O que ocorre é que o pensamento ocidental é regido por um ideal platônico. Isto é, a figura do Mito da Caverna é figura central de nosso dia a dia. Instala-se sob nossa sociedade um entendimento de que nossa realidade nunca é boa o bastante, visto que, em algum lugar - em nossas cabeças -, há algo que mereça ser perseguido.
Como consequência, somos uma sociedade de insatisfeitos. Nada é bom o bastante, sempre precisamos melhorar em alguma coisa, precisamos buscar a perfeição, tentando ser mais belos e inteligentes que se possa, aparar nossas arestas e defeitos em prol de tornarmo-nos uma escultura perfeita. O que ocorre? Penso que um atentado à nossa autoestima. Convenhamos que é deveras desmotivante olharmo-nos no espelho e nos compararmos a algum ideal de perfeição. Olho-me no espelho e vejo que preciso ser mais magro ou mais musculoso, que meu cabelo é ruim e seco, que minhas roupas não são adequadas, que minha ignorância é tamanha que devo me envergonhar, que em algum lugar há um Eu o qual devo perseguir, a fim de melhorar esta figura deplorável a qual encaro.
É uma lógica abusiva e que vai bem de acordo com a lógica capitalista, no momento em que preciso melhorar-me,
uppar-me, adquirindo produtos que, na minha visão, possam de alguma maneira crescer meus atributos. No fim, compro roupas caras e invisto meu tempo para alcançar um nível que não sei. Insere-se aqui a noção de
cultura como cultivo de mim mesmo, uma busca de criar em mim características que julgo serem admiráveis, além de podar ervas daninhas que possam me prejudicar. Alta cultura e baixa cultura, música erudita é bom, funk é ruim; Doistoiévksi é ótimo, Stephanie Meyer é péssimo.
A questão é que, na busca de uma constante evolução, realmente estamos evoluindo? É certo que hoje somos uma sociedade mais boa - dá pra falar isso? -, já que não é visto com bons olhos queimar prisioneiros em praça pública ou torturar inimigos como vingança. O que é evolução? No fim, o que é identidade? É algo fixo ou todo esse processo platônico de cultivo e mudanças em prol do adequamento de um ideal? Em
Tudo sobre minha mãe, do Almodóvar, Agrado diz que ficamos mais autênticos quanto mais nos parecemos com o que sonhamos que somos. É isso, então? E o que é identidade? A inconstância de que fala Zygmunt Bauman ou a solidez dos tempos antes do Iluminismo?
Buscamos tanto nos tornar algo que desejamos que, no fim, somos tão críticos com nossa própria personalidade que o resultado muitas vezes é um golpe em nós mesmos. Não consigo ser o que quero, então não me gosto. O amor-próprio é pequeno, pois não sou aquilo que gostaria de amar. Disso, criticamos também o outro, já que ele também não se adapta aos padrões que impomos. Eu imponho, você impõe e toda a sociedade impõe um padrão de beleza e de inteligência que ninguém consegue alcançar.
Não sei se há uma solução para tudo isso. Só escrevi este texto porque sempre tive para mim que é melhor ter consciência das coisas que fazemos e pensamos, ainda que julguemos errado e não consigamos mudar. A dúvida: é melhor tentar se tornar uma pessoa melhor, controlando defeitos e manias, ou simplesmente aceitar que todos têm defeitos e não adianta tentar mudar?