Quando o avião desceu o suficiente para eu perceber que adentrava novamente em um não tão estranho mundo onde o sol é avesso a dar as caras, dei-me conta de que chegava ao que, por agora, chamo de casa. Viver na França tem varios pontos postivos, mas com certeza o horizonte cinza não é um deles. Saindo de um calor porto alegre-são paulino onde vestir uma bermuda ja é uma agressão ao corpo, a visão de montes de neve me traz o alivio de fim de viagem. Volto para a minha vida em uma cidade montanhosa, onde sou pouco além de um jovem aventureiro com um bizarro sorriso no rosto e um sotaque latino.
O bipe autoriza os passageiros a desfivelar o cinto. Liberado o desembarque do meu segundo voo Brasil-França em apenas um semestre, varios pensamentos tomam meu espirito. Enquanto me vem a urgência de vestir o cachecol cinza de quatro voltas no pescoço feito pela minha dinda, a touca azul e branca comprada na Bélgica ao lado de uma amiga que não estaria mais perto nos proximos meses e as luvas pretas que ja tocaram tantos lugares, encontro-me mais uma vez inseguro. Esses apetrechos que me esquentam trazem dezenas de memorias embutidas. Sera que vou sou capaz de construir outras? Como vai ser a segunda parte do meu intercâmbio, agora que mais de 80% dos meus amigos foram embora? E, mais uma vez, o medo de falhar.
Ao longo do ultimo semestre, testemunhei a minha visão de mundo passo a passo ser descontruida. Eu, que sempre fui extremamente idealista e aéreo, tive que enfrentar a dura realidade de que a vida não se preocupa nem um pouco se estamos preparados para suas ações. O tempo passa, independentemente de estarmos de olho no relogio. E o peso do real é grande demais para nos atermos em demasiado ao irreal. Eu, que vivia nesse dialogo entre estar aqui e projetar-me para o ontem e o amanhã, tive que aprender a focar-me no que faço hoje, sob pena de não ser protagonista dos meus proprios atos.
Anos atras, o que eu mais queria era ser adulto e ganhar autonomia e independência o suficiente para arcar com o peso das minhas escolhas. Hoje, depois de tanto esforço, descubro que ser adulto consiste em perceber que nem sempre na vida a gente faz aquilo que gosta o tempo todo. Entretanto, nem por isso somos infelizes. O mundo não gira ao nosso redor. No Brasil, o carro nem sempre vai parar para você na faixa de pedestre. Na França, o francês quase nunca vai te dar um sorriso espontâneo no supermercado, mesmo que você o dê primeiro. Um dia você vai ouvir uma grosseria por ser estrangeiro, mas isso não precisa arruinar seu dia. Hoje você leva um fora, mas amanhâ é você quem o da - e isso não quer dizer que você ou a outra pessoa não sejam interessantes, a questão é que ninguém agrada a todo mundo.
Foi cruzando um oceano que realmente passei a compreender esses fatos pequenos. E ver que, por mais que lutemos para fazer alguma diferença, somos iguais a qualquer um, buscando uma felicidade e um cantinho de sucesso. Por mais que eu me irrite com franceses, no final não poderia ser mais agradecido : graças a eles é que eu acabei por descobrir que as verdades da vida não estão na torre Eiffel ou nos mil tipos de queijos. Mas, sim, nos pequenos fatos do dia a dia, idênticos tanto aqui quanto na minha terra ensolarada. O que importa não é o cenario, mas o ator. E a forma como ele da sentido ao que vê.