voltar a escrever, deixar meus dedos darem forma digníssima às estranhezas do meu inconsciente. escrevo por ofício todos os dias sobre assuntos quaisquer, dos importantes aos banais, e me esforço para colocar o mínimo de poesia, ainda que seja na mais diminuta reportagem.
e para isso não digo apenas que a senhora estava cansada de viver décadas de pobreza, digo que a senhora estava tomada pelas marcas do esforço sem muito resultado ao longo tempo, porque, se formos de fato ao ponto mais longínquo, essa é a experiência universal. como uma pedra intocada, somos esculpidos ao longo dos anos nos detalhes mais específicos. surgem linhas na testa, bolsões embaixo dos olhos, vincos ao redor da boca, rancores no lado esquerdo do peito.
o tempo é tão atencioso, estende sobre nós o seu manto. quando me talha, sinto como se eu fosse o nobre da França, que merecesse muita atenção.
depois fica tudo escuro, um duro golpe de guilhotina.
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