Eu podia ir aí na sua casa, olhar pra sua cara e dizer, vai pra puta que pariu. Podia mesmo, eu me sustento, tenho meu Uno que você chamava de caixa de fósforo - mas que fui eu quem paguei -, poderia ir aí na sua casa e falar um monte de coisa, podia mesmo. Primeiro eu chegaria do trabalho fedendo a suor e café, vestindo qualquer camisa de liquidação suja, e pensaria em ir pra sua casa com esta mesma roupa, só pra você sentir meu cheiro: de suor, de café, o cheiro que lhe excitava quando eu chegava do trabalho e dizia, vamos trepar? Mas eu pensaria melhor, então teria a ideia de tomar um banho, colocar a minha melhor roupa, um perfume francês e até gel no cabelo, só para pra chegar na sua casa e fingir que estou dez vezes melhor sem você. Faria mesmo isso.
Então veria o seu olhar que diria, ele tomou um banho e colocou a melhor roupa para fingir que está bem sem mim, e meu olhar responderia, eu sei que você sabe o que eu fiz, mas você tem coragem de dizer em voz alta? Você não diria, e eu sentiria que havia vencido outra vez. Me convidaria para entrar: eu aceitaria, policiando meu caminhar: nada muito bravo, nem muito vulnerável, cuidando para não fazer muito barulho com meu sapatênis e controlando meus gestos para que não ficassem muito rápidos, tudo para que nada assustasse lhe. Encararia seu sofá, ele estaria do mesmo jeito de sempre: reto à televisão. Me inclinaria para sentar e ouviria o seu desabafo. Me desculpa, eu sei que é pedir muito que você me perdoe, para então apelar para o inevitável, anistiando nós dois da culpa, é claro: “o que é pra ser é pra ser”, “se não fosse isso seria outra coisa”, “nosso relacionamento já estava no final”.
Sabe o que eu responderia? Sim, você sabe o que eu responderia, porque eu sou previsível, eu sempre digo, isso não é certo, isso não é ético, e você sempre diz, fica quieto e guarda a sua ética pra si. Eu diria, eu sabia que nosso relacionamento estava no final mas não trepei com ninguém da tua família, você foi e trepou com o meu irmão, cadela. Então eu me exaltaria, e começaria a gritar, dizer que você nem soube o que eu passei, dias me remoendo, que na minha primeira noite eu saí pra procurar uma puta para dar pra mim, mas que nem fiz nada porque fiquei com nojo; nojo mesmo, pra mim puta é que nem motel, um nojo, todo mundo usa e vai embora, nem se fosse cheirosa. Você olharia para mim com cara de espanto, percebendo que eu tentei substituí-la com uma china: ficaria ofendida por alguns segundos para depois baixar a cabeça e ficar olhando para o chão. E eu continuaria praguejando, tudo o que eu fiz por ti, ficava até onze horas da noite naquele escritório fedorento e quente enquanto você chupava meu irmão, que nojo, você que nem era paga por isso. Você não faria nada, ficaria olhando para o carpete vermelho, nenhuma reação, uma criança com dois braços em frente ao corpo. Finalmente eu sairia da minha redoma de egoísmo e veria a situação medíocre em que estaria, gritando com uma criança, para então parar de gritar; respiraria duas vezes e diria, desculpa, eu me exaltei. Ouviria você dizer, está bem, mas calma, e eu pensaria, ela tá pedindo que eu fique calmo?, eu que tenho que estar na posição superior, eu que fui a vítima,e você perceberia o que aquele "calma" fez, então olharia mais uma vez para baixo para mostrar vulnerabilidade, mas no fundo, sabendo que estaria no controle da situação; eu me sentiria mal de novo, e voltaríamos à estaca zero, você estaria com a palavra.
Mas eu não quero te ouvir agora, agora eu quero só falar, é por isso que eu faço essa carta, eu quero comunicação em uma via, eu quero falar e não quero resposta, não quero sua voz, seu cheiro, seu corpo, eu só suporto suas lembranças, eu quero ser mimado, quero ter a palavra e usurpar a palavra, é por isso que não uso meu Uno usado e vou até aí, eu quero sentir poder com as minhas palavras. Que você leia esta carta e jogue no lixo, ou queime ou guarde em moldura, tanto faz, desde que você leia e se arrependa, e pense, era mais fácil quando eu só dava pra ele. Sim, meu amor, era mais fácil quando você só dava pra mim.
11 comentários:
Nossa. D:
Intenso. Surpresa ao ler, nunca te vi escrever assim, enfim... gostei.
MEU DEUS, CARALHO
MORRI
muito bom, exepcional, sério, um dos seus melhores posts, acho que a Fernanda Young realmente te influenciou, te inspirou.Tá muito ela.
Eu confesso que comecei com preguiça, mas depois devorei seu texto e queria mais, queria um UNO para ir até, fazer vc escrever mais sobre isso.
HAHAHAHAHAHAH
beeijooo
posso te contar que me deu vontade de escrever a resposta da mulher, mas não quero invadir sua criação.
HAHAHAHAH
Muito bom... Você fica se perguntando o que vai acontecer depois... Você sabe prender seu leitor. =D
Bjs
M.
Caralho, você tá mudado, rapaz... AUHAUAHUAHAUHA adorei, adorei. Fantástico. Humor trágico \o\ hahaha
posso te contar que me deu vontade de escrever a resposta da mulher, mas não quero invadir sua criação. [2]
Amei o novo layout e a tua visita xD
rss
me prendi total nessa o/'
Parabéns .
Olha MArcel me espantel um pouco...
mas achei bem intenso
adorei...
beijinhos
Essa prosa, lembro-me uma música de Chico Buarque:
"Olhos nos olhos
Quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais"
É, MULHERES, DEEM COM AMOR.
é mais simples encarar assim, espero que ela pense o mesmo
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