo que: exigiria uma reflexão mais apurada. Porém a reflexão cansa, a reflexão nos deixa infelizes, já que sempre vemos que algo nos falta. Talvez seja para isso que sirva a reflexão para: acharmos o nosso vazio existencial e ir atrás buscar qualquer outra coisa que nos preencha.