Hoje ando por aí comungo com os ventos
vejo prédios que impõem presença aos outros
vejo prédios que impõem presença aos outros
outros que não veem os prédios
eu bem vejo os prédios
saio sem meu guardachuva e não me importo de molhar-me
piso em folhas que outrora viviam
(e me sinto como daqueles assassinos incontroláveis)
apesar de morta agora torturada
uma inofensiva folha
folha morta que antes vivia n'árvore
árvore que criava a folha de maneira
que não fui criado.
"Pai é quem cria". E quem não cria é o quê? Pouco me importam as nomenclaturas, não sei delas e elas não sabem de mim; vida boba minha que parece ser cheia de "nãos". Quem sabe de meus pais senão deus?: deus ou qualquer existência cósmica que me faz dormir. Uma conhecida minha, adotada também, disse que um dia vai conhecer os pais biológicos - quer saber quem foi que a abandonou. Também quero. Mas se não encontrar também não morro pois vivo nesse laborioso trabalho de buscar algo que não sei - busca de pais/busca de sentido/busca da vida? E se minha mãe era prostituta e meu pai drogado, também tenho sangue de china e viciado? E se forem famosos e talvez eu seja fruto de um caso talvez proibido; mais prático ainda: e se meus pais eram pessoas normais daquelas que não acrescentam nada ao mundo, daquelas que são só mais um na corrente, serei eu também qualquer vivente?
Hoje saio por aí vou ao cinema
vejo dramas e saio pensando
se minha vida poderia ter sido
o filme que acabei de ver
o filme que acabei de ver
em cada filme vejo
uma vida minha que poderia ter sido
mas não foi.
uma vida minha que poderia ter sido
mas não foi.
6 comentários:
Ficção.
Nossa, profundo, verdadeiro, intenso seu texto... adorei o ponto de vista, a criticidade...
Parabéns!!
E concordo com o fato de não prcisar fazer da vida uma busca por essas pessoas que, por algum motivo, abandonou um filho.
;*
Tocou fundo, Marcel.
O cinema pode ser mais real que a própria realidade.
ficção pura e quase real...
Ou seria 'puramente' real?
LINDO.
*-*
Exclamação. Bravo. Exclamação.
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