Rituais servem para nos fazer refletir se as coisas valeram ou não a pena.
Pensar: os sacrifícios feitos me levaram em direção à pessoa que desejo ser? Ou no fim das contas me afastei do meu objetivo?
O mundo é coberto por idealizações. Cristo, como posso saber se entendes o que eu falo? E como sabes que eu sei a que me refiro quando falo de algo? Vivo nessa insensata ilusão de que falo a mesma língua e sinto o mesmo que os outros.
A vida nos trapaceia. Estranho pensar que, por vezes, nos convencemos de sentir algo e nos atemos a essa crença como se fosse o último raio do dia. Eventualmente esse raio vai embora, e vivemos o luto. A frustração. A decepção. A ansiedade.
Anos atrás. Eu estava na janela do ônibus quando me dei conta de que nos referimos ao mundo de forma tão prosaica e mundana como se viver fosse um hábito fácil. Como se esperar na parada pelo transporte publico fosse intrínseco ao ser humano. Levantar o braço para atacar o ônibus, algo no meu DNA. Mas esquecemos de que há séculos nada disso existia. Por muito tempo, a noção de entrar em um veículo com desconhecidos era impensável.
Assim como as pessoas que assistiam às primeiras novelas na televisão e não entendiam o corte dos takes e a estrutura da narrativa. Como pode essa moça estar na sala e um segundo depois na cozinha? Analogamente, eis-me aqui: como posso estar redigindo este texto se anos atrás eu era outra pessoa? Inocente, mais ignorante, menos calejado, mais imaturo. Infantil e leviano.
Hoje me olho no espelho e encaro a barba que cresce e os cabelos que caem. Meu avô e meu tio maternos eram e são carecas. Será que vou ser também? Meu pai não é. Sempre fui fraco em biologia no colégio e a falta de conhecimento hoje me frustra. Talvez por isso faça matérias de saúde, para compensar.
Da mesma forma, me pergunto como seria minha vida se tivesse conhecido meu avô. Incrível como a ausência de certas pessoas às vezes marca mais do que a presença de outras.
Encontro conhecidos na rua que falam de mim inocentemente aos outros. Não faço a minima ideia da imagem que constroem de mim. Da mesma forma, eles não sabem o que penso deles. Convivemos com essa ignorância mútua, pacíficos. Etc.
sexta-feira, 31 de julho de 2015
quarta-feira, 8 de julho de 2015
eu ainda espero por uma noite mágica de Natal
a melancolia bate à porta
Deus sabe eu venho fazendo tudo direitinho tudo
miudinho, tim-tim por tim-tim,
moeda por moeda contada, inclusive controlo
o numero de respirações, um inspiração prolongada
a expiração no dobro do tempo
para ativar todos os chakras do corpo
como dizia meu professor
de yoga magro,
sedutor.
as palavras
não voltam.
Deus sabe o que faz, fala pelos meus lábios
o Diabo pelos pensamentos
sou um constructo social resultado de múltiplas interações terrenas e divinas
mas meu olhar é perdido
nenhum homem me nota.
entre mim e uma sombra,
preferem a temperatura amena.
sou um elétrico de 220 Fahrenheit.
muito no entretanto,
mais um pouco me poriam para segurar a porta contra o vento.
me transformariam em um vaso de flores para ornar
a mesa kitsch da vó.
as palavras não voltam não
fazem meia-volta
não fazem o que Deus quer
por favor segura meus lábios
eis-me aqui
estupefato.
a melancolia bate à porta
Deus sabe eu venho fazendo tudo direitinho tudo
miudinho, tim-tim por tim-tim,
moeda por moeda contada, inclusive controlo
o numero de respirações, um inspiração prolongada
a expiração no dobro do tempo
para ativar todos os chakras do corpo
como dizia meu professor
de yoga magro,
sedutor.
as palavras
não voltam.
Deus sabe o que faz, fala pelos meus lábios
o Diabo pelos pensamentos
sou um constructo social resultado de múltiplas interações terrenas e divinas
mas meu olhar é perdido
nenhum homem me nota.
entre mim e uma sombra,
preferem a temperatura amena.
sou um elétrico de 220 Fahrenheit.
muito no entretanto,
mais um pouco me poriam para segurar a porta contra o vento.
me transformariam em um vaso de flores para ornar
a mesa kitsch da vó.
as palavras não voltam não
fazem meia-volta
não fazem o que Deus quer
por favor segura meus lábios
eis-me aqui
estupefato.
domingo, 15 de fevereiro de 2015
a primeira vez em que entrei em uma boate
A primeira vez em que entrei em uma boate, senti que parte de mim mudara para sempre. Algo se rompia dentro de mim e jamais voltaria ao que era antes. Eu tinha 16 anos, um pouco de barba no rosto, uma carteira de identidade falsa e uma vontade desesperadora de vivenciar minha identidade por completo, o que incluía minha sexualidade.
Ser um adolescente gay não é fácil. Isso fica mais difícil quando seus pais são intolerantes e tentam proteger você com um amor infinito e ignorante. Entrar escondido em uma boate era muito mais do que ir para um lugar onde haveria gays com os quais eu pudesse (finalmente) flertar à vontade, beber um drinque que não me agradasse no primeiro gole e dançar musicas criadas especialmente para colar na minha cabeça. Era um ato de liberdade. Onde seria possível extravasar parte da minha identidade sufocada em casa.
Ao som de MGMT, eu encarava caras bonitos na pista de dança e os desejava ardentemente. Ao mesmo tempo, também os admirava, queria ser um deles quando tivesse a mesma idade. Será que eles moram sozinhos? Têm um apartamento próprio com uma planta na sala, pôsteres coloridos na parede, uma cozinha cheia de aparelhos domésticos vermelhos como os da Amélie Poulain? Trabalham em profissões que lhes preenchem, ganham dinheiro suficiente para viajar, mobiliar a estante com livros, comprar chá Twinings e sorvete Kibon Napolitano? Fazem o que desejam sem que os pais diminuam sua autoestima? Aqueles jovens adultos que atraíam o olhar de todos na pista eram o meu desejo de futuro. E eu me esforçaria a partir de então para ficar parecido com eles.
Algum tempo depois, conheci Bob (não é o nome dele, mas vamos preservar sua identidade), um publicitário de 22 anos, filho de um gay e de uma pastora protestante. Ele era loiro, barbudo, magricela por conta do uso de maconha e tinha uma gengiva desproporcionalmente grande. Mas me tratava como um príncipe e me elogiava "pela inteligência extraordinária para alguém da minha idade", o que era o bastante para seduzir um jovem gay de 16 anos rejeitado pelos pais. Entre uma das frases que mais me marcou, destaco: "Tu vai ser tão bonito quando tiver 22 ou 23 anos. Ninguém vai te parar". Foi o necessário para me fazer acreditar que o amava. E o suficiente para não me importar em irmos ao parque em um sábado à tarde, deitarmo-nos sem querer perto de um cocô de cachorro e eu ignorar o fedor, para não estragar o momento.
Alguns encontros mais tarde, enchi o saco de seus elogios e dei-lhe um pé na bunda, sob o argumento de que não tínhamos muito a ver. (Para mim, ele era imaturo demais e só sabia falar sobre como ia largar tudo no Brasil e se mudar para Londres, onde a vida ia dar certo, o que posteriormente ocorreu.)
Mais tarde, entrei na universidade e conheci meu primeiro namorado, sobre quem eu não tenho nada de ruim para falar, visto que foi um completo anjo que precisou lidar com as inconstâncias da minha personalidade e com o fato de eu ter dificuldade de me entregar em um relacionamento. Ficamos juntos quase dois anos, o suficiente para terminarmos, voltarmos e depois terminarmos com ele me odiando. Hoje somos amigos e eu encorajo seus relacionamentos amorosos (mesmo que a distância).
Em seguida, fui morar um ano na França. Foi um período intenso de descoberta da minha sexualidade. Desci do avião disposto a viver o máximo possível de experiências, a fim de conseguir escrever textos com mais alteridade e capazes de tocar profundamente as pessoas. Na prática, passei meu primeiro semestre a me apaixonar platonicamente por qualquer francês que me desse atenção. Em uma conversa banal com uma amiga, me dei conta de que eu completaria um ano sem sexo.
Estupefato com a realidade, cheguei em casa, baixei todos os aplicativos de encontro por geolocalização e no dia seguinte estava fazendo sexo com um francês estudante de filosofia que, horas antes, havia se mostrado pelado no Skype. (Parênteses: foi um momento estranho, no qual eu desejava o mais rapidamente fechar o notebook, mas não queria constrangê-lo; optei por sorrateiramente desligar o wifi e voltar horas depois, sob a desculpa de que a internet da minha residência universitária era fraca.) Seguiu-se a isso uma fase na qual saí com pessoas cujos nomes não faço a menor ideia, mas que podem muito bem ser Matthieu, Jean, Pierre ou Quentin.
Um era estudante de biologia, gostava de livros infanto-juvenis e foi a única pessoa maior do que eu com a qual dormi. Outro era um árabe que invadia casas de campo abandonadas para ser expulso dias depois pela polícia, e cujo impacto na minha vida se resume a um leve ataque de ansiedade antes do resultado de um teste de HIV, seguido de uma torta de chocolate para comemorar o resultado negativo, apesar de termos usado camisinha. Outro era um psiquiatra que, basicamente, pensava que estávamos em filme pornô, o que rende até hoje análises à minha terapeuta, mas a quem preciso agradecer por ter me ensinado que, se sua intuição diz para você ir embora, você deve ir embora, sem se importar em passar vergonha. Seguiram-se muitos outros, alguns com os quais tive um breve relacionamento, outros com os quais eu gostaria de não lembrar mais o nome.
Dois meses depois de voltar do intercâmbio, sob medicação para depressão e ansiedade, conheci um designer lindo, mas convencido. Como a provar que a vida dá voltas, ele era o tipo de cara que me chamou a atenção na primeira vez em que fui a uma boate. Pontos positivos: parecia francês, tinha um sorriso lindo, era inteligente e apos três semanas de conversa, ainda não tinha me perguntado "o q tu curte?". Pontos negativos: era narcisista, se importava demais com a aparência, postava muitas selfies no Instagram e tergiversava quando eu o convidava a sair. Ao longo de um mês de conversas, meus pensamentos por ele variaram como uma montanha-russa: 1) TENHO que ficar com ele, 2) Deus, como ele pode ser tão resistente?, 3) As ultimas cinco conversas fui em quem puxei assunto, vou esperar ele começar, 4) Se ele não me quer, tem quem queira! Vou bloquear ele do meu Facebook, (passa uma semana), 5) ok, vou dar mais uma chance. Apos um mês de insistência, consegui marcar um café em um sábado frio, no qual chovia como se o céu quisesse machucar os seres humanos por cada peido jogado na atmosfera.
Resultado: um ano e meio depois, estamos juntos. Ele mora em um apartamento com uma planta na sala, pôsteres coloridos na parede e tem uma cozinha com aparelhos domésticos vermelhos, como a Amélie Poulain. Tem uma paciência comigo que jamais vi igual, a ponto de aguentar minhas inseguranças, meus pedidos de tempo, de silêncio, de espaço. De me ensinar a amar e ser amado. Eu vou aprendendo, como uma criança esforçada na escola. Me descubro careta e patético pensando nele, como se a vida não fosse tão difícil de ser encarada com ele ao meu lado. Em 10 dias faço 22 anos e, sinceramente, não acho que cheguei àquilo que Bob esperava de mim, apesar de ter feito algumas boas conquistas. Hoje não quero mais ser como aqueles caras lindos que dançavam no meio da pista de dança. Mas me esforço para trabalhar e poder comprar Twinings à vontade, como um aristrocrata britânico.
Ser um adolescente gay não é fácil. Isso fica mais difícil quando seus pais são intolerantes e tentam proteger você com um amor infinito e ignorante. Entrar escondido em uma boate era muito mais do que ir para um lugar onde haveria gays com os quais eu pudesse (finalmente) flertar à vontade, beber um drinque que não me agradasse no primeiro gole e dançar musicas criadas especialmente para colar na minha cabeça. Era um ato de liberdade. Onde seria possível extravasar parte da minha identidade sufocada em casa.
Ao som de MGMT, eu encarava caras bonitos na pista de dança e os desejava ardentemente. Ao mesmo tempo, também os admirava, queria ser um deles quando tivesse a mesma idade. Será que eles moram sozinhos? Têm um apartamento próprio com uma planta na sala, pôsteres coloridos na parede, uma cozinha cheia de aparelhos domésticos vermelhos como os da Amélie Poulain? Trabalham em profissões que lhes preenchem, ganham dinheiro suficiente para viajar, mobiliar a estante com livros, comprar chá Twinings e sorvete Kibon Napolitano? Fazem o que desejam sem que os pais diminuam sua autoestima? Aqueles jovens adultos que atraíam o olhar de todos na pista eram o meu desejo de futuro. E eu me esforçaria a partir de então para ficar parecido com eles.
Algum tempo depois, conheci Bob (não é o nome dele, mas vamos preservar sua identidade), um publicitário de 22 anos, filho de um gay e de uma pastora protestante. Ele era loiro, barbudo, magricela por conta do uso de maconha e tinha uma gengiva desproporcionalmente grande. Mas me tratava como um príncipe e me elogiava "pela inteligência extraordinária para alguém da minha idade", o que era o bastante para seduzir um jovem gay de 16 anos rejeitado pelos pais. Entre uma das frases que mais me marcou, destaco: "Tu vai ser tão bonito quando tiver 22 ou 23 anos. Ninguém vai te parar". Foi o necessário para me fazer acreditar que o amava. E o suficiente para não me importar em irmos ao parque em um sábado à tarde, deitarmo-nos sem querer perto de um cocô de cachorro e eu ignorar o fedor, para não estragar o momento.
Alguns encontros mais tarde, enchi o saco de seus elogios e dei-lhe um pé na bunda, sob o argumento de que não tínhamos muito a ver. (Para mim, ele era imaturo demais e só sabia falar sobre como ia largar tudo no Brasil e se mudar para Londres, onde a vida ia dar certo, o que posteriormente ocorreu.)
Mais tarde, entrei na universidade e conheci meu primeiro namorado, sobre quem eu não tenho nada de ruim para falar, visto que foi um completo anjo que precisou lidar com as inconstâncias da minha personalidade e com o fato de eu ter dificuldade de me entregar em um relacionamento. Ficamos juntos quase dois anos, o suficiente para terminarmos, voltarmos e depois terminarmos com ele me odiando. Hoje somos amigos e eu encorajo seus relacionamentos amorosos (mesmo que a distância).
Em seguida, fui morar um ano na França. Foi um período intenso de descoberta da minha sexualidade. Desci do avião disposto a viver o máximo possível de experiências, a fim de conseguir escrever textos com mais alteridade e capazes de tocar profundamente as pessoas. Na prática, passei meu primeiro semestre a me apaixonar platonicamente por qualquer francês que me desse atenção. Em uma conversa banal com uma amiga, me dei conta de que eu completaria um ano sem sexo.
Estupefato com a realidade, cheguei em casa, baixei todos os aplicativos de encontro por geolocalização e no dia seguinte estava fazendo sexo com um francês estudante de filosofia que, horas antes, havia se mostrado pelado no Skype. (Parênteses: foi um momento estranho, no qual eu desejava o mais rapidamente fechar o notebook, mas não queria constrangê-lo; optei por sorrateiramente desligar o wifi e voltar horas depois, sob a desculpa de que a internet da minha residência universitária era fraca.) Seguiu-se a isso uma fase na qual saí com pessoas cujos nomes não faço a menor ideia, mas que podem muito bem ser Matthieu, Jean, Pierre ou Quentin.
Um era estudante de biologia, gostava de livros infanto-juvenis e foi a única pessoa maior do que eu com a qual dormi. Outro era um árabe que invadia casas de campo abandonadas para ser expulso dias depois pela polícia, e cujo impacto na minha vida se resume a um leve ataque de ansiedade antes do resultado de um teste de HIV, seguido de uma torta de chocolate para comemorar o resultado negativo, apesar de termos usado camisinha. Outro era um psiquiatra que, basicamente, pensava que estávamos em filme pornô, o que rende até hoje análises à minha terapeuta, mas a quem preciso agradecer por ter me ensinado que, se sua intuição diz para você ir embora, você deve ir embora, sem se importar em passar vergonha. Seguiram-se muitos outros, alguns com os quais tive um breve relacionamento, outros com os quais eu gostaria de não lembrar mais o nome.
Dois meses depois de voltar do intercâmbio, sob medicação para depressão e ansiedade, conheci um designer lindo, mas convencido. Como a provar que a vida dá voltas, ele era o tipo de cara que me chamou a atenção na primeira vez em que fui a uma boate. Pontos positivos: parecia francês, tinha um sorriso lindo, era inteligente e apos três semanas de conversa, ainda não tinha me perguntado "o q tu curte?". Pontos negativos: era narcisista, se importava demais com a aparência, postava muitas selfies no Instagram e tergiversava quando eu o convidava a sair. Ao longo de um mês de conversas, meus pensamentos por ele variaram como uma montanha-russa: 1) TENHO que ficar com ele, 2) Deus, como ele pode ser tão resistente?, 3) As ultimas cinco conversas fui em quem puxei assunto, vou esperar ele começar, 4) Se ele não me quer, tem quem queira! Vou bloquear ele do meu Facebook, (passa uma semana), 5) ok, vou dar mais uma chance. Apos um mês de insistência, consegui marcar um café em um sábado frio, no qual chovia como se o céu quisesse machucar os seres humanos por cada peido jogado na atmosfera.
Resultado: um ano e meio depois, estamos juntos. Ele mora em um apartamento com uma planta na sala, pôsteres coloridos na parede e tem uma cozinha com aparelhos domésticos vermelhos, como a Amélie Poulain. Tem uma paciência comigo que jamais vi igual, a ponto de aguentar minhas inseguranças, meus pedidos de tempo, de silêncio, de espaço. De me ensinar a amar e ser amado. Eu vou aprendendo, como uma criança esforçada na escola. Me descubro careta e patético pensando nele, como se a vida não fosse tão difícil de ser encarada com ele ao meu lado. Em 10 dias faço 22 anos e, sinceramente, não acho que cheguei àquilo que Bob esperava de mim, apesar de ter feito algumas boas conquistas. Hoje não quero mais ser como aqueles caras lindos que dançavam no meio da pista de dança. Mas me esforço para trabalhar e poder comprar Twinings à vontade, como um aristrocrata britânico.
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015
ansiedade
A minha primeira lembrança de dissociação foi aos 5 anos. Era noite e meu pai ameaçara me bater porque eu queria limpar o quarto em vez de dormir, ao que fui para a cama a contragosto. Uma vez deitado, senti uma força sair do peito e me puxar para baixo, o que me fez observar o próprio corpo do teto. Como era criança, fiquei assustado e falei para a minha mãe que tinha cólicas (talvez porque eu a ouvia reclamar das dores no período menstrual). Ela falou para eu sentar no vaso e esperar o cocô descer. Não saiu nada, mas fiquei tempo o bastante sentado a ponto de ficar com sono e voltar para a cama e dormir.
Talvez esse tenha sido um dos primeiros sinais de que eu me tornaria uma pessoa ansiosa. Meu pai dizia que homens não mostravam suas emoções, então aprendi que deveria guardar para dentro qualquer sentimento. Para certos efeitos, consegui me libertar e me tornei uma pessoa acidamente sincera e transparente. Para outros, acumulo toda a ansiedade dentro de mim a ponto de ela crescer e se transformar em pensamentos dramáticos e prejudiciais como uma erva-daninha (por que ninguém se preocupa com o fato de que a qualquer momento TUDO pode dar errado na vida???).
Felizmente, não tenho TOC - ao contrário de um parente que sempre cancela o aquecimento do micro-ondas quando faltam 10 segundos para acabar. No entanto, não consigo evitar de pensar que tenho 21 anos e não publiquei nenhum livro, sendo que nessa idade o Caio Fernando Abreu já estava no auge da escrita. E o Rimbaud, que tinha 17 e se tornou um dos maiores poetas da literatura francesa?? O que eu fiz de bom aos 17, além de passar na universidade? Em que mundo paralelo isso pode contribuir para a sociedade? Talvez eu devesse voltar para a cama. Ou limpar o meu quarto.
Leio Bauman compulsivamente e fico com pena da minha geração. Somos ambiciosos a ponto de desejarmos praticar o bem, mas imobilizados por conta das atualizações da timeline do Facebook. Como ser produtivo em um contexto em que posso saber de qualquer coisa que acontece, graças às redes sociais e aos portais de noticia? De que forma vou escrever um texto profundo e relevante se o Buzzfeed acaba de postar um link com mais fotos de cachorros fofos? Consciente disso, tento não pensar no assunto e passo café para mim, para em seguida me culpar (diariamente) por colocar duas colheres de açúcar. Minha mãe não aguenta mais e por isso comprou açúcar orgânico, ao que agradeço e digo que a amo.
Toda a vez em que passo a pé pela Assembleia Legislativa, uma mendiga velha me olha e pede dinheiro para comer. Eu a encaro (nunca ignoro, porque acho horrível fazer alguém sentir que não existe) e peço desculpas por não a ajudar dessa vez. Um dia, ao voltar do trabalho, vou ao supermercado e compro uma caixa de Bis para comer enquanto leio um livro chatíssimo para o TCC. Na volta, encontro novamente a velha, que me pede comida. Digo que só tenha uma caixa de Bis, ao que ela responde: "Tudo bem, um chocolate faz bem para adoçar a vida".
Entrego a caixa e saio andando, pasmo. Quisera eu ter essa positividade. No meio de tanta ansiedade, tendo a me focar nos pontos negativos da vida e passo a crer que meus dias são sempre ruins, ou que ao menos sempre poderiam ser melhores. A matéria que escrevi não tinha uma abertura boa, não andei de bicicleta como eu planejara, não almocei com o meu amigo, não fui romântico com meu namorado como poderia ter sido. E assim os dias passam a contragosto, como se eu estivesse sempre longe de quem aspiro a ser.
Chego à conclusão de que todo ambicioso tem um pouco de baixa autoestima, porque não se contenta com aquilo que possui e precisa de algo a mais para ficar em paz. Talvez por isso pessoas acomodadas pareçam felizes. Se estivessem incomodadas, fariam algo de diferente. E quem pode julga-las? Uma vida sem ansiedade é uma vida mais agradável. Um dia sem se preocupar se fez a escolha certa no trabalho, na relação, no direcionamento da vida. Certezas que duram mais de 24 horas. Ações sem uma autocritica constante e destrutiva.
Minha psicóloga disse que uma saída para a ansiedade é se esforçar para manter o foco no presente. Dar leves tapas na cara, fazer sexo, yoga, não remoer uma escolha depois de tê-la feito. Ações práticas que tragam a atenção para o que está acontecendo. Cumpro as tarefas à risca. Mas às vezes ainda me pego observando meu corpo do teto. Nessas horas, repito para mim mesmo: "Está tudo do jeito que tinha que ser, da melhor forma possível...". Coloco um sorriso no rosto e me ponho menos crítico. No fim das contas, somos as únicas pessoas com as quais precisaremos conviver 24 horas por dia pelo resto da vida. Talvez valha o esforço tentarmos ser um pouco mais agradáveis com nós mesmos. Para fazer a existência terrena mais calma.
Talvez esse tenha sido um dos primeiros sinais de que eu me tornaria uma pessoa ansiosa. Meu pai dizia que homens não mostravam suas emoções, então aprendi que deveria guardar para dentro qualquer sentimento. Para certos efeitos, consegui me libertar e me tornei uma pessoa acidamente sincera e transparente. Para outros, acumulo toda a ansiedade dentro de mim a ponto de ela crescer e se transformar em pensamentos dramáticos e prejudiciais como uma erva-daninha (por que ninguém se preocupa com o fato de que a qualquer momento TUDO pode dar errado na vida???).
Felizmente, não tenho TOC - ao contrário de um parente que sempre cancela o aquecimento do micro-ondas quando faltam 10 segundos para acabar. No entanto, não consigo evitar de pensar que tenho 21 anos e não publiquei nenhum livro, sendo que nessa idade o Caio Fernando Abreu já estava no auge da escrita. E o Rimbaud, que tinha 17 e se tornou um dos maiores poetas da literatura francesa?? O que eu fiz de bom aos 17, além de passar na universidade? Em que mundo paralelo isso pode contribuir para a sociedade? Talvez eu devesse voltar para a cama. Ou limpar o meu quarto.
Leio Bauman compulsivamente e fico com pena da minha geração. Somos ambiciosos a ponto de desejarmos praticar o bem, mas imobilizados por conta das atualizações da timeline do Facebook. Como ser produtivo em um contexto em que posso saber de qualquer coisa que acontece, graças às redes sociais e aos portais de noticia? De que forma vou escrever um texto profundo e relevante se o Buzzfeed acaba de postar um link com mais fotos de cachorros fofos? Consciente disso, tento não pensar no assunto e passo café para mim, para em seguida me culpar (diariamente) por colocar duas colheres de açúcar. Minha mãe não aguenta mais e por isso comprou açúcar orgânico, ao que agradeço e digo que a amo.
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Entrego a caixa e saio andando, pasmo. Quisera eu ter essa positividade. No meio de tanta ansiedade, tendo a me focar nos pontos negativos da vida e passo a crer que meus dias são sempre ruins, ou que ao menos sempre poderiam ser melhores. A matéria que escrevi não tinha uma abertura boa, não andei de bicicleta como eu planejara, não almocei com o meu amigo, não fui romântico com meu namorado como poderia ter sido. E assim os dias passam a contragosto, como se eu estivesse sempre longe de quem aspiro a ser.
Chego à conclusão de que todo ambicioso tem um pouco de baixa autoestima, porque não se contenta com aquilo que possui e precisa de algo a mais para ficar em paz. Talvez por isso pessoas acomodadas pareçam felizes. Se estivessem incomodadas, fariam algo de diferente. E quem pode julga-las? Uma vida sem ansiedade é uma vida mais agradável. Um dia sem se preocupar se fez a escolha certa no trabalho, na relação, no direcionamento da vida. Certezas que duram mais de 24 horas. Ações sem uma autocritica constante e destrutiva.
Minha psicóloga disse que uma saída para a ansiedade é se esforçar para manter o foco no presente. Dar leves tapas na cara, fazer sexo, yoga, não remoer uma escolha depois de tê-la feito. Ações práticas que tragam a atenção para o que está acontecendo. Cumpro as tarefas à risca. Mas às vezes ainda me pego observando meu corpo do teto. Nessas horas, repito para mim mesmo: "Está tudo do jeito que tinha que ser, da melhor forma possível...". Coloco um sorriso no rosto e me ponho menos crítico. No fim das contas, somos as únicas pessoas com as quais precisaremos conviver 24 horas por dia pelo resto da vida. Talvez valha o esforço tentarmos ser um pouco mais agradáveis com nós mesmos. Para fazer a existência terrena mais calma.
domingo, 8 de fevereiro de 2015
melancolia
Nos últimos tempos é um pouco difícil falar com pessoas da minha idade sobre algum assunto que não tenha a ver com ambição. Os amigos mais próximos estão se formando na faculdade, alguns já estão empregados, outros fazem planos de morar fora, outros não têm a menor ideia do que fazer. Parecemos adolescentes de 14 anos e meio, quando somos as ambições que criamos para o futuro próximo.
Eu estava na festa de 28 dias para a formatura da minha turma com um nível de álcool no sangue bem menor do que eu desejava, talvez por conta da massa penne que meu namorado cozinhara algumas horas antes. A cada dois passos que eu dava na festa, encontrava algum conhecido da faculdade a quem abraçava e falava sobre amenidades, formatura, projetos de vida etc. Como se estivessem em uníssono, todos estavam excitados, ansiosos e, basicamente, apavorados com o que fariam a partir do momento em que pegassem o diploma e tivessem que enfrentar o mundo das expectativas criadas para uma pessoa já formada.
Dançamos como amigos idosos fazem em bailes da saudade, com um pouco de excitação, mas sem aquela energia dos velhos tempos. O lugar estava lotado o bastante para as pessoas pisarem nos pés das outras sem pedir desculpas. As músicas iam de Novos Baianos a Queen, o que me deixava sem saber como dançar e meu namorado entediado, trocando mensagens pelo iPhone com uma amiga. Eram 3h quando fui embora com uma leva de amigos.
No dia seguinte, me ergui da cama com pensamentos amargos não típicos de um sábado de manhã, quando em geral estou alegre e bem-disposto. Ainda de pijama, encarei a pilha de louça suja da massa penne, fiquei desmotivado e voltei para a sala. Sentei no sofá e comecei a ler 1Q84 entre uma mordida e outra de uma maçã bem doce. Depois de duas páginas, larguei o Kindle de lado e comecei a repensar o que havia acontecido na noite anterior. Havia algo que não estava certo, como uma peça de quebra-cabeças não encaixada no lugar correto. Faz cerca de dois anos que minha turma da faculdade quase não se encontra. Saio com três ou quatro pessoas, em geral em almoços, com hora certa de inicio e fim. Quanto à minha turma de amigos do colégio, as coisas também mudaram: minha melhor amiga se mudou para Barcelona com o namorado, meu melhor amigo está na Finlândia, outra mora no interior para cursar Medicina. Restaram poucas pessoas, mas não o suficiente para seguirmos o hábito de ir em bares às sextas-feiras, reunir-se aos domingos para tomar banho de piscina e fazer nada em lugar algum.
Esperei ansiosamente meu namorado se revirar na cama, ao que fui correndo para não deixá-lo voltar a dormir. Enquanto abraçava um travesseiro de astronauta, contei tudo o que se passava na minha cabeça. Com a maturidade de quem tem quase 30 anos, uma paciência de quem está apaixonado e uma voz de sono, ele explicou que o afastamento é absolutamente normal e previsível. Uma vez que não há mais a necessidade de convivência por conta das aulas, a faculdade não é um motivo para nos unir. Apenas continuam a se ver aqueles cujo vinculo ultrapassa a obrigação de convivência diária. Quanto aos amigos do colégio, cada um constrói a sua trajetória, o que às vezes implica ausência física e aumento do gap entre os encontros. Assim como a vida se reconfigura, o mesmo ocorre com nossas relações.
Me senti como o adolescente de 16 anos que era ao sair do colégio - ansioso para entrar na faculdade, melancólico por saber que se encerrava um período do qual, mais tarde, eu sentiria falta. Eu sabia, à época, que deixaria de ver meus colegas do Ensino Médio, exceto aqueles com quem ainda saio hoje. O caso é que sofria com o luto futuro, com a consciência de que um ciclo se encerrava e que parte de mim ficaria para trás, acessível a partir dali apenas por lembranças e fotografias - praticamente o que acontece hoje.
Esse sentimento me parece típico de encerramento de uma fase. Quer dizer, quando convivemos com um grupo de pessoas, parte de nós fica com elas nesta maluca experiência que é o inconsciente coletivo. Quando nos afastamos, também ficamos mais distantes de parte de nós mesmos. E assim fica para trás o eu universitário que ia empolgado para a faculdade, que saía para festas com os colegas, que tomava banho de piscina com os amigos, que tinha os finais de semana livres para fazer absolutamente nada. Um eu que vira história e dá lugar a uma nova identidade.
Talvez o medo meu e dos meus colegas seja este: como se reinventar? Quem vou ser agora? São questões às quais é impossível responder no momento e cujas respostas só aparecem depois, quando a equação já foi solucionada e olhamos para trás, com um pouco de melancolia e saudade.
Eu estava na festa de 28 dias para a formatura da minha turma com um nível de álcool no sangue bem menor do que eu desejava, talvez por conta da massa penne que meu namorado cozinhara algumas horas antes. A cada dois passos que eu dava na festa, encontrava algum conhecido da faculdade a quem abraçava e falava sobre amenidades, formatura, projetos de vida etc. Como se estivessem em uníssono, todos estavam excitados, ansiosos e, basicamente, apavorados com o que fariam a partir do momento em que pegassem o diploma e tivessem que enfrentar o mundo das expectativas criadas para uma pessoa já formada.
Dançamos como amigos idosos fazem em bailes da saudade, com um pouco de excitação, mas sem aquela energia dos velhos tempos. O lugar estava lotado o bastante para as pessoas pisarem nos pés das outras sem pedir desculpas. As músicas iam de Novos Baianos a Queen, o que me deixava sem saber como dançar e meu namorado entediado, trocando mensagens pelo iPhone com uma amiga. Eram 3h quando fui embora com uma leva de amigos.
No dia seguinte, me ergui da cama com pensamentos amargos não típicos de um sábado de manhã, quando em geral estou alegre e bem-disposto. Ainda de pijama, encarei a pilha de louça suja da massa penne, fiquei desmotivado e voltei para a sala. Sentei no sofá e comecei a ler 1Q84 entre uma mordida e outra de uma maçã bem doce. Depois de duas páginas, larguei o Kindle de lado e comecei a repensar o que havia acontecido na noite anterior. Havia algo que não estava certo, como uma peça de quebra-cabeças não encaixada no lugar correto. Faz cerca de dois anos que minha turma da faculdade quase não se encontra. Saio com três ou quatro pessoas, em geral em almoços, com hora certa de inicio e fim. Quanto à minha turma de amigos do colégio, as coisas também mudaram: minha melhor amiga se mudou para Barcelona com o namorado, meu melhor amigo está na Finlândia, outra mora no interior para cursar Medicina. Restaram poucas pessoas, mas não o suficiente para seguirmos o hábito de ir em bares às sextas-feiras, reunir-se aos domingos para tomar banho de piscina e fazer nada em lugar algum.
Esperei ansiosamente meu namorado se revirar na cama, ao que fui correndo para não deixá-lo voltar a dormir. Enquanto abraçava um travesseiro de astronauta, contei tudo o que se passava na minha cabeça. Com a maturidade de quem tem quase 30 anos, uma paciência de quem está apaixonado e uma voz de sono, ele explicou que o afastamento é absolutamente normal e previsível. Uma vez que não há mais a necessidade de convivência por conta das aulas, a faculdade não é um motivo para nos unir. Apenas continuam a se ver aqueles cujo vinculo ultrapassa a obrigação de convivência diária. Quanto aos amigos do colégio, cada um constrói a sua trajetória, o que às vezes implica ausência física e aumento do gap entre os encontros. Assim como a vida se reconfigura, o mesmo ocorre com nossas relações.
Me senti como o adolescente de 16 anos que era ao sair do colégio - ansioso para entrar na faculdade, melancólico por saber que se encerrava um período do qual, mais tarde, eu sentiria falta. Eu sabia, à época, que deixaria de ver meus colegas do Ensino Médio, exceto aqueles com quem ainda saio hoje. O caso é que sofria com o luto futuro, com a consciência de que um ciclo se encerrava e que parte de mim ficaria para trás, acessível a partir dali apenas por lembranças e fotografias - praticamente o que acontece hoje.
Esse sentimento me parece típico de encerramento de uma fase. Quer dizer, quando convivemos com um grupo de pessoas, parte de nós fica com elas nesta maluca experiência que é o inconsciente coletivo. Quando nos afastamos, também ficamos mais distantes de parte de nós mesmos. E assim fica para trás o eu universitário que ia empolgado para a faculdade, que saía para festas com os colegas, que tomava banho de piscina com os amigos, que tinha os finais de semana livres para fazer absolutamente nada. Um eu que vira história e dá lugar a uma nova identidade.
Talvez o medo meu e dos meus colegas seja este: como se reinventar? Quem vou ser agora? São questões às quais é impossível responder no momento e cujas respostas só aparecem depois, quando a equação já foi solucionada e olhamos para trás, com um pouco de melancolia e saudade.
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