A primeira vez em que entrei em uma boate, senti que parte de mim mudara para sempre. Algo se rompia dentro de mim e jamais voltaria ao que era antes. Eu tinha 16 anos, um pouco de barba no rosto, uma carteira de identidade falsa e uma vontade desesperadora de vivenciar minha identidade por completo, o que incluía minha sexualidade.
Ser um adolescente gay não é fácil. Isso fica mais difícil quando seus pais são intolerantes e tentam proteger você com um amor infinito e ignorante. Entrar escondido em uma boate era muito mais do que ir para um lugar onde haveria gays com os quais eu pudesse (finalmente) flertar à vontade, beber um drinque que não me agradasse no primeiro gole e dançar musicas criadas especialmente para colar na minha cabeça. Era um ato de liberdade. Onde seria possível extravasar parte da minha identidade sufocada em casa.
Ao som de MGMT, eu encarava caras bonitos na pista de dança e os desejava ardentemente. Ao mesmo tempo, também os admirava, queria ser um deles quando tivesse a mesma idade. Será que eles moram sozinhos? Têm um apartamento próprio com uma planta na sala, pôsteres coloridos na parede, uma cozinha cheia de aparelhos domésticos vermelhos como os da Amélie Poulain? Trabalham em profissões que lhes preenchem, ganham dinheiro suficiente para viajar, mobiliar a estante com livros, comprar chá Twinings e sorvete Kibon Napolitano? Fazem o que desejam sem que os pais diminuam sua autoestima? Aqueles jovens adultos que atraíam o olhar de todos na pista eram o meu desejo de futuro. E eu me esforçaria a partir de então para ficar parecido com eles.
Algum tempo depois, conheci Bob (não é o nome dele, mas vamos preservar sua identidade), um publicitário de 22 anos, filho de um gay e de uma pastora protestante. Ele era loiro, barbudo, magricela por conta do uso de maconha e tinha uma gengiva desproporcionalmente grande. Mas me tratava como um príncipe e me elogiava "pela inteligência extraordinária para alguém da minha idade", o que era o bastante para seduzir um jovem gay de 16 anos rejeitado pelos pais. Entre uma das frases que mais me marcou, destaco: "Tu vai ser tão bonito quando tiver 22 ou 23 anos. Ninguém vai te parar". Foi o necessário para me fazer acreditar que o amava. E o suficiente para não me importar em irmos ao parque em um sábado à tarde, deitarmo-nos sem querer perto de um cocô de cachorro e eu ignorar o fedor, para não estragar o momento.
Alguns encontros mais tarde, enchi o saco de seus elogios e dei-lhe um pé na bunda, sob o argumento de que não tínhamos muito a ver. (Para mim, ele era imaturo demais e só sabia falar sobre como ia largar tudo no Brasil e se mudar para Londres, onde a vida ia dar certo, o que posteriormente ocorreu.)
Mais tarde, entrei na universidade e conheci meu primeiro namorado, sobre quem eu não tenho nada de ruim para falar, visto que foi um completo anjo que precisou lidar com as inconstâncias da minha personalidade e com o fato de eu ter dificuldade de me entregar em um relacionamento. Ficamos juntos quase dois anos, o suficiente para terminarmos, voltarmos e depois terminarmos com ele me odiando. Hoje somos amigos e eu encorajo seus relacionamentos amorosos (mesmo que a distância).
Em seguida, fui morar um ano na França. Foi um período intenso de descoberta da minha sexualidade. Desci do avião disposto a viver o máximo possível de experiências, a fim de conseguir escrever textos com mais alteridade e capazes de tocar profundamente as pessoas. Na prática, passei meu primeiro semestre a me apaixonar platonicamente por qualquer francês que me desse atenção. Em uma conversa banal com uma amiga, me dei conta de que eu completaria um ano sem sexo.
Estupefato com a realidade, cheguei em casa, baixei todos os aplicativos de encontro por geolocalização e no dia seguinte estava fazendo sexo com um francês estudante de filosofia que, horas antes, havia se mostrado pelado no Skype. (Parênteses: foi um momento estranho, no qual eu desejava o mais rapidamente fechar o notebook, mas não queria constrangê-lo; optei por sorrateiramente desligar o wifi e voltar horas depois, sob a desculpa de que a internet da minha residência universitária era fraca.) Seguiu-se a isso uma fase na qual saí com pessoas cujos nomes não faço a menor ideia, mas que podem muito bem ser Matthieu, Jean, Pierre ou Quentin.
Um era estudante de biologia, gostava de livros infanto-juvenis e foi a única pessoa maior do que eu com a qual dormi. Outro era um árabe que invadia casas de campo abandonadas para ser expulso dias depois pela polícia, e cujo impacto na minha vida se resume a um leve ataque de ansiedade antes do resultado de um teste de HIV, seguido de uma torta de chocolate para comemorar o resultado negativo, apesar de termos usado camisinha. Outro era um psiquiatra que, basicamente, pensava que estávamos em filme pornô, o que rende até hoje análises à minha terapeuta, mas a quem preciso agradecer por ter me ensinado que, se sua intuição diz para você ir embora, você deve ir embora, sem se importar em passar vergonha. Seguiram-se muitos outros, alguns com os quais tive um breve relacionamento, outros com os quais eu gostaria de não lembrar mais o nome.
Dois meses depois de voltar do intercâmbio, sob medicação para depressão e ansiedade, conheci um designer lindo, mas convencido. Como a provar que a vida dá voltas, ele era o tipo de cara que me chamou a atenção na primeira vez em que fui a uma boate. Pontos positivos: parecia francês, tinha um sorriso lindo, era inteligente e apos três semanas de conversa, ainda não tinha me perguntado "o q tu curte?". Pontos negativos: era narcisista, se importava demais com a aparência, postava muitas selfies no Instagram e tergiversava quando eu o convidava a sair. Ao longo de um mês de conversas, meus pensamentos por ele variaram como uma montanha-russa: 1) TENHO que ficar com ele, 2) Deus, como ele pode ser tão resistente?, 3) As ultimas cinco conversas fui em quem puxei assunto, vou esperar ele começar, 4) Se ele não me quer, tem quem queira! Vou bloquear ele do meu Facebook, (passa uma semana), 5) ok, vou dar mais uma chance. Apos um mês de insistência, consegui marcar um café em um sábado frio, no qual chovia como se o céu quisesse machucar os seres humanos por cada peido jogado na atmosfera.
Resultado: um ano e meio depois, estamos juntos. Ele mora em um apartamento com uma planta na sala, pôsteres coloridos na parede e tem uma cozinha com aparelhos domésticos vermelhos, como a Amélie Poulain. Tem uma paciência comigo que jamais vi igual, a ponto de aguentar minhas inseguranças, meus pedidos de tempo, de silêncio, de espaço. De me ensinar a amar e ser amado. Eu vou aprendendo, como uma criança esforçada na escola. Me descubro careta e patético pensando nele, como se a vida não fosse tão difícil de ser encarada com ele ao meu lado. Em 10 dias faço 22 anos e, sinceramente, não acho que cheguei àquilo que Bob esperava de mim, apesar de ter feito algumas boas conquistas. Hoje não quero mais ser como aqueles caras lindos que dançavam no meio da pista de dança. Mas me esforço para trabalhar e poder comprar Twinings à vontade, como um aristrocrata britânico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário