quarta-feira, 27 de março de 2013

A mala do futuro



É sempre fácil amar e ser amado, é sempre fácil viver e dormir, e comer e trabalhar e caminhar. Tais verbos não apresentam problemas na hora de serem conjugados visto que são básicos, não necessitam de explicações e bastam-se por si próprios. Entretanto, quando acrescentamos complementos e expectativas, cada um perde sua simplicidade. Amar e ser amado de verdade, viver bem e trabalhar com prazer, comer comidas boas, caminhar e admirar a paisagem. A sina do ser humano é que esperamos sempre mais do que o básico. 

Quando parti do Brasil, levei nas malas a certeza de começar uma das experiências mais marcantes da minha vida. E, com isso, o peso da expectativa, cujo valor a balança do aeroporto não pôde medir. Durante os primeiros três meses, nadei em um oceano de felicidade. A beleza de um mundo novo e de uma cultura diferente despertaram em mim uma plenitude inacreditável. Todavia, como a provar que até mesmo em um sonho a alegria tem limites, pouco a pouco voltei ao estado normal de viver. É chato dizer isso, mas a gente se acostuma a morar no Exterior. Passo a passo, começamos a reclamar de detalhes absurdos: do trem que passa a cada três minutos mas se atrasou dois, da prefeitura que não retira a neve das calçadas, do vinho de um euro que causou dor de cabeça no dia seguinte. 

A felicidade normatizada desaparece, dando lugar à angústia que toma forma a partir de questionamentos existenciais. Como se andássemos em um conversível a 150km/h e de repente a gasolina acaba logo antes de uma falange, você olha para o precipício e pensa: isto sou eu? Esta queda que é a minha vida, vale a pena eu me atirar? O que há lá embaixo é o que eu desejo? Assim chegamos ao x da questão: queremos amar e ser amados de verdade, viver bem e trabalhar com prazer, comer e degustar, caminhar e admirar o que está ao redor. 

Criar um plano de futuro implica, na maior parte das vezes, plantar a semente da expectativa, que mais cedo ou mais tarde vai dar forma a uma perigosa árvore, que apesar de bela porta uma sombra capaz de acobertar a beleza do presente. O que tenho hoje é bom, mas não é o bastante... E a insatisfação cresce sem limites, porque nunca estamos no lugar que gostariamos.

Isso não quer dizer que não devemos fazer planos – aliás, muito pelo contrário, é bom saber mais ou menos para onde nos dirigimos. No entanto, a vida nunca acontece do jeito que a gente espera. Você pode até estar no lugar em que queria, mas o processo para chegar ai foi exatamente como o imaginado?

Viver é o imprevisto e o perigo, tal qual pegar um ônibus de uma linha desconhecida para ir ao novo dentista. Você tem ideia de que no final abrirá a boca para receber o flúor. Entretanto, o percurso para chegar lá você não domina. É possivel prever a passagem por algumas paradas importantes (vou me formar em tal curso e pretendo trabalhar em tal área). Mas entre passar a roleta e sair pela porta de trás, há um mundo impossivel de ser previsto. Aprender a lidar com esta falta de controle é o que nos angustia, visto que não conhecemos o trajeto, em quais pontos vamos parar e muito menos quem sentará ao nosso lado. Todavia, por bem ou por mal, é sempre mais válido tomar um ônibus desconhecido do que pegar todo o dia a mesmíssima linha, cujo caminho é incapaz de provocar qualquer reação de inesperado.

Nenhum estimulo a relembrar que, mais do que existir, vivemos.