(Talvez eu precisasse é dos silêncios)
Reverberação, Para não dizer adeus, Lya Luft
Porque estávamos um a um em minha casa numa madrugada quente e horrível. Súavamos como se tivéssemos a recém tomado um banho quente, talvez fosse o mundo que estivesse suando e nós não - e gotas salgadas saíam da minha nuca, centímetro por centímetro, perspassando minha coluna como se fossem leves dedos para dançar em minhas costas. Não lembro que filme víamos, desses
filmes que nós vemos só por ver, como quando vamos ao cinema automaticamente e, quando nos demos conta, começa a rodar Alvin e os Esquilos. Acho que era drama. Mas não era isso o que importava pois assistíamos a um drama antigo antigo antigo, e Ela sabia que eu não gostava de filmes antigos, sabia que eu não tinha paciência com nada que fosse antigo: e por isso me chamava de Campos, Álvaro de Campos; eu não falava nada, só ria ria ria visto que não sou daqueles caras fissurados em tecnologia - geek ou algo parecido? às vezes um rockzinho britânico. Eu era o rockzinho britânico, e Ela era minha baladinha melódica - tem algo mais chato que isso? éramos autossuficientes musicalmente falando, independentes amorosamente cantando, fotossintetizantes de felicidade: e meus amigos brincavam dizendo,
o Álvaro tá com a guria há 2 anos e eles nunca se pediram em namoro. Mas é porque isso não funcionava conosco, não o namoro, isso funcionava, mas Namoro não dava certo pois: não precisávamos trocar alianças, não precisávamos chamar o outro de namorado, mudava alguma coisa? Uma amiga dEla, toda metida à psicóloga veio dar o ar da graça ao dizer que eu tinha medo de fixar compromisso, e sabe o que eu disse? Eu disse que quando ela aguentasse ficar junto com alguém por mais de 2 meses, que viesse falar comigo. Ficou quieta, e Ela apertou a mão como quem diz: - você foi mau mas eu faria o mesmo. Pelo menos nós conseguíamos nos
acertar, mas também não é isso o que importa.. Estávamos assistindo a um drama na minha cama e a tv brilhava e o corpo não suportava aquele calor absurdo e o ventilador tentava - vencer o que não podia, era só um paliativo. Olhei para a tv e vi como era medíocre as pessoas esfolarem a pele o dia todo todo dia (numa Porto Alegre fria) para comprar uma tv de dez mil reais. E passam o dia todo fazendo coisas que não gostam - uns gostam, esses são os mais sortudos (ou lúcidos) -, aguentam desaforos de chefes e clientes, então: no final do mês, vão às Casas Bahia e desaforam atendentes; parcelam em 12 vezes uma tv sendo que já têm outra em casa e fazem uma festinha com os amigos para mostrá-la, o mundo é tão escroto assim? eu pensei. Pensei pensei pensei e Ela olhou para mim e disse, tu tá tendo uma brainstorm?, e eu disse, quê?, e ela disse,
não percebes mas às vezes estás sentado em uma posição qualquer fazendo algo comum e de repente teu espírito percebe que está envolvido em toda essa normalidade anormal para ambos - carne e espírito - e então como reação ele usa de mil maneiras mil lugares para fugir de toda essa redoma que parece te prender: todo e qualquer objeto ou ação ordinária serve como gatilho para que fujas dessa condição de mais um no mundo: e te pões em outros mundos e te jogas em outros planetas onde habitam pensamentos figurados: bem sei que ficas nu nesses planetas e também desnuda tudo o que neles há, mas não tenho ciúme não te preocupes pois também sei que esta é só mais uma maneira tua de fugir e avançar ao teu viver.
Olhei para Ela e sorri. Acariciou meu rosto e tornou a virar para a tv. Olhei um pouco para seu rosto olhos nariz e boca e quando virei à tv, senti um calafrio e uma vontade de vomitar: mas o vômito não veio pois meu corpo permaneceu parado. Agora havia uma tv de dez mil reais à nossa frente passando um drama bem irreal: éramos nós dois, eu e Ela, correndo dentro da película. Íamos a cinemas e bares, eu a buscava na faculdade e Ela me esperava no trabalho. Tentei falar algo mas fiquei mudo: para mim ou para o mundo? Até hoje não tenho certeza, mas o que é certo é que conhecia tudo o que se passava ali e: momentos de nostalgia tomaram meu corpo até que Ela apareceu no parque da Redenção cheirando heroína, e eu pensei, mas o que é esse absurdo? e heroína não é de se picar?, mas Ela cheirava heroína depois de fumar um baseado. Olhei para a mulher que estava ao meu lado, era Ela ainda?: o rosto de feições gentis apenas balançava a cabeça negativamente; eu não entendia nada nada nada mas sentia que devia olhar o filme. A mulher passeava pela redenção com olhares intensos e olhava tudo tudo tudo e às vezes dançava, acho que era o efeito da droga. Vomitou, e nesse momento perdi a vontade de vomitar, acho que ela vomitou por nós dois pois vomitou tanto, mas tanto, que senti que eu era ela e meu vômito era vômito dela. O filme
seguiu, e a mulher (ou Ela?) foi numa boate onde às vezes eu também íamos. O homem ali era Eu e fazia as mesmas coisas. Era uma boa representação - se não era reação a uma ação já antes projetada. A mulher foi ao banheiro e cheirou um pouco de pó com uma nota de cinco reais que o homem (ou Eu?) havia dado para que comprasse uma cerveja. Olhei mais uma vez para Ela, sentada à minha cama, e só reparei nas lágrimas que lhe caíam sobre as bochechas: talvez este tenha sido meu maior erro pois não reparei no olhar, na sua expressão, pois somente as lágrimas me chamaram a atenção - portanto hoje não posso afirmar o que dizia sua expressão. O filme passava e mais cenas desconhecidas apareciam, a mulher se drogava drogava drogava e quando via o homem, aparentava normalidade. Pensei em sair da cama e fugir para a rua esperando que um carro me atropelasse mas não consegui, na hora lembro que achei que devia ficar mesmo, as coisas não acontecem por acaso (mas que absurdo de acaso poderia ser este?). Finalmente
a mulher pegou um táxi e o taxista perguntou onde vamos? e ela disse, para o primeiro viaduto que tiver. Era o da Borges. Pagou o homem e saiu do carro a passos leves - tinha uma bota de salto alto, preta, de couro. Ajeitou o cabelo crespo e olhou para às arvores lá embaixo, os carros que passavam e os postes que iluminavam. Sentou-se no parapeito e fumou um cigarro, deixando marcas de batom vermelho na bituca. Na hora pensei no nojo que Ela tinha por cigarro, até brigava com o irmão para que largasse. Mas isso não importa, o que importa é o importante, e a mulher subiu no parapeito, olhou para baixo e pulou. Pessoas ao redor gritaram, não!, contudo a maioria ficou quieta colocando a mão na boca. Segundos depois, ouviu-se o baque lá embaixo e freadas de carros tentando não matar quem já estava morta. A câmera, vindo de cima, gradativamente focou o corpo estatelado: banhado em sangue: e com fraturas expostas. Pouco a pouco a imagem comemçou a desaparecer. O filme se encerrou. Olhei para o lado e Ela jazia morta na cama, de olhos fechados porém com o corpo quente. Quente de sangue, inflamado de amor.
9 comentários:
uou.
garoto precoce, que reuniu uma crônica metalisguistica.
vomitos, adoro! causa impacto.
suor, sexo oposto, amor.
tres planos,
o da cabeça do personagem principal(alvaro).
a ação do personagem principal(alvaro) e Ela
E o filme.
Você tem noção do que fez?
Março começou bem.
Gostei bastante!
Put´s...acabo sempre pegando o foco errado da história. Mas me prendi na parte onde ela se joga e todos gritam e depois põe a mão na boca.
Parece que este pôr a mão vem com gosto de conformismo e este não, não tão veementes, vem mais por conveniência!
Olha que pira minha!
Mas me bestilizo toda vez que penso na naturalização do caos!
Ana Laura
li de novo
li de novo
li de novo
li de novo
querido céu
gosto muito de você e dos seus olhos
eu sumi por aqui
e tenho uma dor no coração quando vejo que tu atualizou
PORQUE EU PAREI DE COMENTAR
e isso me machuca
gosto tanto de ler
mas tô com sono
e o texto é grande
te mando um beijo, espero que chegue porque você tá muito longe de mim RS
lindinho
adorei, adorei, adorei.
Me lembrou taanto, o Caio..
Apesar de ser beeem grande, é uma delícia.
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