- Envelheça comigo - uma mão no meu ombro e outro no meu braço do lado oposto. Pedi que repetisse, não sei se pelo enunciado soar fora de contexto ou se pela vontade de que colocasse a boca perto do pescoço novamente, sei que pedi e ouvi de novo as mesmas palavras. Estranhei. Tive um pouco de receio. Entretanto, controlei o temor e fui extrair o que podia, indaguei: "e como será tua velhice?". Rodeada de pessoas gentis, respondeu, talvez vivendo em uma casa com alguém que amasse, usufruindo daquilo que obtive na vida e nas tentativas de dar a volta em mim mesmo. Foi uma resposta boa, pensei na hora, tomando como inusitado aquele diálogo em meio às mesmices de sempre - pessoas cantando, dançando em uma guerra de egos e se encarando como cadelas no cio loucas para. Amargura um pouco ver recortes dos passos de lobos encarando seus carneiros que almejam com todas as forças se tornarem lobos por mais que nunca o possam, visto que, uma vez carneiro, sempre carneiro, a vivência de lobo é de algo deveras escura e misteriosa, não a ponto de instigar a descobrir, mas sobretudo naquele sentimento que nos move pela fuga.
Moveu-se pela pista e voltou com uma bebida - o álcool que degrada, instalando-nos mais perto daquilo que chamam de época branca cujo principal hábito será reclamar das músicas altas e sem qualidade dos jovens de hoje, jovens que não fazem nada além de frequentar os mesmos locais, ouvir as mesmas músicas e viver as mesmas sensações, acreditando saber da novidade. Bebeu um gole e perguntou-me outra vez, envelhece comigo? E respondi rápido que nem sei se quero amanhecer com você, quem dirá envelhecer
quem dirá saber de minha vida de depois
como um baú cheio de roupas
onde as traças adoram se meter
estragando as roupas de amanhã
e eu sem saber o quer que faça
formando buracos, armando barracos
costurando retalhos com linhas de aquarela
e posando para fotos amarelas
que
tempos depois
vão descansar ao sabor do vento
enquanto eu, na minha vitória
já terei me recolhido há muito tempo...
Habitou-me e eu em seu contrário. No meio da madrugada fui-me embora, pensando em que na semana que vem o mesmo lugar teria uma festa boa, e no outro final de semana também. Aliás, todo o mês estava perfeito naquele lugar, os donos detêm uma boa visão de negócio...
*
Vários anos se passaram. Nunca mais apreendi qualquer coisa que me fizesse recordar dessa noite, até o dia em que, com meu Amor Maior, trocamos juras de eternidade e prometemos morrer ligados um ao outro, sem nos importarmos com eventuais quedas de cabelo. No fundo, verdadeiramente acreditei no que falava. Contudo, havia um juízo maléfico a me dizer da existência de uma improbabilidade na fruição da promessa. A vida é uma sequência de ilusões, refleti.
22 de junho de 2011.
Tema: velhice
Para o Clube da Escrita
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