sábado, 31 de dezembro de 2011

Considerações (2)

Confesso que a soma das horas me esgota.
E as risadas dos amantes vêm aos poucos drenando minha energia.
Por que eles e não eu?
Não só os amantes - apenas que eles
com seus gestos ternos e afetados
trazem memórias erradas. De como éramos antes.
Antes de eu e você.
A vida era um pouco mais fácil.
Não digo melhor. Digo mais fácil.
Havia menos preocupações para se ter.
A janela do meu quarto quase parecia não
Levar para um andar desconhecido
Onde todos os sonhos desaparecidos
Esperando velha nuvem negra passar
E amarrar meus dedos aos teus...
Solitude é bom, mas de quando dói.
Quando vai demais é solidão.
Há uma diferença entre ambas.
A primeira reserva-se a estados de pequenas calamidades,
quando as folhas caem, mas há felicidade nas distintas mortes.
Já a segunda é estado de colares negros,
lagos turvos, recintos de cobras e pesadelos.
Quando solitude se instala em minha cama,
jamais ouso estirar-me nos lençóis,
ou pode crescer e procriar
e virar corrente de solidão.
Faço como minha mãe ensinou. Por vários dizeres,
"Bata os lençóis três vezes, como se fossem cobertas da alma,
a vida precisa sentir-se confortável para descansar ao longo do dia".
E atirava os forros à rua. Deixava o sol queimar
Até ficar cheio de vida.
Odor de renovar e de alegria.
Cheiro de sol é cheiro de abraço
Quando se deita após longo dia
E o travesseiro contorna as linhas da face.

Aos poucos deito o rosto e membros na cama.
Sinto o nariz e a boca ajustarem-se à forma das penas e molas.
Assim não vejo que é tudo mecânico
E que de fato não é meu corpo que se adapta
Mas sim objetos sem força ou idade.

Humanos têm roupa e vontade.
Juntam-se em grupos e enganam a morte.

Travesseiros preparam sonhos e feridas
De outros castiçais
E com os anos acendem velas para a Mãe Negra, a parteira,
Que num dia dá vida com cortes de foice
E noutro cessa risos com um beijo terminal.

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