quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Apenas umas lascas pelo canto


Já eram quase seis horas da tardinha e eu saí de lá. Andei pelo Centro, e aquelas pessoas sem rosto olharam pra mim: eram todas pessoas com rosto mas agora tento me lembrar e não consigo. Quando sonho, as pessoas que vejo são aquelas que vi na rua ao longo do dia, posto que o inconsciente não inventa faces, apenas nos apresenta as já vistas. Acordado, não vejo aqueles rostos, mas sonhando, sim. Queria sonhar acordado de: verdade, não na expressão que se usa, porque veria de novo os rostos que não vi e então imaginaria uma identidade para cada um. Andei pelo Centro e quando me dei conta,
                estava no Cais do Porto. Pensei em sentar na beiradinha e balançar meus pés, porém lembrei que agora colocaram grades e só dá para ficar próximo a elas. Assim a gente fica longe d'água e não corre risco, e assim a gente fica infeliz. Cheguei naquele corredor gigantesco e vi um navio que para mim era grande, não sei se para outros também, talvez: outros navios riam da pequeneza dele. De qualquer jeito era navio. Tinha duas cores, dividas por uma linha, a de: baixo era vermelha, e a de cima, azul-escura. Uma comporta estava aberta, e dali caíam litros e litros de água, que caíam também em cima de duas cordas grossas que o amarravam ao cais. Em sua frente, havia um barquinho pequeno pequeno, com alguns homens fazendo algo que sei lá. Um estivador passou, e eu: perguntei se poderia subir no navio, só pra ver como é, nem fico muito tempo, até fico com o senhor... porém ele disse que só quem trabalhava poderia subir. Fui embora chateado, chutando uma pedra que estava por ali. Saí do Cais
                                com aquele negócio meio quadrado meio triângulo nos pés, que girava e girava pronde eu quisesse que fosse. Numa hora, dei um chute forte, e se
Lascou.
A pedra se despedaçou.
foi aí que percebi que existem diferentes tipos de pedras por aí. Pedras perdem pedaços, mas é só para que fiquem mais redondas e possam deslizar melhor. Algumas não gostam de perder lascas, mesmo sabendo que depois ficam mais redondas e giram mais fácil. Estas pedras são as que mais atrasam o jogo, porque talvez nunca mudem de opinião talvez: sejam sempre não-redondas. Vez em quando, todo o tipo de pedra passa por poças d’água. Algumas: reclamam por terem se molhado, e outras ficam felizes por se refrescar. Algumas pedras têm o azar de rolarem em merda. Essas são as mais azaradas mas: também sortudas, porque depois da merda podem aprender a reconhecer como é bom estarem limpinhas. Pena que algumas pedras ficam sujas mesmo limpas e pena: que algumas pedras fiquem sempre na merda, por escolha própria e sem saber. Eu
                               Sou uma pedra, mas não sei
Por quem eu sou chutado. Não sei
                               Se quero ser cuidado.
                               Hoje perdi uma lasca pela rua, e
                               Me doeu muito.
                               Mas agora estou mais redondo,
                               E talvez um pouco mais tratado.
                              
Chutei a pedra por mais de oito quadras, e ela não ficou redonda. Acho que se ficasse chutando por um tempo infinito, ela teria ficado. 
Acho que se viver até o infinito, dá para deslizar mais fácil.

2 comentários:

Luna disse...

Gostei da metáfora. Pena que a gente não vive infinitamente, pra mudar de forma, deslizar melhor, pra viver cada vez melhor, e mais feliz.

Gall disse...

Bah marcel, toda vez que eu volto no teu blog vejo que tu tá cada vez melhor nesse negócio de brincar com palavras ;D

Minino: meu blog http://so-pradizer.blogspot.com/

dessa vez ele anda, é minha unica fuga da more cerebral por excesso de estudos :*

bora fazer um cocôlate quente antes que o calor volte pra valer ;D