Era a noite de ontem eu me dirigia à aula enquanto comia Doritos. Tenho especial gosto por Doritos com seu tempero artificial e seu gosto forte. Comia e sujava os meus dedos de um alaranjado forte forte, cheio de corante, todos sabem como é. O alaranjado que fica e que você depois lambe porque sabe que o gosto é mais concentrado ainda do que no próprio salgadinho.
Então comia e excitado na expectativa de acumular a maior quantidade de tempero nos dedos para, no final, colocar tudo na boca. Quando pegava os últimos triângulos, pensei: "como eu sou feliz comendo Doritos até acumular o tempero". Porém um segundo depois já vi que não, que não era feliz fazendo aquilo; que eu estava feliz fazendo aquilo.
Há quem ache que a felicidade é um estado de momento ou um estado duradouro, contudo eu vou tentar explicar o que se passou em minha cabeça. O fato é que eu não poderia ser feliz comendo Doritos, visto que o ser traz o signo de durabilidade e perenidade. Se eu fosse feliz comendo Doritos, eu seria sempre feliz comendo Doritos. Isto é, em todos os momentos da minha felicidade eu estaria comendo Doritos ou sempre em que eu comesse o salgadinho eu seria feliz. E é óbvio que ambas as alternativas são impossíveis ou, ao menos, irreais.
Em As Meninas, Lygia Fagundes Telles, por meio da personagem Lorena, introduz a diferenciação entre ser e estar. Não sei se a escritora pegou a ideia de um filósofo, mas o cerne de tudo é que ela diz que no momento em que você está, você já não é. Porque estar é apresentar-se perante um grupo social, e nisso você já se submeteu às regras do jogo e sacrificou parte do seu ser para competir melhor. Somente sozinho alguém pode realmente ser, já que assim as únicas regras às quais haveria o dever de se submeter seriam as regras do self (você pode ler o trecho do livro neste post antigo do blog).
No inglês e no francês o verbo ser/estar são os mesmos verbos (to be e être) - não faço a menor ideia do por quê. Entretanto eles são diferentes, visto que eu posso estar feliz comendo Doritos, porém nunca posso ser feliz fazendo-o. Minhas expectativas e sonhos para o futuro não incluem comer o tempero de meus dedos, mas, sim, algo mais produtivo, digamos. E também porque um salgadinho não pode satisfazer meus desejos mais internos. Aliás, mal sei eu quais são meus desejos mais internos. Ou quais estão meus desejos mais internos? Desejos de momento ou de vida? Tão desgastante saber de nossos desejos. E o futuro agora?
(Outra crise existencial chegando...)
3 comentários:
Tu tá tendo aula de semiótica?
Já tive e estou tendo de novo neste semestre...
Posso te ver dando aula de filosofia e conseguindo se fazer entender por usar explicações como essa ;)
Não li o livro da Telles (aliás, nunca li nada dela), mas não acredito que sozinhos "realmente somos". Afinal, não é por estarmos sozinhos que nos deixamos de policiar. Mantemo-nos seguindo as regras.
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