domingo, 28 de julho de 2013

ordem dos fatos

como quem costura o botão caído
redijo o texto da minha vida
que seja o que for pra ser
e o que tenha que devir
nascer.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Epifania


Quando pela primeira vez 
Clarice viu uma barata
Deve ter ficado impressionada

domingo, 21 de julho de 2013

Ânsia



Trecho da peça "Ânsia", da dramaturga inglesa Sarah Kane. Lembra Caio Fernando Abreu.

"E quero brincar de esconde-esconde e dar minhas roupas para você e dizer que eu gosto dos seus sapatos e sentar nos degraus enquanto você toma banho e massagear seu pescoço e beijar seus pés e segurar a sua mão e sair para jantar e não me importar quando você comer minha comida e encontrar você no Rudy e falar sobre o dia e digitar suas cartas e carregar suas caixas e rir da sua paranoia e te dar fitas que você não vai ouvir e assistir a belos filmes e assistir a filmes horríveis e reclamar do rádio e tirar fotos de você quando você estiver dormindo e levantar para te levar o café e pãezinhos e geleia e ir ao Florent e tomar café à meia-noite e deixar você roubar meus cigarros e nunca achar os fósforos e contar pra  você sobre o programa de TV que eu vi na noite passada e te levar ao oculista e não rir das suas piadas e querer você de manhã mas deixar você dormir mais um pouco e beijar suas costas e acariciar sua pele e dizer quanto eu amo seu cabelo seus olhos seus lábios seu pescoço seus peitos sua bunda sua

e sentar nos degraus e fumar até seu vizinho chegar em casa e sentar nos degraus e fumar até você chegar em casa e me preocupar quando você estiver atrasada e me surpreender quando você chegar mais cedo e te dar girassóis e ir à sua festa e dançar até  não poder mais e me desculpar quando eu estiver errado e ficar feliz quando você me perdoar e olhar suas fotos e querer ter te conhecido desde que você nasceu e ouvir sua voz no meu ouvido e sentir sua pele na minha pele e ficar assustado quando você estiver zangada e um de seus olhos ficar vermelho e o outro azul e seu cabelo cair para a esquerda e seu rosto parecer oriental e dizer para você que você é linda e te abraçar quando você estiver ansiosa e segurar você quando você se machucar e querer você toda vez que eu te cheirar e te ofender quando te tocar e choramingar quando estiver do seu lado e choramingar quando não estiver e babar nos seus seios e cobrir você de noite e sentir frio quando você tirar meu cobertor e calor quando você não tirar e me derreter quando você sorrir e me acabar por completo quando você gargalhar e não entender por que você acha que estou te rejeitando quando eu não estou te rejeitando e pensar como você pôde achar que alguma vez te rejeitei e pensar em quem você é e te aceitar de qualquer jeito e te falar sobre o garoto da floresta encantada que atravessou o oceano porque te amava e escrever poemas para você e pensar por que você não acredita em mim e sentir tão profundamente que eu não ache palavras pra expressar esse sentimento e querer te comprar um gatinho do qual eu teria ciúmes porque ele teria mais atenção do que eu e deixar você ficar na cama quando você tiver que ir e chorar como um bebê quando você finalmente for e me livrar das pontas e te comprar presentes que você não queira e levá-los de volta e pedir para você casar comigo e ouvir você dizer não mais uma vez mas continuar pedindo porque apesar de você achar que eu não estava falando sério eu sempre falei sério desde a primeira vez que te pedi em casamento e vagar pela cidade achando que ela está vazia sem você e querer o que você quer e achar que estou me perdendo mas saber que estou seguro quando estou com você e te contar o que eu tenho de pior e tentar te dar o que eu tenho de melhor porque você não merece nada menos do que isso e responder suas perguntas quando eu preferir não responder e dizer a você a verdade mesmo quando eu realmente não queira e tentar ser honesto porque eu sei que você prefere assim e achar que está tudo acabado mas agüentar por mais dez minutos antes de você me jogar fora de sua vida e esquecer quem eu sou e tentar ficar  mais próximo de você porque é lindo aprender a te conhecer e vale a pena o esforço e falar mal alemão com você e falar hebraico pior ainda e fazer amor com você às três da manhã e de alguma forma de alguma forma de alguma forma expressar um pouco deste esmagador embaraçoso interminável excessivo insuportável incondicional envolvente enriquecedor-de-coração ampliador-de-mente progressivo infindável amor que eu sinto por você."

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Quando uma francesa partiu meu coração

A verdade é que eu sou bissexual, mas por não exercitar, fiquei gay. Garotas sempre me atraíram. Entretanto, na minha inocência, sempre confundi essa atração por aquela afeição que nutrimos por filhotes de cachorro, velhinhos que dançam ou uma gostosa torta de chocolate. Tudo isso pode parecer loucura, mas foi o que me veio à mente naquela aula de historia dos Estados Unidos, quando minha colega francesa ajeitava os cabelos e deixava o pescoço liso à mostra. Como era bonito! Tão delicado que a brisa invernal do outro lado da janela poderia feri-lo. E eu, sentado na fileira de trás como um pré-adolescente em paixão platônica. Ou pior, um vampiro.

Preciso dizer que ela não era uma francesa típica. Na verdade, sua beleza parecia um mash-up que deu certo. Tinha ascendência indiana, o que explicava sua pele cor de oliva e os olhos negros como um poço-d'água. Da França, puxou a maquiagem pesada, o batom vermelho sempre nos lábios, a boina vermelha que volta-e-meia portava e as roupas que pareciam vir diretamente de uma passarela de moda parisiense. Quando o professor lhe perguntava algo, respondia em inglês com um simpático sotaque francês, sem abrir muito a boca para as vogais e sem pronunciar o "h" como "r". Grosso modo, era fantástica de ser observada.

Mas, afinal, porque ela me chamava tanto a atenção? Seria eu um bissexual enrustido!? Como explicar isso aos meus pais!? Apos todo o trabalho em aceitar o filho gay, agora eu teria que traumatizá-los de novo... Minha mãe iria chorar visto que a partir de agora eu teria mais 50% de chance de ter o coração partido e sofrer por amores infrutíferos, meu pai me xingaria porque eu mudo de ideia o tempo todo, meu irmão pegaria no meu pé pois... é meu irmão, e é isso o que irmãos fazem. Por que isso agora? Como uma simples francesa poderia mexer tanto comigo?

A verdade é que ela não era tão simples. De fato, era bastante charmosa na forma como cruzava as pernas, ajeitava o óculos de aro fino e apoiava o queixo nas mãos enquanto refletia sobre a a colonização a oeste do rio Mississípi. Falava com impetuosidade, mas se portava de uma forma frágil como um pacote de Ruffles. Até hoje, creio que transpirava perfume.

Apos semanas de reflexões introspectivas e de desesperadas tentativas de fazer com que me olhasse, decidi falar com ela. Cheguei atrasado de proposito, avistei uma cadeira vaga ao seu lado e sentei-me. Na primeira oportunidade, investi:

- Oi! Você entendeu por que o México estava enfraquecido antes da guerra com os Estados Unidos? Eu não peguei muito bem...

- Você não leu o texto para esta aula? - ela perguntou, de forma incisiva. Fiz que não com a cabeça e sorri. - Então se você não quer estudar, não atrapalhe os outros quando eles querem! - revidou rispidamente, e em seguida se virou em direção ao professor para me ignorar.

Nunca fui o mesmo depois dessa. Meses depois, conversando com uma amiga, cheguei à conclusão de que não sinto nada por garota qualquer. Acontece que algumas são tão belas que a gente acaba apreciando como uma obra de arte - por serem estéticas, profundas e intocáveis. Na busca do belo, ficamos hipnotizados. Fosse com a francesa ou com filhotes de beagle, o sentimento era o mesmo.

De qualquer forma, hoje já sei: entre uma garota e uma torta, prefiro a torta.

domingo, 14 de julho de 2013

Onírico



Nos meus sonhos mais alucinados, entro no meu apartamento e todos os objetos estão em seus devidos lugares. O telefone está na base, os cartões-postais não caíram da parede durante a noite e os ambos os chinelos estão perto da cama. Ao acordar, não planejo meu dia - mas, no lugar, tomo meu café, como uma fatia de torrada com manteiga e escovo os dentes me atendo apenas àquilo que faço. 

Quando pego o ônibus, desisto do meu livro e dos fones de ouvido para encarar a paisagem através do vidro. O dia traz um uma atmosfera de bem-estar. Nada é absurdo, mas nem por isso menos excitante. Nestes sonhos, não sei aonde estou indo, mas sei que vou ao lugar certo, na hora certa, na devida época. As roupas que visto, desconheço. Seriam um terno, uma gravata e um sapato preto de couro? Uma calça jeans, um sapato de camurça e uma camisa polo? Ou talvez estaria de bermuda e manga curta? Tais duvidas não atravessam meu espirito, o que me tranquiliza. 

*

Ao descer do ônibus, estou nas ruas centrais de uma grande cidade, na região destinada aos pedestres. Vários homens e mulheres ocupados me ultrapassam, enquanto eu os encaro com uma inocência interiorana. Um homem de terno esbarra em mim e pede desculpas, sem contudo esperar para ver se eu as aceito. Em seguida, tento descobrir em qual idioma conversamos, porém não tenho sucesso em me lembrar. Isso me deixa frustrado. Línguas sempre foram sinônimo de libertação, de ferramentas a me permitirem sair do conforto de casa para buscar o mundo por mim mesmo. Se perco a consciência de como falei, tem alguma importância aquilo que falo?

*

Em meio à reflexão, percebo que o homem de terno tomou algo de mim, apesar de não saber o quê. Toda a minha segurança e tranquilidade foram embora, e me pego pensando nas questões mais cruciais da minha vida. Estou no caminho certo? Tenho a inteligência e a garra suficientes para vencer meus obstáculos? Consigo me prostrar por conta própria? Este homem levou o mais sagrado de mim, o que não me deixa outra escolha além de correr atrás dele. 

Sigo-o em meio à multidão e chego a um prédio altíssimo, cuja sombra traz a mais profunda sensação de pequeneza. Esta construção me causa um misto de fascínio e receio, admiração e paúra. Cada andar ergue um tijolo de insegurança em todos os cantos da minha consciência. Antes de entrar, me sinto deslocado... Estou bem arrumado? Fiz a barba, cortei o cabelo? Sei o que falar caso me impeçam de entrar? 

Todas as questões me afligem, e passo a passo me sinto enfraquecer, como um bonsai que perde as folhas devido à falta de água e de sol. O prédio é grande e eu não sei o que fazer, enquanto estes homens de terno e mulheres de tweed desfilam pela entrada da forma mais banal do mundo... Passam seus cartões nas catracas, chamam os elevadores e checam os e-mails em seus iPhones de ultima geração. A mim falta o mais simples - a força de vontade. Sinto-me perdido e sem vias de visualizar qualquer horizonte. O que eu deveria fazer agora?

*

Nas situações difíceis que enfrentei durante a vida, tive que buscar a força necessária para seguir de pé nos mais longínquos oceanos da minha personalidade. Aprendi que, de todos os mares, o mais profundo é a solidão. E nadamos o tempo todo nele, loucos para chegar à superfície. Entretanto, suas águas nos acompanham onde quer que sigamos. Por isso é preciso aprender a nadar. Não há salva-vidas, não há saídas. Só há nossos braços e pés, além de um pouco de otimismo no final do dia, que nos ajuda a pegar no sono. 

*

Alguma parte do meu cérebro produz qualquer tipo de substância que me deixa extasiado, e meu coração se enche de um calor seguro. Em cinco segundos relembro de tudo o que vivi. De uma forma ou de outra, tudo acaba por fazer sentido. O que move as pessoas são as perguntas, não as respostas. O mundo dá medo àqueles que não querem conhecê-lo. 

E assim sigo em direção às catracas, com a certeza de que estou no lugar certo, na hora certa, na devida época. A roleta se move sozinha e nenhum guarda me exige uma identificação. Ao chamar o elevador, não tenho a menor sombra de duvida sobre qual botão apertar. Tudo soa simples e vazio de mistério, como um vento no final de tarde de verão ou o sorriso de um bebê desconhecido

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Para o Marcel castrador

Oi. Hoje eu vou ser um chato e deixarei as formalidades e a boa educação debaixo do meu travesseiro. Se você não gostar, pode escrever uma carta também. O que eu tenho a dizer concerne uma questão muito delicada. Minha primeira pergunta pode parecer boba, mas é sintomática e resume muitos dilemas.

Por que eu não posso comer ketchup no café-da-manhã? Eu gosto do sabor doce e salgado que me faz minhas papilas gustativas despertarem. Você impõe muitas obrigações e isso me deixa exausto. Parece que eu nunca vou ser bom o bastante. Os nuggets devem ser evitados visto que dão câncer, assim como salsichas, celulares no bolso da calça, hot pocket da Sadia e bolacha Passatempo. Também não posso dar uma banda de carro porque vai poluir o meio ambiente. E se um dia eu estiver muito triste e quiser comer um pote de sorvete, é preciso resistir já que comer tudo de uma vez faz mal devido à gordura trans que vai me engordar e matar pois toda a minha família tem pressão alta e diabetes, então eu tenho que me cuidar.

E eu tenho que passar protetor solar no rosto todos os dias porque tenho a pele branca e minha família tem um gene muito amigo de um carinha zoado chamado Câncer de Pele. E tenho que fazer exercícios para manter a forma porque sou o único magro da família e gostaria de continuar sendo para não ter que pirar muito na hora do sorvete e da bolacha Passatempo. E ainda por cima sou gay, e gays tendem a ser neuróticos com o corpo e não gostar de gordinhos porque são "preguiçosos" e "não sabem fechar a boca" (eu sou tudo isso, mas não falo nada porque cedo ou tarde as pessoas descobrem). Alias, gosto de calça de abrigo porque fico confortável, espero que você não me crucifixe por isso.

Eu também queria saber quem te disse que eu devo dançar bem. Eu não sei dançar bem, o que confundia sempre meus amigos estrangeiros ("mas você não saber dançar o saaaaaaamba?????"). Mas eu posso ser feliz assim! Eu nem gosto de ir para boates mesmo! Sou um chato que, quando tem sono, começa a ficar introspectivo e quietinho no meu canto. Ao menos não estrago a noite de ninguém pedindo para ir embora, e você deveria reconhecer isso.

Dias atrás eu queria dormir à tarde e você não me deixou. Você disse que eu não faço nada desde que eu cheguei da França além de ver Glee, ir à terapeuta ou à natação. Você queria que eu lesse um livro ou assistisse a um filme ou fizesse qualquer coisa que exercitasse meu cérebro. No final eu não dormi, não li livro nenhum, não assisti a qualquer filme e nem mesmo vi Glee. Eu fiquei triste porque eu não queria fazer nada e você não me deixou. Sabe de uma coisa? Eu não sou perfeito! Se uma senhora cair no chão e eu rir da cara dela, não vou virar uma pessoa má por causa disso! É impossível fazer tudo certo 24h por dia. Particularmente, não faço a menor ideia de como a humanidade faz para criar filhos sem que eles se joguem de uma ponte ao completar 15 anos.

Sendo assim, eu queria lembrá-lo de que viajar é a melhor coisa do mundo, então gostaria de dizer para você pegar o primeiro avião para o quinto dos infernos e me deixar em paz um minuto, porque eu não sou uma máquina e você é a única pessoa que exige que eu seja sempre melhor do que o dia anterior. Espero que você se divirta ao lado da neura da limpeza do comercia da Veja, a Mônica do Friends e o francês idiota que disse que eu deveria me vestir melhor porque gays têm a obrigação de cuidar da aparência.

As mais sinceras saudações
do Marcel comendo sorvete às 10:48 da manhã.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Para o hipster de Seattle

Caro hipster de Seattle,

você foi o primeiro estrangeiro com quem saí, então vai ficar para sempre na minha memória. Também foi a primeira vez em que eu usei o Grindr. Em meio a diversas fotos de peitos sarados ou peludos, cabeças cortadas e queixos com sorrisos assustadores, você aparecia de corpo inteiro com um óculos hipster e tinha uma descrição que dava a entender que buscava mais do que sexo casual.

Você foi o primeiro a falar comigo, então pensei ser justo ser você a pessoa a escolher o lugar do primeiro encontro. Achei legal uma cafeteria - quer dizer, um louco não escolheria um café no centro da cidade para se apresentar. O lugar era simpático e agradável. E você parecia ser também. Mas logo no início você foi meio babaca. Depois de cinco minutos de conversa, você pediu para que conversássemos em inglês. Eu não entendi o porquê, visto que você se virava muito bem com o francês, contudo você respondeu que preferia falar em inglês por ser mais fácil. Meio preguiçoso agir assim, mas tudo bem. Só que em vez de usar a boa educação e perguntar se eu tinha um bom inglês, foi um pouco idiota da sua parte dizer: "mas você fala inglês, né? Porque todo mundo tem que falar inglês hoje. Ainda mais se você quer ser jornalista. Caso contrário, você não vai ser ninguém na vida".

Naquela hora eu quis responder que eu falava inglês, sim, mas que eu estava na França para falar francês em vez de inglês. E que eu não tinha obrigação nenhuma de passar a falar a sua língua apenas porque você tinha preguiça de falar em outra. Visto que o francês não era natural para nenhum dos dois, muito justo ambos estarem no mesmo campo de batalha. Além disso, foi um tanto arrogante ter imposto o seu idioma como o mais importante do mundo (apesar de ser verdade) e exigir que eu o falasse.

Mas tudo bem, eu ainda não sabia soltar o que eu penso na hora certa.

Infelizmente.

Quando você contou que estudava Direito e Meio Ambiente, eu já criei expectativas de que você seria um cara super politizado e amigo da natureza. Entretanto, só depois eu descobri que você era um ecochato de esquerda. Veja bem, eu também sou de esquerda e tento ser ecológico, tipo não abrir a torneira ao escovar os dentes ou lavar a louça, não comer muita carne ou evitar comprar roupas na Zara porque eles escravizam pessoas. Mas acho um pouco CHATO criticar o outro no primeiro encontro porque ele usava um casaco de couro (que era do meu pai, coitado) porque algum bicho sofreu muito para que eu estivesse fashion. Acho desagradável.

Mas tudo bem, você era um hipster bonitinho, e hipsters são bonitinhos quando não estão sendo insuportáveis.

Quando a garçonete chegou com duas tigelas, eu achei estranho visto que havia pedido um café. Mas estava tudo certo. Você havia me trazido para um lugar que servia cafés em tigelas. A partir de então, o nível de hipsterice da coisa começou a me incomodar.

Como uma tartaruga que estava dormindo e decide botar pouco a pouco a cabeça para fora do casco, você começou a se mostrar arrogante. Do jeito mais chato - isto é, largando informações esparsas sobre a sua inteligência como se eu não percebesse a sua necessidade de se afirmar. Porque havia feito outro intercâmbio quando mais jovem. Porque nos Estados Unidos é difícil encontrar quem fale idiomas estrangeiros, porém você falava espanhol e francês (ONDE eu ainda não sei, porque comigo você queria falar inglês). Que Seattle é a capital hipster da America, mas apesar disso uma cidade genial para se viver ("I'm glad I was born there"). Daí eu comecei a ficar bravo, porque antes a conversa até que estava legal. Para deixar você irritado, falei que a economia da China ia passar a dos Estados Unidos. Depois é que vi meu erro, pois dei a oportunidade de você argumentar durante dez minutos que a America ainda seria a primeira potência mundial por bastante tempo devido a isto e a isso e àquilo. Anyway, a America ainda reinaria, apesar da Tea Party e do aquecimento global.

Eu nunca mais saí contigo e não sei se isso é bom ou ruim. Mas no final do intercâmbio, vi você de madrugada, caindo de bêbado, se agarrando na parede de um prédio da rua boêmia de Grenoble com um australiano hipster bizarro com quem eu fiquei numa festa. Vou revelar uma coisa: ele diz que tem 24 anos, mas na verdade tem 32. E fazia intercâmbio na França junto com jovens de 20 anos porque tinha algum complexo que eu não tive interesse de investigar. Espero que você não fique triste com isso. Se ficar, plante uma árvore para ficar com a consciência limpa, porque acredito que isso dá certo com você.

As mais sinceras saudações
do brasileiro que mata animais para ser fashion. 

quarta-feira, 10 de julho de 2013

A furada

As pessoas sempre dizem que ao guardarmos muitos sentimentos dentro da gente, uma hora a mente cansa e enlouquece. Eu nunca dei muita bola porque era o tipo de coisa que minha vó dizia - até que eu enlouqueci e vi que era verdade mesmo. Após muitas reflexões em janelas de trem, surgiu a ideia de redigir cartas e textos destinados a coisas do mundo que me incomoda(ra)m. Antes eu fazia poesia, mas dai eu vi que não sei escrever poesia mesmo e que é melhor eu guardar tudo no meu bloco de notas até que um dia eu seja agraciado com um talento plathiano (porque o sofrimento eu já tenho).

Durante algum tempo, (se a minha perseverança for mais forte do que dois posts) esta Polaroide vai virar qualquer coisa parecida com Cartas para Julieta. A diferença é que minha Julieta não vai ter uma estatua com peitos em Verona para que eu os aperte à espera de que um dia eu tenha um namorado que tenha a paciência de aguentar as minhas neuras, além de ser enigmático e interessante o bastante a ponto de me desafiar. Prefiro pensar que são cartas ao meu lado B. Ou ao lado C, não sei. Prefiro ser só um neurótico simpático, tipico da nossa geração. Na minha tautologia e ansiedade, consigo ser tão clichê como uma comédia romântica com a Jennifer Aniston  - assim como você. Talvez seja culpa da infância: na demora da internet discada para carregar os jogos do site do Cartoon Network. Ou o programa da Angélica durante as manhãs de segunda à sexta... Bom, a questão é que estou aqui admitindo tal faceta na esperança de que alguém se identifique com a minha voz. E seja feliz nesta simplicidade. Enfim, comecemos os trabalhos.

Caro Jean (ou qualquer outro nome francês comum, como Mathieu ou Pierre),

Quando estávamos no bar e você pediu um drinque de vodka com suco de pomelo, eu fiquei com um pé atrás. Eu gosto de gente diferente (se você tivesse pedido o drink com o suco de laranja, eu iria te achar um chato). Entretanto, vodka com suco de pomelo não é prenuncio de alguém interessante e agradável, mas de alguém que gosta de sofrer. Você bebia aquele copo sem fazer careta, enquanto eu tentava encontrar o trauma de infância que fez você forte o bastante para nem ao menos tremer o olho ao colocar o liquido na boca. Sera que os pais batiam muito nele?, eu pensava. O irmão mais velho ganhava sempre nos jogos de videogame sem deixar o caçulinha reclamar? Por um acaso sofreu bullying no colégio? Enquanto meus dedos esquentavam a minha cuba libre, eu fingia prestar atenção à historia do seu amigo que quebrou a perna fazendo sky. Quando a cuba libre acabou, decidi parar de me afogar em especulações e viver a realidade. 

Quando você me julgou por nunca ter ido à Amazônia, eu tive a paciência de explicar que o Brasil não é a Europa, onde pega-se um trem e em duas horas se esta em outro pais. Mas depois você me perguntou se eu via muitos macacos em Porto Alegre e como era viver em uma cidade sem ônibus, apesar de eu ter dito antes que morava em uma capital do tamanho de Barcelona. Eu sorri e fui educado. Tudo bem, você é francês e não tinha obrigação de saber do Brasil, apesar de estar saindo com um brasileiro. Entretanto, logo em seguida você perguntou onde eu iria trabalhar com a minha graduação em Jornalismo. "Porque é só para trabalhar no Exterior, né? Ou tem jornais no Brasil?". Naquela hora eu tomei dois grandes goles da minha (segunda) cuba para dar uma resposta educada. Quem quer saber do Brasil? Aqui é só Carnaval e floresta mesmo, né.  E gente que faz uma faculdade para nada. 

Você era bonito e educado, então pensei em dar mais uma chance. 

Quando você perguntou se eu queria dar uma passada rápida na Fnac, eu fiquei feliz, já que alguém interessado em livraria certamente deveria ter ao menos UM lado interessante para mim. Separamo-nos rapidamente para que eu pegasse um livro para a faculdade - e então eu te perdi de vista. Tentei encontrar você na seção de literatura francesa, inglesa, ibérica, nórdica, latina, poesia, livros de viagem e até mesmo em filosofia. Para meu azar, você estava no ultimo lugar que eu esperaria: literatura juvenil. Uma estante apenas com livros de capa negra: todos os derivados de Crepúsculo, A Hospedeira e qualquer obra com vampiros e lobisomens sexualmente instáveis. "Isso é para algum primo?", eu ainda perguntei. "Não, é para mim mesmo... Adoro esse tipo de livro!", foi a resposta.

Eu juro que não foi só isso que me fez reportar um compromisso inadiável que me exigia dentro de casa. Eu não sou o chato dos livros, não acho que estrangeiros tenham obrigação de saber sobre o Brasil ou que o mundo tenha que ter o mesmo gosto de bebida que o meu. Mas a mim já basta minha prima de 12 anos falando intensamente sobre livros de semi-humanos com romances de princesa moderna. De mais a mais, você usava óculos escuros em lugares fechados, o que não faz sentido. 

As mais sinceras saudações 
do brasileiro que bizarramente toma banho todos os dias. 

segunda-feira, 1 de julho de 2013