terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Qual sua estratégia para prender a atenção do leitor?
Ismael Caneppele: Nenhuma. Não faço a menor questão de prender ninguém. Prefiro pensar em liberdade de identificação. Quando escrevo estou nu e isso sempre acaba interessando alguém.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

hoje é meu aniversário

fevereiro é um mês de criações.


o tempo anda deixando suas marcas
e rindo quase deserda
assim como fere as pedras
o tempo molda marcas em mim
nem parece que o ano que passou
foi tão dramático
eu, que prezo pela intensidade, não pude reclamar
todas as opções de loucura foram contempladas
hoje faço 19 e observo os poros na face
cada vez mais se modelando
acho bonito o "ser mais velho"
dentre todas as riquezas
prefiro a sabedoria
ainda mais se traz alegria 
com um gostinho de "quero mais"
apesar de janeiro ser do cão
hoje encaro a vida e dou-lhe a mão, digo
"como vai, querida, como estás
se me queres apunhalar
será preciso se esforçar"
após todas as idas e vindas
sinto-me mais forte. astuto.
e posto que mantenha uma inocência de alegria
o amanhecer sempre me traz esperança 
- após a tempestade vem a bonança
e um pouco de melancolia.


isso de ser gente me encanta e me anima.
gente que me cansa e me fascina.


pessoas são nuvens carregadas de chuva
prontas pra explodir.


mas a chuva passa e o céu fica limpo
lembra o infinito.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

fogo

assim como o fogo destrói, ao mesmo tempo reconstrói, visto que para remodelar-se é preciso encarar cada pequeno pedaço que sobra e dizer: "sou o que passou e o que mantive, lido com aquilo que tenho e ainda desejo o que jamais tive".


como uma vela de sete dias
gota a gota feneci
alguns fizeram orações
outros fingiram não ver
(houve aqueles que secretamente
incitavam maldade na chama)
passada uma semana
continuei a queimar
tão incrível como os mortos
mantêm poder sobre os vivos
sem jamais pensar nos risos
de outros carnavais
o que passou, passou
o que ficou não volta mais
mas hoje a cera é mais forte
e na brisa da nova sorte
manda alô em queridos postais!
a vela que arde num dia
no outro queima penas de pombais
queriam tanto alçar seu voo
mas de tanta fé e enjoo
tombaram na beira do cais
e o fogo que hoje ilumina
imagina, meu senhor


chama vozes de alegria e inicia histórias de amor.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

italiano

hoje vi um casal de idosos conversando em italiano. falavam muito alto e gesticulavam bastante. pareciam estar brigando. contudo, após alguns momentos, a velha pareceu se fazer compreender e estendeu a mão ao marido. saíram cúmplices de uma eternidade.



eu gostaria de falar italiano
todos os gestos desse povo são expressivos
as mãos sempre ao alto 
como se fosse um assalto
em que cada conversa é uma dança
e cada dançarino me seduz
como se dotado de uma luz
e eu uma mosca qualquer
a voar sem saber 
onde a lua fica
uma fase que arrisca
a fama de um homem inglório
que após versos descabidos
sente que a poesia o desnuda
(por que fazer poesia se a poesia não fica na rua?)

eu gostaria de falar italiano
e saber sorrir, gerar, me expressar
de uma maneira que não fosse patética
falo bonjour e il n'y a pas de quoi
se me ponho de ridículo, tu vois
tudo uma maneira de me expandir e chorar
em direção aos quatro cantos do universo
(seria um deslize do meu ego?)
o que fazer, o que montar
hoje vou desenhar o meu futuro
como se fosse o dia de arte
arquitetando planos, fatos, rimados
uma ânsia de crescimento e ascensão
imersão em uma redoma de vidro
de calmaria, euforia e depressão.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Recordos (2)

Por um acaso, encontrei um texto meu escrito no ano passado, após um dia de cão. De alguma forma, achei relacionado ao poeminha do post anterior e decidi publicá-lo, também para que você pense aquilo que pensei. Tirando mudanças para evitar repetições de palavras, segue na íntegra. No começo falo de política. No fim, falo de pessoas. Você pode ler tudo - ou nada. You have options.

"Uma comunidade é constituída por uma gama de indivíduos. Para tornar-se um ser social, é preciso interagir em um grupo, trocando informações, mensagens e sentimentos. Neste processo de inclusão, é preciso ser um indivíduo - ou seja, individualizar-se, visto que a capacidade de ser diferente em relação ao outro é o que assegura nossas fronteiras, no momento em que sei que meu corpo acaba quando vejo que minha pele é distinta do papel que toco agora. A cor branca do bloco não é a mesma cor dos meus dedos, o que me faz concluir que ambos não são a mesma coisa. Resumindo, tenho a necessidade de me assegurar da diferença entre as coisas do mundo para saber aquilo que sou e o que não sou; quais os meus limites e quais as minhas possibilidades que me asseguram de evitar um risco de morte. Isso vale para entender meu corpo, mas também para compreender minha personalidade a fim de manejar meu ego.


Em nossa sociedade, o consumo é praticado como meio de adquirir um signo de diferenciação. Ao obter um produto, agrego a mim o valor embutido. 


O paradoxo é que a busca da esquerda política é a igualdade, por meio de tentativas de incluir o excluído dentro da comunidade. Mas como promover a igualdade se a busca do ser humano é a diferença? Além disso, a cidadania é hoje efetivada pela capacidade de interagir no mercado, tendo em minhas mãos representações concretas de um status econômico que me identifiquem em um meio.


A esquerda inclui uma pessoa em um grupo. Uma vez dentro, o indivíduo tentará o mais rápido possível diferenciar-se dos outros, também na tentativa de impor sua importância e relevância em meio a uma aglomeração que muitas vezes parece uniforme e vazia. Os processos de diferenciação não são benéficos para quem não tem tantas armas de distinção - no caso, pessoas de pouca renda que não podem comprar roupas caras e carros de luxo ou consumir alta cultura. Dentro de uma comunidade, o indivíduo tentará provar seu valor, empurrando os semelhantes para todos os lados (mais provavelmente um degrau abaixo na pirâmide social), a fim de demarcar o território.


O que é viver em sociedade? Uma batalha em que mal sabemos de que lado estamos? Como se fôssemos todos lobos. Carnívoros. Andando em matilhas a fim de demonstrar poder em frente aos mais fracos. Quem é o chefe? Quem obedece o faz por gosto ou por obrigação? Eu, Marcel, me vejo perdido em uma encruzilhada. Não quero obedecer, mas também não quero mandar. Procuro não excluir, mas excluo. Tenho preconceitos, sinto inveja, raiva e ciúme. Tento entender meus sentimentos e posturas de mundo, na expectativa de tentar manejá-los, mas vejo que meu ego muitas vezes é forte o bastante para me impedir de tocá-lo. Quem sou eu neste mundo? O que posso fazer para tentar fazer a diferença. Por que quero fazer a diferença? É uma necessidade de tentar deixar marcas após minha morte? Que se lembrem de mim? Isso também é uma forma de me diferenciar dos outros... O que me faz pensar que volto ao ponto de partida. Anulo-me ou libero-me? 


O que é bondade e maldade? E o amor? Se se diz que, em um relacionamento, um ama mais do que o outro, é porque o outro é incapaz de amar mais? Uma pessoa pode amar mais do que a outra? Tem mais sentimento para prover ou simplesmente não se solta o bastante? Se há pessoas que nunca na vida odeiam alguém, há quem jamais ame? E me refiro aos relacionamentos amorosos, evidentemente, porque amor para pai e mãe é indiscutível. Amar é uma questão de possibilidade ou de oportunidade? 


(Que o tempo me diga.)"

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A lua e o lobo

há um ditado em francês
la nuit porte conseil
algo como
a noite traz conselhos
pois após termos dormido
as dores não doem como doíam 
na noite anterior

a noite porta conselhos
e ditados cheios de graça
como se bela fosse de raça
com uma lua cheia de sabedoria
que de tanto saber engordou
e de tanta solidão e melancolia
acordou de sonhos terríveis
de fogo. de primeira fase.

e um jovem lobo acorda em todas as noites
e olha para a cascata do conhecer
se indaga entre uivos e recaídas
a validade do erro e do acerto
o acidente de viagem e o naufrágio.
o rosto humano. 

de repente ela emagrece
o lobo uiva e a bola se aquece
a lua toda se enfurece
como chuva de espinhos de gelo
e os homens que ficam lá embaixo
escondem-se nos braços dos outros 
a fim de proteger-se do corte. da Morte.
só que a lua faz nada e aguarda em seu tempo
ciente como velha anciã
de que a sabedoria lhe desvenda muitas mentiras
porém o maior enigma de suas fases
não é a forma como brilha no escuro
mas a maneira como reflete na Terra.

(nos olhos de lobos em guerra...)


*
esse poeminha foi construído de forma a fazer uma ligação entre dois personagens: a Lua e o Lobo. não fiz referência ao sono e aos sonhos, que de alguma forma trazem respostas aos nossos dilemas, mas deleguei tal missão à noite e a sua maior arma - a Lua. a noite representa o infinito, a impossibilidade de encontrar um limite, ao mesmo tempo em que, na sua ausência de barreiras, pode agregar as mais brilhantes estrelas quanto os mais perigosos asteroides. isto é, ao mesmo tempo em que o não saber - o Futuro - pode representar possibilidade de felicidade e segurança, pode também traz tristezas e arrependimentos, visto que nada é certo, nada é definido (nada tem um limite).

a Lua representa a passagem do tempo (por meio da alusão às fases por que passa). vivido em quantidade e intensidade, o tempo implica acumulação de sabedoria e de vivência para lidar com as angústias diárias. o Lobo, enquanto encara o satélite se imaginando com experiências para solucionar as questões que lhe atormentam durante a noite, também se resigna com sua pequenez e ignorância. ele então se projeta na Lua e deseja ter a grandeza dela para fazer com que os homens na Terra sofram da forma como ele sofre. por fim, o satélite natural é sábio: não atende ao pedido do Lobo e apenas observa o mundo dos lobos (ou homens?), com a maturidade que lhe é incutida. 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Hermenêutica que desgraça

assim, eu digo que sim. você, não? para que servem as palavras? eu não sou o que escrevo e temo tanto... tanto que me tomem por um personagem caricato... como se fosse um ser extremamente infeliz e inglório... angustiado até sim, talvez, mas não porque escrevo, e sim porque o sou independentemente das circunstâncias... às vezes me causa calafrios o olhar de quem crê saber o que se passa em minha cabeça apenas porque fiz uns versos mal-feitos... e às vezes me dá vontade de não publicar nada, deixar tudo bem quietinho... só para não me lançarem olhares de quem diz, pobre coitado, está em vias de depressão... basta de conjecturas, bem sei que se escrevo, alguém lê, então ponho-me a risco de interpretações... mas não me tome pelo que não sou... e também não me tome pelo que sou... assim como me exponho ao escrever, também o faço para me esconder... visto que não sou bobo e conheço os poderes dos gritos e silêncios, do dito e do não dito... e de todas as interpretações, a pior é acreditar que me conheces sem ao menos me pagar uma fatia de torta...


Já basta de inconfissões
E frustrações de distintas personalidades
Hoje vou falar de cousa que me fere
O colorido abstrato que se insere 
Entre o certo e o errado 
A desnecessária atenção aos números depois da vírgula
E por que raios 
Queremos dissecar
Todas aquelas rimas bobas e estapafúrdias
Aquele sentimento de sofreguidão 
E angústia


Raiva que dilacera
E crê em Deus como algo que se espera...
Hoje cruzei o corredor da faculdade
E não havia ninguém para ouvir o som dos meus passos...
Uma distinta elementação gritando
Eco, eco, eco
Como a ressoar meus temores internos
O que me lembra daqueles homens de muy prestígio
Que após dores de litígio


Escrevem distintos poemas 
Com requintes de um homem que sabe...

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

After a class or two

(depois de intensa imersão em Sylvia Plath
decidi me arriscar no inglês
e você me perdoe qualquer falta
pois que até no português
não dou alta)


I still see you eyes glittering
Which always remembers me
Two clouds breaking in a storm
And their impatience sounds like a thunder
An amplitude shaking my head such as an earthquake
But of course without a headache
You could take my face to the sea, because
From all of the masks, it's you who most cover me
And I still don't get why my arms and legs
With their blood and tender flesh 
Beg for more and more and more
An annoying child who always eats candies and nuggets
And after years of intense pain and diarrhea
Finally give up 
And go to bed at seven. 

For heaven.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

As pessoas dos livros

Fernanda Young não é das melhores escritoras. Dá para ver que o editor fez uma boa limpa no texto - e mesmo assim não conseguiu deixar tudo 100%. Contudo, não dá para negar que ela é muito inteligente, já que basta reter a atenção nas pequenas reflexões propostas nas frases curtas e irônicas. Ela faz rir. Faz bem. Este poeminha não é irônico, mas foi estruturado de uma forma como ficam arranjos de mesa na ceia de Natal. Bonitos como estão, na sua própria simplicidade e presença.


Um redemoinhos de erros
Levantou os móveis do amor
Quebrou o jarro, molhou
O tapete com a água
Das flores
Fez-se um balé de 
Poeira e tules
Estragou o jardim
Estraçalhou a cristaleira
E jogou no chão, entre
Cacos, os dois corações
Equivocados.


p. 101