quarta-feira, 13 de março de 2013

Queria dizer fila e disse pau


Na fila do restaurante universitário, minha madrinha designada pela universidade tentava gentimente engatar uma conversa, sem muito sucesso. Dado meu esforço em expressar-me corretamente, eu pouco prestava atenção às suas palavras. Para puxar assunto, então, resmunguei: C’est chiant d’attendre notre fois à la queue, n’est-ce pas ?  - é chato esperar nossa vez na fila, não é? Ela arregalou os olhos: “Quê??”. Repeti a frase, com voz trêmula, e ela caiu na gargalhada. Em seguida elucidou: da maneira como falei a palavra fila (“queue”), pronunciei “pau”. E a frase transformou-se em uma confissão pornográfica.

Apos essa experiência no inicio do meu intercâmbio, cheguei à conclusão de que se expressar em uma lingua diferente da nossa é como trocar de guardarroupa e tentar dispor as roupas de baixo em gavetas menores. É preciso adaptar o pensamento, acostumado a encaixar-se nas aconchegantes molduras da nossa lingua-mãe, a novas formas e fôrmas (sonoras, no meu caso). E nisso, escorregamos no musgo de um terreno desconhecido.

“Vocês não estudam francês porque é um idioma belo. Vocês estudam francês para transmitir a mesma inteligência que vocês expressam na lingua de vocês”, disse o professor na primeira aula de gramática. E de fato, imagine a frustração: ao longo das mais básicas conversas, você testemunha a redução de todas as suas vivências e conhecimentos adquiridos ao longo dos anos a uma limitada lista de palavras. Você quer dizer que está incomodado com algo, porém não sabe falar “incomodado”. Então fala que "não está confortável".

Pode parecer uma troca banal, cuja consequência é pouca ou nenhuma. Em um quadro mais amplo, talvez. Entretanto, cada palavra é unica por trazer consigo uma carga de subjetividade especifica. Determinados contextos simplesmente pedem que expressemos certas nuances. Como já disse Eliane Brum em uma coluna, "cão" é diferente de "cachorro", visto que o primeiro cheira a sentimento ("o meu cão"), enquanto que "cachorro" pode ser qualquer um que passe pela minha frente. 

Sem o auxilio (ou ajuda?) de um vocabulário rico, nossas ideias correm o risco de enfraquecer. E ideias pobres (ou expressadas de uma maneira pobre quando não o deveriam) acabam por tornar-se vulneráveis a argumentos melhor apresentados – ainda que absurdos. Isto é, discutir com um Malafaia é mais dificil se você não dispõe de uma gama de palavras especificas que salvem você do risco de parecer preconceituoso, irresponsável ou leviano. As sutilezas da subjetividade nunca são fáceis de serem expressadas.

Por via das duvidas, apos o incidente com minha madrinha, procurei no dicionário um sinônimo para fila : file. É mais formal e menos utilizado, porém mais fácil de pronunciar. Entretanto, entre parecer safado ou deslocado, prefiro a segunda opção.