Primeiro, culpar uma cidade pelas desilusões amorosas. Mais tarde um povo e sua nação. Em seguida, culpar a sociedade, o sistema, a mercantilização dos relacionamentos, os amores líquidos, a futilidade, a inteligência que cansa o outro, o masoquismo sentimental, a falta de tempo, o excesso de tempo, a indecisão. Ao fim, colocar o peso sobre as neuras de uma época. Eu sou apenas o fruto de uma era. Ao jogar a culpa em um contexto social ou em outra pessoa, paradoxalmente me liberto e me aprisiono. Isto é, deixo de me angustiar por ser protagonista dos meus atos dado que minha consciência esta tranquila apos minha ascenção como vítima. Entretanto, ao mesmo tempo também delego ao outro a responsabilidade pela minha vida. Passo, finalmente, a viver o outro na minha pele.
É uma agradável vida de comercial de margarina. Compro um carro porque pessoas bem-sucedidas têm um carro, visto roupas da Zara porque é uma loja com estilo, escolho um emprego porque serei bem pago. Vou ao restaurante de comida mexicana porque é cool e posto a foto no Instagram para que a imagem endosse uma realidade que não existiria não fosse o olhar do outro. Efetivamente, ela não existiria, visto que é o testemunho do espectador que respalda aquilo que eu sou, já que acordo todos os dias para viver o futuro que a mim foi designado. Sem a testemunha que me assegure de que vivo corretamente, como eu poderia estar tranquilo?
É uma vida com menos dores, visto que há menos questionamentos (para que os fazer se tenho quem me confirme que sigo a trilha certa?). Assim, tudo o que der errado não me inflige tanta dor, pois que antes fere esta capa que me cobre formada pelas expectativas do outro às quais busco atender. Ao mesmo tempo, é também uma vida menos intensa, já que sigo o percurso que alguém espera para mim em vez de inventa-lo eu mesmo. Finalmente, poucas coisas me atingem de forma profunda, pois não é meu verdadeiro e completo eu a marcar presença. No lugar, um casco vazio que é vítima de si mesmo, sombra de algo que poderia ter sido mas nunca chegou a ser. Delegar o protagonismo de nossa vida ao outro é também abdicar da própria busca pela felicidade - que em si é a felicidade.
Muito mais difícil é arcar com o ônus e o bônus de nossas escolhas. Uma vez tomado este caminho, é impossível saber ao certo se agimos corretamente. Contudo, ao mesmo tempo em que isso corroi, também pode acalmar: não existe figura terrena capaz de julgar com uma certeza divina a forma como traçamos nosso caminho. Viver de acordo com a propria vontade e conviver com a eterna incerteza são os sabores e dissabores de quem faz esforços de buscar uma felicidade unica, individual e sincera.