quinta-feira, 11 de julho de 2013

Para o hipster de Seattle

Caro hipster de Seattle,

você foi o primeiro estrangeiro com quem saí, então vai ficar para sempre na minha memória. Também foi a primeira vez em que eu usei o Grindr. Em meio a diversas fotos de peitos sarados ou peludos, cabeças cortadas e queixos com sorrisos assustadores, você aparecia de corpo inteiro com um óculos hipster e tinha uma descrição que dava a entender que buscava mais do que sexo casual.

Você foi o primeiro a falar comigo, então pensei ser justo ser você a pessoa a escolher o lugar do primeiro encontro. Achei legal uma cafeteria - quer dizer, um louco não escolheria um café no centro da cidade para se apresentar. O lugar era simpático e agradável. E você parecia ser também. Mas logo no início você foi meio babaca. Depois de cinco minutos de conversa, você pediu para que conversássemos em inglês. Eu não entendi o porquê, visto que você se virava muito bem com o francês, contudo você respondeu que preferia falar em inglês por ser mais fácil. Meio preguiçoso agir assim, mas tudo bem. Só que em vez de usar a boa educação e perguntar se eu tinha um bom inglês, foi um pouco idiota da sua parte dizer: "mas você fala inglês, né? Porque todo mundo tem que falar inglês hoje. Ainda mais se você quer ser jornalista. Caso contrário, você não vai ser ninguém na vida".

Naquela hora eu quis responder que eu falava inglês, sim, mas que eu estava na França para falar francês em vez de inglês. E que eu não tinha obrigação nenhuma de passar a falar a sua língua apenas porque você tinha preguiça de falar em outra. Visto que o francês não era natural para nenhum dos dois, muito justo ambos estarem no mesmo campo de batalha. Além disso, foi um tanto arrogante ter imposto o seu idioma como o mais importante do mundo (apesar de ser verdade) e exigir que eu o falasse.

Mas tudo bem, eu ainda não sabia soltar o que eu penso na hora certa.

Infelizmente.

Quando você contou que estudava Direito e Meio Ambiente, eu já criei expectativas de que você seria um cara super politizado e amigo da natureza. Entretanto, só depois eu descobri que você era um ecochato de esquerda. Veja bem, eu também sou de esquerda e tento ser ecológico, tipo não abrir a torneira ao escovar os dentes ou lavar a louça, não comer muita carne ou evitar comprar roupas na Zara porque eles escravizam pessoas. Mas acho um pouco CHATO criticar o outro no primeiro encontro porque ele usava um casaco de couro (que era do meu pai, coitado) porque algum bicho sofreu muito para que eu estivesse fashion. Acho desagradável.

Mas tudo bem, você era um hipster bonitinho, e hipsters são bonitinhos quando não estão sendo insuportáveis.

Quando a garçonete chegou com duas tigelas, eu achei estranho visto que havia pedido um café. Mas estava tudo certo. Você havia me trazido para um lugar que servia cafés em tigelas. A partir de então, o nível de hipsterice da coisa começou a me incomodar.

Como uma tartaruga que estava dormindo e decide botar pouco a pouco a cabeça para fora do casco, você começou a se mostrar arrogante. Do jeito mais chato - isto é, largando informações esparsas sobre a sua inteligência como se eu não percebesse a sua necessidade de se afirmar. Porque havia feito outro intercâmbio quando mais jovem. Porque nos Estados Unidos é difícil encontrar quem fale idiomas estrangeiros, porém você falava espanhol e francês (ONDE eu ainda não sei, porque comigo você queria falar inglês). Que Seattle é a capital hipster da America, mas apesar disso uma cidade genial para se viver ("I'm glad I was born there"). Daí eu comecei a ficar bravo, porque antes a conversa até que estava legal. Para deixar você irritado, falei que a economia da China ia passar a dos Estados Unidos. Depois é que vi meu erro, pois dei a oportunidade de você argumentar durante dez minutos que a America ainda seria a primeira potência mundial por bastante tempo devido a isto e a isso e àquilo. Anyway, a America ainda reinaria, apesar da Tea Party e do aquecimento global.

Eu nunca mais saí contigo e não sei se isso é bom ou ruim. Mas no final do intercâmbio, vi você de madrugada, caindo de bêbado, se agarrando na parede de um prédio da rua boêmia de Grenoble com um australiano hipster bizarro com quem eu fiquei numa festa. Vou revelar uma coisa: ele diz que tem 24 anos, mas na verdade tem 32. E fazia intercâmbio na França junto com jovens de 20 anos porque tinha algum complexo que eu não tive interesse de investigar. Espero que você não fique triste com isso. Se ficar, plante uma árvore para ficar com a consciência limpa, porque acredito que isso dá certo com você.

As mais sinceras saudações
do brasileiro que mata animais para ser fashion.