Tenho diversas encrencas com as tecnologias digitais. a maior delas é a insistência em reduzir nossa personalidade, dotada das mais diversas dicotomias e questões complexas, a um grupo de fotos de poses forjadas, dispersas frases publicadas com algum objetivo planejado (inconsciente ou não) e projeções baseadas em como gostaríamos que o outro nos enxergasse. tudo assustadoramente natural e, na mesma medida, teatral.
Consequentemente, resumimos nossas vivências, opiniões, tristezas, medos, expectativas, traumas, esperanças e posições em relação ao mundo a uma foto boba com um sorriso amarelo no perfil. embalamos tal expressão em um pacote esteticamente agradável aos olhos e o dispomos nas virtuais prateleiras deste supermercado cujas fronteiras ninguém vê. tornamo-nos palatáveis, digeríveis e simplificados. enquanto isso, o tempo passa em uma logica que ainda não compreendemos totalmente, e tudo se torna primitivo e antiquado em questão de dias. so last week. démodé.
A pressão de renovar-se constantemente a fim de manter-se atraente perante o olhar do outro exige uma criatividade ilimitada. nossa geração é hype, é cool. todo mundo tem pinta de publicitário e de social media. sabemos o que está in e o comunicamos com fotos no Instagram do nosso ultimo prato no Consultório Culinário. na internet, somos todos engraçados, profundos e detemos uma opinião para tudo. também cozinhamos diversos pratos e somos peculiarmente intelectuais. ao ver uma foto de uma estante de livros em um quarto, me pego imaginando o trabalho da pessoa em ordenar tudo adequadamente, fechar a cortina para alcançar a luz adequada, tirar uma foto daqui, outra dali, com flash, sem flash... quanto tempo ela deve ter perdido para eu deslizar o mouse e visualizar sua imagem durante cinco segundos? quinze, vinte minutos? de alguma forma, as redes sociais nos ligaram a tal ponto que nos tornamos padronizados em nosso comportamento.
Uma vez li o desabafo de uma ex-chefe no Facebook: "não gosto de sushi, nem de frio. posso ficar aqui ainda?". acho que resume muita coisa. de tanto perseguirmos os mesmos objetivos, transformamo-nos em produtos em série. conseguimos a façanha de comercializar nossa própria identidade em uma época cuja moeda é virtual, ditada pela popularidade vapórea do numero de curtidas e compartilhamentos obtidos.
Somos um cigarro que consome a si mesmo. após a primeira tragada, lentamente descansamos em um cinzeiro acessível a todos. aos poucos as pessoas dão tragadas, sem pudor nem rancor. ao fim, o fumo se consome: fica o vazio da incompletude e a duvida: quanto valho por essas bandas? ou, mais enlouquecedor: será que consigo fugir disso?