sábado, 24 de setembro de 2011

as represas da cidade

Agora se chove não fico sem camisas pra vestir
E se fizer muita friaca
Posso pedir
Emprestadas blusas
A única coisa que não garanto são as meias
E calçados com seus números distintos
Hoje tenho força para tudo o que é da vida
Hoje acordo sem pensar em saídas
E idas
De certos sobressaltos
E rio com essa alegria limpa que inunda meu corpo
Como se fosse um córrego de divindades
Alagando cada casa da minha alma
A arrastar todos em suas águas
Pra dançar uma bonita melodia
No centrinho da cidade.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

efetivamente estou numa maré de silêncio. como uma praia de águas transparentes em Santa Catarina: não há nenhuma onda e é possível ficar boiando por quanto tempo quiser. se ficarmos tempo demais, o coração acelera, e rapidamente olhamos ao redor a fim de ver se a costa está muito longe. em seguida voltamos a boiar, fingindo que afinal está tudo bem mesmo. ouvindo aquele som de calma que é o mar entrando pelos ouvidos.

é como pular de um lugar muito alto
a sensação de liberdade
depois vem o chão
e dói bom.

12:12

E quando vier a hora do arrependimento
Direi que vá embora
Basta de arrependimentos
E de melancolias antes de pegar no sono
Não me agradam os sentimentos soturnos
E aqueles que dominam a razão
Quando não estou a vigiando
Chega de querer voltar para trás
Olhar para por cima do ombro
Jamais me trouxe previsões de futuro
Aliás
Danem-se os deuses
Também não quero saber de futuro
Não quero saber de horas
Por mim que as horas cheias queimem
E sobrevivam somente aquelas vivas
Refiro-me as de números iguais, em pares agradáveis
12:12
Dez e dez
Números elegantes que me façam pensar
Que minha cama não é habitada só por mim.

som

A gente é um ser infeliz
Essa coisa de dizer que sente
Uma energia, uma coisa de dentro
A gente mente e faz de conta
Que ouve o outro mas na verdade
Ouve o próprio corpo
O som percorrendo os ossos e
Voltando para si.

Humano é o ser mais egoísta que vai existir por aí.

após a despedida, a fuga seguida da melancolia

Ao final, disse-me que desaparecesse de suas vistas grossas
E eu respondi que viajaria longas pradarias
Pra poder sonhar
E ao contrário dos filmes americanos
Ninguém há de me esperar no aeroporto
Então direi que isso é fruto da solidão
Plantada dentro do meu coração
No nosso início de relacionamento.

que não sou herói

Eu que não era herói
Traíra
Deixando para trás os necessitados
Os sem voz, os dissonantes
Nossas marretas não movem nada
Nossas escritas não demovem ninguém
Eu que me amargurava
Não sei de cada um de nós
Que nos compõe
Não sei de mim que compõe o outro
E já me esqueço das sociedades
Das fervuras, excentricidades
O mendigo que manda correr senão me mata
A política e suas ancas fartas
Eu que não sei de nada
Eu que não posso fazer nada
Além de rir.

Eu que não era herói
Vivo das sobras dos vilões das noites negras
Dos roubos, das injustiças
Eu que não tenho capa
Não tenho laços, arcos ou argolas
Eu que não tenho culpa
Que não tenho armas ou super poderes
Só sei criar poesias
Só sei tirar fotografias

E atirá-las desenfreadamente nos gigantes sem Davis.

no afã de enxergar alguma coisa

Enxerguei o retrato dele
E até hoje me arrependo
Da ternura e da tristeza
Da compaixão de ambos os lados
Dos chapéus azuis, daquelas boinas pretas
Caquéticas, desbotadas
Esqueletos sem peles e sangues
Sem as almas de nós dois
Vampíricos meus atos
Pagando meus pecados sem saber
Mas tudo há de passar é o que disseram
Porcarias
É o que todos falam
Lixos não reciclados
Baús mais que empoeirados
Pessoas só sabem projetar-se
E se elevar aos hinos
Só sabem amar sem saber amar
Afobados que somos
Exagerados
Hipérboles nas nossas falas
Dramas sem fins nem cabeças
Falam falam e não dizem nada
Retórica terna, vazia
Preenchendo os buracos que espaçam nós
Os nós da personalidade
Que independe idade
Jovens ou velhinhos se dirigindo ao asco
De preparar nossos novelos leves
Que tempos depois
Tornam-se pesadas mantas de lã
Tomando espaço no armário
E depois se abre a porta
E melancolicamente levam-se mãos aos olhos
Para chorar de amargura
Pelo retrato dele.

lembrarei como fosse uma brisa

Relatos do desespero
E causos da depressão...

A arte nunca esteve aqui para ganhar mesmo
Que dependa de alguém
Que nivele seus costumes
As maiores artes sempre foram brincadeiras
Dos maiores gênios
O fim do século nos custa a chegar
Mas o que mais custa é viver
Sem saber do amanhã
O chaveiro sem as chaves me parece tão simbólico
As minhas angústias já não têm mais lar
E as melancolias

Rodam e rodam sem parar
Como se a baiana louca virasse a noite
Possuída por forças dançantes
E já estivesse tonta de girar o seu vestido

(Baila, querida, baila...)

Já faz tanto tempo que perdi meu tino
Porém o medo nunca há de me vencer
Há qualquer coisa no meu sangue que lembra loucura
E assim mantenho a tontura
Que o espírito que doma a baiana insiste em manter
Ao me possuir o ser
Hei de brindar aos meus demônios
E, criatura, nunca voltarei a ter

Aquela manjada cara de morosidade...

Tristeza

 Para Laís Webber

sonhos bordados de estrelas muito me alegram
e as viagens que meu pai fazia à lua
sempre me fizeram pensar
que minhas tristezas não deveriam ficar
nos dizeres de dia
e que nossa poesia há de trazer
um estado de espírito
cujo controle não caberá em duas mãos...

minha mãe se queda quieta, meu irmão remove a vista
à casa de telhado amarronzado
eu mudo. a pele escalavrando
com finas facas de permuta
naquilo que chamam de paz
(e toda a paz do mundo só virá com guerra)
o justo só trará justiça
e verterão rios de sangue dos seus olhos
Nossa Senhora se esconde de inveja
as gárgulas nem têm mais o que falar
porque as minhas alegrias, hoje,
esqueceram da beleza...

faz algumas horas que moro na Tristeza
e o ônibus nunca me pareceu tão divagante
bem que eu queria que aparecesse um jovem doutor
que soubesse da minha dor
e receitasse um remédio
e nunca mais eu tomasse essa dose de melancolia
cujo gosto às vezes me é amargo
mas que ainda assim tomo
pra diluir o gosto de vida.
pessoas são janelas
poemas são donzelas.

456.

Pode ser o frio, mas aqui dentro eu queria tanto o contrário...

E lá fora a música bela
O som alto e o incenso de canela
E caso seja melhor
Que todos se abracem e se adorem
A loucura é algo que não presta mesmo...
Só os desvarios sabem do amor
Bem que me ensinassem os seus truques
E me dessem a mão

E fôssemos juntos nesta melancolia
Atrás de desertos de folia
Sempre procurando um animal
Feroz em defesa do vital que
Ama e ama e ama e ama e ama
E mata
Tudo o que é belo
E só sobra aquilo do abstrato
Costurando os limites da razão
Naquela roupa de tricô que pesa

É uma pena, sim, é uma pena que
De todas as escolhas e os dedos só
Sobrassem desmazelos
Mais caríssimas figuras de indiferença
Tudo atrás da vida que não tem o fogo
Que queima, e que arde

Arde e mostra à carne o que é vida.

palavra

Palavra é colírio
Umedecendo os olhos para o outro.

da série do tempo

para os que ficam, declaro todo o meu amor
a todas as coisas gélidas e áridas
a pedra na areia amarela, a areia em cima da pedra branca
a neve no filme americano que nunca vi
ou aquele deserto chileno
cujos rastros de escorpião não demoram a desaparecer
porque por mais que a vida doa ao correr
sempre passa a impressão de estar na pressa de sair...

domingo, 18 de setembro de 2011

Um chororô querido

um certo dia na Redenção...

Assim que aparecer qualquer sinal, corro
Como se avistasse meu final
De diferentes cores
E tudo brilha e é tão lindo
Parece algodão-doce no parque, aos domingos
A gente nem gosta mesmo
Mas é tão bonito
Que ninguém se atreve a não comprar de vez em quando
Como se o vendedor fosse amigo há anos
E detesse as maiores histórias de vida
No seu entusiasmado discurso
Caíssem cascas de ferida
Nem parece que em um certo dia já sangramos
E mamãe nos ofereceu
O picolé de fruta
Mas fizemos birra e preferimos o algodão
Por parecer cair do céu.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Chamada em espera

É uma sede muito grande enquanto toca o telefone, apesar de ser mais importante o fato de pairar na sala a vaga ideia de quem poderá ser no outro lado da linha. Súplicas de vontade para que seja engano. Oba, parou de tocar. É daqueles momentos em que o sentimento de eternidade se apossa de braços e pernas nos fazendo desejar que todos os carros parem, junto com todas as pessoas, se possível o planeta também. Tudo estático para que nosso movimento pareça algo grande. E o telefone soe a coisa mais distante do mundo, visto que parece tão desgastante isso de alguém requerer nossa presença. A máquina berra e a gente correndo para atendê-la.

O mundo vez em quando me soa algo muito do pessimista. A professora diz que jornalista tem que amar a realidade. Quem não ama, escreve ficção, e quem escreve ficção não tem que fazer Jornalismo. Opa, reitera. Pode fazer Jornalismo, mas não é pra escrever ficção e fugir da realidade. Como se fosse uma droga? penso. Querida ela. Na verdade não. Estou sendo falso? Ou melhor, pensei agora que é uma coisa muito engraçada quando uma pessoa acusa alguém de falso. Porque a boa educação preza para que sempre cumprimentemos, sorriamos e sejamos simpáticos com quem quer que seja. E fulano não gosta de mim mas fica me dando oi. Então é para ser o quê? Assim me parece que a acusação de falsidade tem mais a ver com um leve rancor dado que o suposto falso não gosta daquele que o acusa. Então se tenta desestruturar aquele que pode não gostar de mim, implicando em mostrar que ele não é qualificado o bastante para que relevem sua opinião a meu respeito.

Ou seja. A vida é uma coisa muito da pessimista. Lembro que o telefone toca, já estou de pernas pra cima do sofá mas me dá vontade de derreter como se me transformasse em um banho. Sabe o banho? que escorre pelo ralo. O dia às vezes não é tão ruim, que chega a nos dar vontade de apenas escorrer da rua até a nossa cama? Nesses momentos, penso que a gente quer ser banho. Toda a sujeira e as lembranças ruins escorrendo pelo box. Enquanto isso o telefone toca. Só que ninguém tem vontade de atender. Estou sozinho em casa, há mais de seis meses.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Uns dias atrás, eu almoçava em um restaurante até que uma mulher sentou na mesa ao lado e pediu uma água com gás. Passaram dois minutos e veio o garçom. Abriu a garrafinha, colocou o copo de vidro na mesa, encheu-o até a metade e saiu. A mulher ficou parada, com os dedos na borda do copo, mexendo e olhando pros lados, sem prestar muita atenção. O gás da água subia em várias bolhas pequenas, devagarzinho iam à superfície; a mulher, sempre mexendo a borda como se posasse para uma fotografia.

A cena não tinha nada de especial, não. Mas gravei em mim as bolhas que subiam na água do copo, enquanto a mulher nem percebia. Nos últimos tempos, parece que também estou sentado em algum lugar, esperando algo acontecer, sem saber como me portar. Daí peço uma garrafa de água e espero, faço nada, olho pra janela, apoio o cotovelo na mesa, o queixo na mão e fico brincando com o copo. É um estado de latência, como sentar no ônibus e desejar que nada mude nunca, a paisagem vai trocando e de vez em quando ajeitamos a bunda, desejando no fundo ficar até a eternidade com a cabeça apoiada na janela, pensando em coisas que inexistem e sentidos que fazem falta. Enquanto via o gás subindo no copo da mulher, percebi que ultimamente espero que suba para a superfície qualquer coisa que nem sei, porque é como se estivesse parado no tempo, com metade de mim afastada. É como um vazio. Só que não dói bom, porque não extraio nenhum sentido de tudo. E de que adianta vazios se não dá para tirar nada deles.
teus olhos nos meus olhos
nos meus olhos bizarros
uma dose cavalar de melancolia
uma alegria que deus sabe
meu bem tudo é água
tudo é cavalo
hoje estou preso à figura da liberdade
juro que me dá vontade de correr eternamente por um campo
como se fosse entrar em vales sem penhascos nem tanto
e só me restassem dores de inanição
da fome de ti
e de andar sobre duas patas
de um cérebro racional
no final sendo eu a dar a volta em mim mesmo
como um bom domador agradável
que finge trazer paz ao campo.

sábado, 3 de setembro de 2011

eu gostaria que cada lembrança de rejeição na vida não se transformasse em rejeição ao objeto-causa. ainda mais quando envolve pessoas.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

pedaços.

os meus amores que tanto temo
estarem morrendo de medo
andando por esquinas tortas
e traindo o corpo em camas imundas
me fazem querer mais do que qualquer coisa
saber ao certo minhas tristezas e feridas
até porque quando uma parte está em cada lugar
o todo nunca sabe a hora certa de chorar...