você já parou para tirar fotos de uma paisagem bonita? o que ocorre é que, atrás da lente, você sai da posição de experimentador para se transformar em observador, então não vive mais o momento visto que se distanciou para registrá-lo. você não presencia, mas analisa. a memoria cerebral não é exercitada porque no final você terá uma bela fotografia para encarnar o sentimento que supostamente sentia na hora. meses depois, você verá a foto para se lembrar de como era bonita a paisagem, quando de fato não vai recordar, mas supor, visto que estava ocupado demais em gravá-la no filme da câmera. a imagem em papel trará uma alegoria de sentimento, uma lembrança meio-verdade, meio-falsa. mil fotografias e poucas imagens mentais, pouca experiência no presente na esperança de colher os frutos no futuro. seguindo tal raciocínio,
você tem dificuldades em manter-se no presente uma vez em que é movido pela vontade de sempre ser critico e de sempre analisar tudo para não cair no senso-comum. então você se torna ansioso e precisa de cada vez mais tempo e de mais experiências marcantes para apreender a realidade a fim de tocar os seus sentidos mais profundos para viver as mais diversas epifanias que nenhum barato de uma barata lispectoriana poderia proporcionar. você busca
as pessoas mais intensas e os gênios mais complicados e nunca está contente ou satisfeito visto que nada é bom o bastante e assim você entra em um circulo sem fim no qual vive muita coisa mas nada é o bastante.
(eu olho nos seus olhos e vejo que você não tem a idade da sua carteira de identidade.)
seu sorriso é jovem e você esconde bem, mas seus olhos mostram algumas das mais profundas cicatrizes que só pessoas velhas têm. e fala com um pesar e calma que não é reservado aos jovens. você gostaria de ser mais velho?
...
você, quando conhece alguma pessoa diferente, põe-se reservado e se torna uma pessoa das mais atenciosas. porque você analisa tudo porque não consegue entrar em uma situação sem saber se vai dar em algum lugar porque as coisas para você sempre têm que dar em algum lugar, caso contrário é uma perda de tempo. além disso, você precisa ter uma direção, senão não consegue saber se está melhorando ou piorando na vida. então você analisa e se julga e secretamente julga os outros mas julga a si mesmo mais ainda. você entrou nesta sala e sentou na poltrona vermelha e sorriu e perguntou se tudo estava bem comigo antes mesmo de eu perguntar se tudo estava bem com você e em seguida ajeitou-se confortavelmente como se não tivesse nenhum medo de mim, como se estivesse acostumado a transitar por inúmeros ambientes desconhecidos simplesmente porque não houve outra opção na sua vida além de dobrar esquinas vazias nos mais escuros becos da sua consciência. então você coçou o queixo e olhou para o lado e eu percebi
que você quer estar em todos os lugares e em nenhum lugar e que você se fecha em uma concha escura de proteção e insegurança e dificilmente sai de lá. entretanto, quando sai você libera toda a energia retida de uma vez. então você se apaixona perdidamente e caso a pessoa mostre que pode lhe machucar você hesita porque tem medo de não aguentar outras feridas porque está cansado de consertar as coisas e de colocar esparadrapos e pensar que amanhã vai ser melhor porque as coisas sempre ficam melhores no futuro. então você se apega nesse ir deixando, indo, levando. vive como se estivesse sentado dentro de um ônibus, esperando a hora de descer a parada, porém no fundo desejando que a parada não chegue nunca, já que sentar ali é bom e não faz mal a ninguém. olhando através da janela você pensa em como as coisas passam e é tudo muito bonito, mas efêmero. segundo seus olhos, o mundo pode ser despido de profundos sentidos, assim como adornado de significados dos mais estranhos. infelizmente, nosso tempo
acabou, e eu gostaria de vê-lo mais uma vez nesta semana, porque seu olhar está para fora de si e daqui a pouco você vai verter diante de mim, como uma cachoeira brava que segue a lei da gravidade.