Quando pego o ônibus, desisto do meu livro e dos fones de ouvido para encarar a paisagem através do vidro. O dia traz um uma atmosfera de bem-estar. Nada é absurdo, mas nem por isso menos excitante. Nestes sonhos, não sei aonde estou indo, mas sei que vou ao lugar certo, na hora certa, na devida época. As roupas que visto, desconheço. Seriam um terno, uma gravata e um sapato preto de couro? Uma calça jeans, um sapato de camurça e uma camisa polo? Ou talvez estaria de bermuda e manga curta? Tais duvidas não atravessam meu espirito, o que me tranquiliza.
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Ao descer do ônibus, estou nas ruas centrais de uma grande cidade, na região destinada aos pedestres. Vários homens e mulheres ocupados me ultrapassam, enquanto eu os encaro com uma inocência interiorana. Um homem de terno esbarra em mim e pede desculpas, sem contudo esperar para ver se eu as aceito. Em seguida, tento descobrir em qual idioma conversamos, porém não tenho sucesso em me lembrar. Isso me deixa frustrado. Línguas sempre foram sinônimo de libertação, de ferramentas a me permitirem sair do conforto de casa para buscar o mundo por mim mesmo. Se perco a consciência de como falei, tem alguma importância aquilo que falo?
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Em meio à reflexão, percebo que o homem de terno tomou algo de mim, apesar de não saber o quê. Toda a minha segurança e tranquilidade foram embora, e me pego pensando nas questões mais cruciais da minha vida. Estou no caminho certo? Tenho a inteligência e a garra suficientes para vencer meus obstáculos? Consigo me prostrar por conta própria? Este homem levou o mais sagrado de mim, o que não me deixa outra escolha além de correr atrás dele.
Sigo-o em meio à multidão e chego a um prédio altíssimo, cuja sombra traz a mais profunda sensação de pequeneza. Esta construção me causa um misto de fascínio e receio, admiração e paúra. Cada andar ergue um tijolo de insegurança em todos os cantos da minha consciência. Antes de entrar, me sinto deslocado... Estou bem arrumado? Fiz a barba, cortei o cabelo? Sei o que falar caso me impeçam de entrar?
Todas as questões me afligem, e passo a passo me sinto enfraquecer, como um bonsai que perde as folhas devido à falta de água e de sol. O prédio é grande e eu não sei o que fazer, enquanto estes homens de terno e mulheres de tweed desfilam pela entrada da forma mais banal do mundo... Passam seus cartões nas catracas, chamam os elevadores e checam os e-mails em seus iPhones de ultima geração. A mim falta o mais simples - a força de vontade. Sinto-me perdido e sem vias de visualizar qualquer horizonte. O que eu deveria fazer agora?
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Nas situações difíceis que enfrentei durante a vida, tive que buscar a força necessária para seguir de pé nos mais longínquos oceanos da minha personalidade. Aprendi que, de todos os mares, o mais profundo é a solidão. E nadamos o tempo todo nele, loucos para chegar à superfície. Entretanto, suas águas nos acompanham onde quer que sigamos. Por isso é preciso aprender a nadar. Não há salva-vidas, não há saídas. Só há nossos braços e pés, além de um pouco de otimismo no final do dia, que nos ajuda a pegar no sono.
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Alguma parte do meu cérebro produz qualquer tipo de substância que me deixa extasiado, e meu coração se enche de um calor seguro. Em cinco segundos relembro de tudo o que vivi. De uma forma ou de outra, tudo acaba por fazer sentido. O que move as pessoas são as perguntas, não as respostas. O mundo dá medo àqueles que não querem conhecê-lo.
E assim sigo em direção às catracas, com a certeza de que estou no lugar certo, na hora certa, na devida época. A roleta se move sozinha e nenhum guarda me exige uma identificação. Ao chamar o elevador, não tenho a menor sombra de duvida sobre qual botão apertar. Tudo soa simples e vazio de mistério, como um vento no final de tarde de verão ou o sorriso de um bebê desconhecido