domingo, 23 de maio de 2010

Passaporte na mão

Amadíssmo, não fales.
A palavra do homem desencanta.
(Baladas, Hilda Hilst)


Hoje à noite, não quero que fales qualquer água. Porque te encontrarei leve do mundo, te encantarei em estado mudo. Sentaremos à mesa e colocaremos os casacos nas cadeiras. Eu direi, eu só quero uma água por favor, para que o garçom pergunte se quero com gelo ou limão: e tu completarás: gelo e laranja. O celular vai estar desligado, assim como minha expressão. Opaca e insípida.  Mas apesar de estar sem expressão e com ares desligados, minha mente correrá a milhares de quilômetros por hora, voando por montanhas nevadas e casebres de madeira com lareira (e quem sabe um morro tomado por neblina, para dele pular em direção, não à terra, mas à Terra). O garçom chega, e eu nem agradeço. Porque gentilezas não serão para mim: só me bastará o meu silêncio. Só me restará o teu consenso. 

Não fale hoje à noite
Porque quero me encontrar com a solidão
Sem deixar de ver teu rosto.

Das montanhas e dos morros voarei até acima dos prédio duma Porto Alegre cinza dum inverno ainda mais. Pulando de prédio em prédio para disfarçar a ruptura interna da minha personalidade: em que vejo cores onde não há: sinto presenças que não estão. Tu à minha frente, e eu a mil quilômetros. Não é preciso mãos: é preciso fugir mas ainda estar.

Ao meu lado,
Só quero que respeite minha loucura.
Gelo e laranja.
Eu e tu com passaporte na mão.
Transformado.
Como se eu não pudesse me evitar.

7 comentários:

Érica Ferro disse...

Tu arrancas pedaços da tua alma e coloca-os num papel ou numa postagem assim do blog.
Acho bonito, intenso. E eu me identifico de modo que não sei explicar, mas eu me identifico!

Anônimo disse...

viver uma loucura constante, nem que seja ela entrelaçada dentro da nossa alma, mente, coração..


a liberdade é que nos move a cada instante!

DBorges disse...

Foi delicioso te ler, Marcel.
Escreveu como um escritor nada amador, foi intenso, na veia.
EScreveu tão lindamente que cheguei a duvidar a autoria.

Ainda não estou acreditando.
Mas quero acreditar que você cresceu, amadureceu, melhorou e agora deve ser visto e reconhecido como alguém que escreve tão bem que precisa ser lido.. não só por mim, ou pelos poucos visitantes que vem aqui.

Saio daqui encantada e satisfeita.

Charles Bravowood disse...

Acho que mais alguém quer sair procurando amor, caçando sentimentos! Eu estou precisando de coisas assim, se ações meio fora do comum, preciso de romance!

Até meu caro,

Charlie B.

Nina Vieira disse...

Eu também queria inventar uma fuga dessas, passaporte com destino para dentro de outro ser.
Abraços.

Unknown disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Marcel Hartmann disse...

Não suporto este tipo de comentário vazio só para fazer propaganda. Se não há nada para falar, não fale.