Confesso que a soma das horas me esgota.
E as risadas dos amantes vêm aos poucos drenando minha energia.
Por que eles e não eu?
Não só os amantes - apenas que eles
com seus gestos ternos e afetados
trazem memórias erradas. De como éramos antes.
Antes de eu e você.
A vida era um pouco mais fácil.
Não digo melhor. Digo mais fácil.
Havia menos preocupações para se ter.
A janela do meu quarto quase parecia não
Levar para um andar desconhecido
Onde todos os sonhos desaparecidos
Esperando velha nuvem negra passar
E amarrar meus dedos aos teus...
Solitude é bom, mas de quando dói.
Quando vai demais é solidão.
Há uma diferença entre ambas.
A primeira reserva-se a estados de pequenas calamidades,
quando as folhas caem, mas há felicidade nas distintas mortes.
Já a segunda é estado de colares negros,
lagos turvos, recintos de cobras e pesadelos.
Quando solitude se instala em minha cama,
jamais ouso estirar-me nos lençóis,
ou pode crescer e procriar
e virar corrente de solidão.
Faço como minha mãe ensinou. Por vários dizeres,
"Bata os lençóis três vezes, como se fossem cobertas da alma,
a vida precisa sentir-se confortável para descansar ao longo do dia".
E atirava os forros à rua. Deixava o sol queimar
Até ficar cheio de vida.
Odor de renovar e de alegria.
Cheiro de sol é cheiro de abraço
Quando se deita após longo dia
E o travesseiro contorna as linhas da face.
Aos poucos deito o rosto e membros na cama.
Sinto o nariz e a boca ajustarem-se à forma das penas e molas.
Assim não vejo que é tudo mecânico
E que de fato não é meu corpo que se adapta
Mas sim objetos sem força ou idade.
Humanos têm roupa e vontade.
Juntam-se em grupos e enganam a morte.
Travesseiros preparam sonhos e feridas
De outros castiçais
E com os anos acendem velas para a Mãe Negra, a parteira,
Que num dia dá vida com cortes de foice
E noutro cessa risos com um beijo terminal.
sábado, 31 de dezembro de 2011
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
questão
o que é liberdade e o que é prisão? se me proponho a abdicar do livre arbítrio, faço-o com absoluta certeza de decidir tal questão enquanto sou livre? no caso, apenas iria cogitar abster-me de escolhas se houvesse um rol de circunstâncias a forçar tal decisão. entretanto, sempre haverá circunstâncias, contextos e nexos a digladiar uma consciência. isto é, nunca haverá plena liberdade de escolha porque nos inserimos em grupos sociais que, em uma convivência socialmente harmoniosa, obrigam-nos a podar certos sentimentos, falas e sensações.
se conscientemente participo de uma relação social - e abdico de parte de mim mesmo -, ainda assim exerço minha liberdade ou apenas atuo em um jogo no qual estou restringido em determinadas possibilidades de escolha e devo decidir-me entre uma? ser natural é ser livre? ser livre é ser natural? e o que é ser natural? o homem é o ser da razão. contudo, jogado às traças, pode ser depósito de confiança?
e liberdade de amor, existe? não o poliamor, mas a liberdade de ser um indivíduo acrescido de outro. sem ser completado, visto que anteriormente não vagava pelas ruas uma metade de gente. apenas que, agora, um ser mais farto, mais completo, menos complexado, menos esfomeado. menos angustiado.
há como ser livre se o contexto me restringe ou a liberdade é justamente saber dançar em um jogo de máscaras herméticas?
Platão
numa tarde amo tudo e todos
noutra quero choques de eletrodos
por favor me acordem deste sonho horrível
em que me vejo cercado de correntes
de metal pesado
cujas pontas não avisto de onde vêm
então me amarro em pequenas certezas
à espera da persona muy amável
cheíssima de controle e brutal
a libertar meu corpo e coragem
e domá-lo como jamais ousei domar outras verdades.
sábado, 24 de dezembro de 2011
Sensação de Natal
Aos poucos a poesia sai de sua toca
e abocanha o mundo...
Pegou a minha mão, falou de muitas tristezas que passou e de tantas que haveria de passar. Afirmou-me que entendia do futuro. Leu a minha palma e meus cinco dedos. Disse-me que iríamos nos apaixonar. Brigaríamos muito, contudo nosso amor seria proporcional às nossas discussões. Coisas da profundidade, disse. Deveria eu acreditar em suas palavras? Pedir alguma prova do futuro amor? Mas qual a diferença entre um amor futuro e um amor presente? Pois que não há prova de amor, só provas de amor...
Perguntei-lhe se entenderia minhas futuras loucuras e vícios de vida - além dos vícios de outras vidas. Respondeu que sim. Beijamo-nos, enquanto eu pensava em maneiras de contornar nosso futuro. Escrito à mão? Esqueci-me de perguntar se tinha dislexia...
Eu já tomei todas as tequilas
Fiquei com diversos rapazes
E ambos me deram excessiva ressaca no outro dia
Nenhum deveras eficiente
Em aliviar esta culpa que pesa
Fazendo-me parecer um homem de largos ombros
E gigantes omeoplatas...
Platônico.
Marca-me em tuas paredes
Celebra comigo este dia natalino
Vamos dançar ouvindo o som de Simone
Quem sabe possamos diversificar as nossas festas
Sentarmo-nos à mesa
Apreciar o vinho
Como um belo casal de trinta e quatro anos
Muito bem sucedidos
Casa de três quartos e dois filhos à cama
Enquanto trepamos loucamente
Cuidando para fazer silêncio
Para que com o passar do tempo
A falta do verbo se instale em nossas vidas
E a única parlante que teremos
É o adeus.
Eu tomei todas as tequilas
Perdi meus desejos em tantas esquinas
Saindo a correr e atirando loucuras
Em falas futuras...
Vem me buscar, cariño,
Amante, Verbete, livra-me deste desejo infernal
Esta fome de um sinal da tua alma
Um final que tanto faz para mim quanto pra você
Mas que após longuíssimos anos
Será deveras afável
E daremos boas risadas já maduras
Lembrando-nos de tudo como uma brisa responsável
Por bagunçar nossos cabelos ao vento
E por marcas de choro nos poros da face.
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
De alguma forma tentando sair de um pântano pegajoso
Angústia
É como uma nuvem torrencial
Implorando aos céus para aflorar
Mas Deusinho é sábio e diz para esperar
Pois a explosão que hoje há de ser fatal
Amanhã devolve a vida ao teu quintal.
domingo, 18 de dezembro de 2011
Receitas medicinais
Quem lê essa Polaroide já deve ter percebido que a figura do médico me traz certa fascinação. Longe de ter uma vontade reprimida e frustrada de ser doutor, acho interessante analisar a forma como encaramos a autoridade de um sujeito de jaleco branco com quem não temos intimidade. Isso sem contar a maneira como médicos encaram a si mesmos, alimentando uma espécie de egocentrismo narcísico dada a posição e status exercidos.
Hoje, vivemos em uma sociedade medicinal. O médico é um ser cuja opinião nos é relevante como se exercesse uma autoridade paternal em nosso inconsciente. Respeitamos-lhe porque conhece do corpo humano melhor do que qualquer um - e nosso corpo é o que mais importa em nosso cotidiano, visto que é a personificação mais real e tátil do significado vida.
Doutores são xamãs, remédios são preces atendidas instantaneamente. O tratamento medicinal é a nova religião contemporânea, ocupando um dos lugares deixados pela falência de instituições que até pouco tempo detinham autoridade.
Tenho um conhecido que adquiriu bastante peso nos últimos meses, devido à ansiedade emocional aliada à difícil perspectiva de futuro. Qual a solução encontrada por ele? "Vou ir no médico e tomar uns remédios pra acalmar os nervos e ver se ele receita algo pra eu emagrecer".
Após anos em que tínhamos um tempo razoável para exercer nossas ações, vivemos em uma época em que pessoas só adquirem importância ao produzirem riquezas em um aspecto quantitativo - não qualitativo, implicando em fazer muita coisa em pouco tempo. Quando há uma adversidade, em vez de procurar uma maneira de lidar com ela, tratamos de seus efeitos. O foco é na consequência, não na causa, já que tratar a circunstância primária exige tempo e esforço de que não dispomos.
Pedir um remédio para a ansiedade em vez de procurar entender porque ela se instalou sobre a mente é um exemplo sintomático de nossa sociedade. Os médicos inserem-se aqui, fruto de relações exploratórias em que o tempo adquire significado maior do que a própria existência que lhe dá origem. Precisamos produzir, então não temos tempo para parar e pensar.
Por que não nos assustamos com o fato de que todos conhecemos ao menos uma pessoa que toma ansiolítico? Será que é saudável termos aceitado este hábito em nossa sociedade? A naturalização de uma prática que, resumidamente, é muleta para postar-se em pé, demonstra no mínimo que aprovamos uma maneira de encarar o mundo cada vez mais em voga.
É mais prático tomar uma pílula e continuar em um cotidiano maluco e estressante do que sentar e reavaliar escolhas que correm o risco de acarretar sofrimento e arrependimento - sentimentos nobres, do ponto de vista de quem vê de fora, mas reprimidos quando enfrentados. Aliás, a repressão de respostas naturais formuladas como defesa pela nossa consciência também nos diz algo: após longo período em que não damos atenção a sentimentos humanos, estamos nos dirigindo cada vez mais a uma sociedade sentimentalmente robótica. Como se estivéssemos em 1984, de George Orwell: faltando apenas o café de má qualidade para tornarmo-nos bonecos em uma sociedade que não se importa com o outro.
Hoje, vivemos em uma sociedade medicinal. O médico é um ser cuja opinião nos é relevante como se exercesse uma autoridade paternal em nosso inconsciente. Respeitamos-lhe porque conhece do corpo humano melhor do que qualquer um - e nosso corpo é o que mais importa em nosso cotidiano, visto que é a personificação mais real e tátil do significado vida.
Doutores são xamãs, remédios são preces atendidas instantaneamente. O tratamento medicinal é a nova religião contemporânea, ocupando um dos lugares deixados pela falência de instituições que até pouco tempo detinham autoridade.
Tenho um conhecido que adquiriu bastante peso nos últimos meses, devido à ansiedade emocional aliada à difícil perspectiva de futuro. Qual a solução encontrada por ele? "Vou ir no médico e tomar uns remédios pra acalmar os nervos e ver se ele receita algo pra eu emagrecer".
Após anos em que tínhamos um tempo razoável para exercer nossas ações, vivemos em uma época em que pessoas só adquirem importância ao produzirem riquezas em um aspecto quantitativo - não qualitativo, implicando em fazer muita coisa em pouco tempo. Quando há uma adversidade, em vez de procurar uma maneira de lidar com ela, tratamos de seus efeitos. O foco é na consequência, não na causa, já que tratar a circunstância primária exige tempo e esforço de que não dispomos.
Pedir um remédio para a ansiedade em vez de procurar entender porque ela se instalou sobre a mente é um exemplo sintomático de nossa sociedade. Os médicos inserem-se aqui, fruto de relações exploratórias em que o tempo adquire significado maior do que a própria existência que lhe dá origem. Precisamos produzir, então não temos tempo para parar e pensar.
Por que não nos assustamos com o fato de que todos conhecemos ao menos uma pessoa que toma ansiolítico? Será que é saudável termos aceitado este hábito em nossa sociedade? A naturalização de uma prática que, resumidamente, é muleta para postar-se em pé, demonstra no mínimo que aprovamos uma maneira de encarar o mundo cada vez mais em voga.
É mais prático tomar uma pílula e continuar em um cotidiano maluco e estressante do que sentar e reavaliar escolhas que correm o risco de acarretar sofrimento e arrependimento - sentimentos nobres, do ponto de vista de quem vê de fora, mas reprimidos quando enfrentados. Aliás, a repressão de respostas naturais formuladas como defesa pela nossa consciência também nos diz algo: após longo período em que não damos atenção a sentimentos humanos, estamos nos dirigindo cada vez mais a uma sociedade sentimentalmente robótica. Como se estivéssemos em 1984, de George Orwell: faltando apenas o café de má qualidade para tornarmo-nos bonecos em uma sociedade que não se importa com o outro.
sábado, 10 de dezembro de 2011
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
sábado, 3 de dezembro de 2011
Prece a uma aldeia perdida
Prece a uma aldeia perdida - Ana Miranda, p. 67
A poesia é pungente
É perigo a poesia
Ela nos mata e consome
Ela aumenta a nossa fome
Desperta a filosofia
A poesia é oração
A oração é uma prece
De quando minh'alma desce
Para o mundo a desvendar
O silêncio deste amor
O canto daquele sanhaço
O sangue que virou vinho
O corpo que virou pão
A florada do meu laço
A vida no lento compasso
Do teu cavalo tordilho
Deixou meu corpo em bagaço
E minha alma um sertão.
A poesia é pungente
É perigo a poesia
Ela nos mata e consome
Ela aumenta a nossa fome
Desperta a filosofia
A poesia é oração
A oração é uma prece
De quando minh'alma desce
Para o mundo a desvendar
O silêncio deste amor
O canto daquele sanhaço
O sangue que virou vinho
O corpo que virou pão
A florada do meu laço
A vida no lento compasso
Do teu cavalo tordilho
Deixou meu corpo em bagaço
E minha alma um sertão.
domingo, 27 de novembro de 2011
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
A volta do médico
Precisa fazer mais caminhadas ao longo da semana
Visto ser mais do que hora de viver
Tua vida na rua
De preferência vinte minutos de sol por dia
Sem jamais cair
Em saturnas melancolias
Enquanto descobre verdades ao teu corpo nuas
E jamais perder a fé em prol do desencanto
E antes de dormir faça automassagem
A fim de descobrir as partes do corpo
Que o próprio outro ainda não o fez
Aos poucos desatando nós truncados
Cujo português ainda não soube nomear.
E para de nomear a ti mesmo
De nomear o outro
Pois que o louco nunca fecha sentidos em palavras
E por mais que soe uma falácia
É o louco quem vive a vida na audácia.
domingo, 20 de novembro de 2011
Primavera
Flores caídas na terra, no auge da primavera,
Têm um cheiro de morte
Um odor que entra pelas narinas e irrita
Dá vontade de gemer
Por se meter no funeral
Além da vista do tapete colorido
Que aos de longe é deveras bonito
Mas para aqueles que vão chegando perto
Lembra as dores de diversas gerações
E depois vêm curiosos desavisados
Dizer que és muito maduro e admirável
Para que no fundo eu fique a pensar
Que as mortes que me constituem
Jamais lhes causarão tanto pesar...
Têm um cheiro de morte
Um odor que entra pelas narinas e irrita
Dá vontade de gemer
Por se meter no funeral
Além da vista do tapete colorido
Que aos de longe é deveras bonito
Mas para aqueles que vão chegando perto
Lembra as dores de diversas gerações
E depois vêm curiosos desavisados
Dizer que és muito maduro e admirável
Para que no fundo eu fique a pensar
Que as mortes que me constituem
Jamais lhes causarão tanto pesar...
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
Doble
Qual de mim mais confiável
Para revelar os meus segredos
O homem que encara o espelho
Ou aquele a ser encarado?
Uma dúvida cruel e atroz
Levanto-me e assimilo a imagem
Sou tímido, porém encaro-a como se ela fosse eu
Mesmo que de fato não seja
A mim não me importam os meros detalhes
E posto que não me queira ver em reflexo
Ele insiste em assombrar meu dia
Como se a vida fosse uma dança qualquer
Em que fantasmas transparentes
Sangrassem como uma mulher
E acidentalmente eu encarasse
Duas personas numa vista
Um lado Simone libertário
Outro sartriano e imediatista
Toda a minha vida está nas minhas mãos
Mas que cruel e tão injusto!
Qual escolho como rival?
O que ri para o reflexo
Ou o que zomba do real?
terça-feira, 15 de novembro de 2011
Duas cidades
Começo a escrever este texto por volta de oito horas da noite e o céu está em dégradé. Quase totalmente coberto de nuvens negras, cinzas e cor de rosa. Uma mancha gigantesca enuviada. Como se acima de nossas cabeças houvesse uma cidade celestial, em contraponto à cidade de Porto Alegre tomada por concreto. Olhar para cima traz um sentimento de infinito, aliado a uma sensação de incompletude ou ausência de algo que não se reconhece. Falta de respostas, talvez? A angústia do homem deve ter começado quando, ainda macaco, parou de encarar o chão ao andar de quatro e começou a encarar o céu, em duas pernas.
O mundo acaba por se dividir, então, entre o céu e a terra. Na metade inferior está a cidade de Porto Alegre; na metade superior, um teto de nuvens. Uma cidade celestial. Quem habitará lá em cima? O ar é melhor? Respira-se melhor? Vive-se melhor? Seria interessante se realmente houvesse uma população a habitar as nuvens. Pessoas etéreas vivendo em apartamentos etéreos. Nós, daqui de baixo, talvez nutríssemos um sentimento voyeurista, visto que poderíamos observá-los todos em seus afazeres. Os moradores da cidade celestial talvez fossem mais felizes, visto que, vendo apenas a própria cidade em que habitam, não proporiam tantas questões quanto nós, a população que consegue ver dois mundos. Talvez fosse mais fácil viver lá em cima. Mais calmo. Sereno. Previsível.
Esta dicotomia entre uma cidade de concreto e uma cidade celestial é o que move nossa existência, no momento em que as respostas que um plano pode fornecer é o que move a vida no outro. Como é viver lá em cima? O infinito... A cidade inabitável. Habitamos embaixo e ainda podemos ver lá em cima. Uma tortura, uma ânsia de respostas e uma curiosidade indecifrável para seres que vivem no chão.
Apesar de tudo, esta angústia que nos acompanha no dia a dia tem um lado bom, no momento em que nos motiva nos afazeres diários. Buscar respostas sempre é uma força motriz. Como resolverei meu problema amanhã? Como entregarei meus trabalhos, como cuidarei da minha família - em última instância, como morrerei? São perguntas que nos são caras e, de certo modo, justificam-se por si mesmas. E, pensando melhor, talvez os habitantes da cidade celestial não fossem menos inquietos, visto que, acima de si, há o infinito.
A angústia do homem inicia quando começa a olhar para cima, em direção ao céu. Quando éramos quadrúpedes e passamos a andar em duas pernas. Quando éramos bebês engatinhando e passamos a caminhar desequilibradamente, perguntando o porquê de tudo. A maldição do homem é olhar para cima. Resta a nós, ao fazê-lo, aprender a enquadrar a vista de baixo com um ângulo diferente.
A angústia do homem inicia quando começa a olhar para cima, em direção ao céu. Quando éramos quadrúpedes e passamos a andar em duas pernas. Quando éramos bebês engatinhando e passamos a caminhar desequilibradamente, perguntando o porquê de tudo. A maldição do homem é olhar para cima. Resta a nós, ao fazê-lo, aprender a enquadrar a vista de baixo com um ângulo diferente.
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
Fome
Peguei um ônibus à noite e um casal de no máximo dezoito anos se sentou na minha frente. Ficaram quietos, de mãos dadas. O cara olhava para a janela com um olhar extremamente desinteressado. Parecia ser um desinteresse pela vida como um todo: pelo trabalho, pelos estudos, para o lugar em que se dirigia e até mesmo para a garota ao lado. A indiferença para com um todo contrastava com a namorada, que o encarava com um quê de necessidade. Ela devorava os contornos do queixo, nariz e boca dele, como se dependesse do olhar para fixar dentro de si o namorado e o afeto que por ele sentia.
A garota o encarava com um olhar de idolatração, como se ele a salvasse de uma situação muito ruim para pô-la em uma posição muito melhor, incorporando traços de um príncipe encantado, morador de uma realidade de alguma forma distante mas tocável, longínqua mas plena. De alguma forma era um amor puro e obsessivo.
Parece hiperbólico ou mesmo superficial julgar isso, no momento em que eu era apenas um espectador, porém foi exatamente esta sensação que apreendi ao olhar para eles por meio do reflexo do vidro; um jovem de boné com o queixo apoiado nas mãos detendo um cansaço de vida que costumamos ver apenas em pessoas velhas que desistiram de buscar alguma alegria ou novidade, enquanto a jovem encarava um ídolo salvador.
Então comecei a pensar se todos os relacionamentos detêm certos aspectos de salvação. Relacionamo-nos com pessoas que tomamos como salvadores ou a garota era apenas um exemplo de uma paixão obsessiva? O que se procura em uma relação?
O casal que vi no ônibus me soou como um exemplo de que nos relacionamos com outro para enfim nos relacionarmos com nós mesmos. Busco em um segundo aquilo que de alguma forma me faz falta, o que implica em que o uso como um objeto para preencher um buraco na minha personalidade. Seria tudo então uma busca de plenitude? De paz consigo? Porque isso parece acarretar em um processo de interminável procura de alma gêmea a nos completar, e isso me parece uma concepção triste de relações amorosas, no momento em que preciso ser preenchido, em vez de acrescentado.
O que move a paixão? Talvez haja vários motivos, e nesta situação eu pude refletir sobre apenas um deles. O que ocorre é que achei deprimente a cena de um jovem indiferente para com uma garota que o sorvia com fome. Talvez ele nem sentisse algo por ela, o que torna tudo mais triste ainda. Mas ainda fica a dúvida: partindo da premissa de que se relacionar com outro é também se autoconhecer, o que alimenta uma relação é a fome pelo outro ou por nós mesmos?
A garota o encarava com um olhar de idolatração, como se ele a salvasse de uma situação muito ruim para pô-la em uma posição muito melhor, incorporando traços de um príncipe encantado, morador de uma realidade de alguma forma distante mas tocável, longínqua mas plena. De alguma forma era um amor puro e obsessivo.
Parece hiperbólico ou mesmo superficial julgar isso, no momento em que eu era apenas um espectador, porém foi exatamente esta sensação que apreendi ao olhar para eles por meio do reflexo do vidro; um jovem de boné com o queixo apoiado nas mãos detendo um cansaço de vida que costumamos ver apenas em pessoas velhas que desistiram de buscar alguma alegria ou novidade, enquanto a jovem encarava um ídolo salvador.
Então comecei a pensar se todos os relacionamentos detêm certos aspectos de salvação. Relacionamo-nos com pessoas que tomamos como salvadores ou a garota era apenas um exemplo de uma paixão obsessiva? O que se procura em uma relação?
O casal que vi no ônibus me soou como um exemplo de que nos relacionamos com outro para enfim nos relacionarmos com nós mesmos. Busco em um segundo aquilo que de alguma forma me faz falta, o que implica em que o uso como um objeto para preencher um buraco na minha personalidade. Seria tudo então uma busca de plenitude? De paz consigo? Porque isso parece acarretar em um processo de interminável procura de alma gêmea a nos completar, e isso me parece uma concepção triste de relações amorosas, no momento em que preciso ser preenchido, em vez de acrescentado.
O que move a paixão? Talvez haja vários motivos, e nesta situação eu pude refletir sobre apenas um deles. O que ocorre é que achei deprimente a cena de um jovem indiferente para com uma garota que o sorvia com fome. Talvez ele nem sentisse algo por ela, o que torna tudo mais triste ainda. Mas ainda fica a dúvida: partindo da premissa de que se relacionar com outro é também se autoconhecer, o que alimenta uma relação é a fome pelo outro ou por nós mesmos?
domingo, 6 de novembro de 2011
Ser ou não ser
O que ocorre é que o pensamento ocidental é regido por um ideal platônico. Isto é, a figura do Mito da Caverna é figura central de nosso dia a dia. Instala-se sob nossa sociedade um entendimento de que nossa realidade nunca é boa o bastante, visto que, em algum lugar - em nossas cabeças -, há algo que mereça ser perseguido.
Como consequência, somos uma sociedade de insatisfeitos. Nada é bom o bastante, sempre precisamos melhorar em alguma coisa, precisamos buscar a perfeição, tentando ser mais belos e inteligentes que se possa, aparar nossas arestas e defeitos em prol de tornarmo-nos uma escultura perfeita. O que ocorre? Penso que um atentado à nossa autoestima. Convenhamos que é deveras desmotivante olharmo-nos no espelho e nos compararmos a algum ideal de perfeição. Olho-me no espelho e vejo que preciso ser mais magro ou mais musculoso, que meu cabelo é ruim e seco, que minhas roupas não são adequadas, que minha ignorância é tamanha que devo me envergonhar, que em algum lugar há um Eu o qual devo perseguir, a fim de melhorar esta figura deplorável a qual encaro.
É uma lógica abusiva e que vai bem de acordo com a lógica capitalista, no momento em que preciso melhorar-me, uppar-me, adquirindo produtos que, na minha visão, possam de alguma maneira crescer meus atributos. No fim, compro roupas caras e invisto meu tempo para alcançar um nível que não sei. Insere-se aqui a noção de cultura como cultivo de mim mesmo, uma busca de criar em mim características que julgo serem admiráveis, além de podar ervas daninhas que possam me prejudicar. Alta cultura e baixa cultura, música erudita é bom, funk é ruim; Doistoiévksi é ótimo, Stephanie Meyer é péssimo.
A questão é que, na busca de uma constante evolução, realmente estamos evoluindo? É certo que hoje somos uma sociedade mais boa - dá pra falar isso? -, já que não é visto com bons olhos queimar prisioneiros em praça pública ou torturar inimigos como vingança. O que é evolução? No fim, o que é identidade? É algo fixo ou todo esse processo platônico de cultivo e mudanças em prol do adequamento de um ideal? Em Tudo sobre minha mãe, do Almodóvar, Agrado diz que ficamos mais autênticos quanto mais nos parecemos com o que sonhamos que somos. É isso, então? E o que é identidade? A inconstância de que fala Zygmunt Bauman ou a solidez dos tempos antes do Iluminismo?
Buscamos tanto nos tornar algo que desejamos que, no fim, somos tão críticos com nossa própria personalidade que o resultado muitas vezes é um golpe em nós mesmos. Não consigo ser o que quero, então não me gosto. O amor-próprio é pequeno, pois não sou aquilo que gostaria de amar. Disso, criticamos também o outro, já que ele também não se adapta aos padrões que impomos. Eu imponho, você impõe e toda a sociedade impõe um padrão de beleza e de inteligência que ninguém consegue alcançar.
Não sei se há uma solução para tudo isso. Só escrevi este texto porque sempre tive para mim que é melhor ter consciência das coisas que fazemos e pensamos, ainda que julguemos errado e não consigamos mudar. A dúvida: é melhor tentar se tornar uma pessoa melhor, controlando defeitos e manias, ou simplesmente aceitar que todos têm defeitos e não adianta tentar mudar?
Como consequência, somos uma sociedade de insatisfeitos. Nada é bom o bastante, sempre precisamos melhorar em alguma coisa, precisamos buscar a perfeição, tentando ser mais belos e inteligentes que se possa, aparar nossas arestas e defeitos em prol de tornarmo-nos uma escultura perfeita. O que ocorre? Penso que um atentado à nossa autoestima. Convenhamos que é deveras desmotivante olharmo-nos no espelho e nos compararmos a algum ideal de perfeição. Olho-me no espelho e vejo que preciso ser mais magro ou mais musculoso, que meu cabelo é ruim e seco, que minhas roupas não são adequadas, que minha ignorância é tamanha que devo me envergonhar, que em algum lugar há um Eu o qual devo perseguir, a fim de melhorar esta figura deplorável a qual encaro.
É uma lógica abusiva e que vai bem de acordo com a lógica capitalista, no momento em que preciso melhorar-me, uppar-me, adquirindo produtos que, na minha visão, possam de alguma maneira crescer meus atributos. No fim, compro roupas caras e invisto meu tempo para alcançar um nível que não sei. Insere-se aqui a noção de cultura como cultivo de mim mesmo, uma busca de criar em mim características que julgo serem admiráveis, além de podar ervas daninhas que possam me prejudicar. Alta cultura e baixa cultura, música erudita é bom, funk é ruim; Doistoiévksi é ótimo, Stephanie Meyer é péssimo.
A questão é que, na busca de uma constante evolução, realmente estamos evoluindo? É certo que hoje somos uma sociedade mais boa - dá pra falar isso? -, já que não é visto com bons olhos queimar prisioneiros em praça pública ou torturar inimigos como vingança. O que é evolução? No fim, o que é identidade? É algo fixo ou todo esse processo platônico de cultivo e mudanças em prol do adequamento de um ideal? Em Tudo sobre minha mãe, do Almodóvar, Agrado diz que ficamos mais autênticos quanto mais nos parecemos com o que sonhamos que somos. É isso, então? E o que é identidade? A inconstância de que fala Zygmunt Bauman ou a solidez dos tempos antes do Iluminismo?
Buscamos tanto nos tornar algo que desejamos que, no fim, somos tão críticos com nossa própria personalidade que o resultado muitas vezes é um golpe em nós mesmos. Não consigo ser o que quero, então não me gosto. O amor-próprio é pequeno, pois não sou aquilo que gostaria de amar. Disso, criticamos também o outro, já que ele também não se adapta aos padrões que impomos. Eu imponho, você impõe e toda a sociedade impõe um padrão de beleza e de inteligência que ninguém consegue alcançar.
Não sei se há uma solução para tudo isso. Só escrevi este texto porque sempre tive para mim que é melhor ter consciência das coisas que fazemos e pensamos, ainda que julguemos errado e não consigamos mudar. A dúvida: é melhor tentar se tornar uma pessoa melhor, controlando defeitos e manias, ou simplesmente aceitar que todos têm defeitos e não adianta tentar mudar?
sexta-feira, 4 de novembro de 2011
penitências
ultimamente tenho costurado muita poesia
como minha mãe cosia horas a fio
a questão é que não o faço por prazer
e sim pela necessidade
de conjugar vazios
como se precisasse de um casaco artesanalmente preparado
pelas minhas próprias mãos
e costuro incertezas nas minhas formas
cada ponto do bordado
um sonho estilhaçado
com botões de madeira extraída
de uma árvore há pouco podada
e infelizmente não restasse outra escolha
que vestir meu casaco esfarrapado
com pequenas manchas de sangue
de um coração apertado.
como minha mãe cosia horas a fio
a questão é que não o faço por prazer
e sim pela necessidade
de conjugar vazios
como se precisasse de um casaco artesanalmente preparado
pelas minhas próprias mãos
e costuro incertezas nas minhas formas
cada ponto do bordado
um sonho estilhaçado
com botões de madeira extraída
de uma árvore há pouco podada
e infelizmente não restasse outra escolha
que vestir meu casaco esfarrapado
com pequenas manchas de sangue
de um coração apertado.
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
antecipações.
quando pequeno mantinha distância dos finais
e de todas as coisas que a eles remetiam.
adorava pegar o mapamúndi
ler nomes de país a esmo
e imaginar pessoas em suas vestes
sussurando palavras antes de dormir.
um nome, contudo, perturbava
Finlândia
onde já se viu um país chamado assim
terra de todos os velhinhos
que, como elefantes,
sabiam para onde dirigir-se.
mais tarde descobri em Porto Alegre
o Bom Fim
por que, meu Deus, insistir nesses nomes
e encher uma criança de medo
da morte e do breu do outro lado.
hoje passo por cortinas e sinto calafrios
além de me encantarem as janelas
e seus distintos estados de projeção.
e de todas as coisas que a eles remetiam.
adorava pegar o mapamúndi
ler nomes de país a esmo
e imaginar pessoas em suas vestes
sussurando palavras antes de dormir.
um nome, contudo, perturbava
Finlândia
onde já se viu um país chamado assim
terra de todos os velhinhos
que, como elefantes,
sabiam para onde dirigir-se.
mais tarde descobri em Porto Alegre
o Bom Fim
por que, meu Deus, insistir nesses nomes
e encher uma criança de medo
da morte e do breu do outro lado.
hoje passo por cortinas e sinto calafrios
além de me encantarem as janelas
e seus distintos estados de projeção.
sábado, 29 de outubro de 2011
terça-feira, 25 de outubro de 2011
pensamento
esquecer é um verbo tão cruel
o mesmo digo para obliviar. este, no entanto,
mais bonito.
sempre temi este tipo de junção
a nos tirar o poder sobre as coisas do mundo
como um pássaro que estava nas mãos
mas chega o outro dia e está na hora de sair voando
sabe-se lá em qual ilha foi parar
só nos resta ficar à espera
de que um dia tenha muita fome
e volte com pressa pra gaiola.
o mesmo digo para obliviar. este, no entanto,
mais bonito.
sempre temi este tipo de junção
a nos tirar o poder sobre as coisas do mundo
como um pássaro que estava nas mãos
mas chega o outro dia e está na hora de sair voando
sabe-se lá em qual ilha foi parar
só nos resta ficar à espera
de que um dia tenha muita fome
e volte com pressa pra gaiola.
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
enxaqueca
o caso é que sou uma pessoa muito difícil de lidar
e digo isso sem dirigir-me ao lado da construção imagética
é a necessidade de fazer um poema
como fazem os poetas muito habilidosos
que falam de si porém falam de outros
(então o faço como fazem os loucos)
e devo dizer que sou uma pessoa com jeitos nefastos
e digo isso para que talvez com a escrita eu consiga controlar
esta pessoa muito difícil de lidar
que insiste em se manter em mim mesmo
como se houvesse uma batalha de artes marciais
em que um homem lutasse com os punhos
e o outro com a mente
e insistentemente eu ouvisse suas provocações
mais suas discussões lógicas e causais
um duelo de titãs
quem terá a melhor retórica? e abusará da lógica
na construção de um argumento
que no fim haverá de possuir-me
como dois demônios loucos
fazem com a criatura indefesa
que só quer água e sombra fresca
mais instantes de paz na Terra...
e digo isso sem dirigir-me ao lado da construção imagética
é a necessidade de fazer um poema
como fazem os poetas muito habilidosos
que falam de si porém falam de outros
(então o faço como fazem os loucos)
e devo dizer que sou uma pessoa com jeitos nefastos
e digo isso para que talvez com a escrita eu consiga controlar
esta pessoa muito difícil de lidar
que insiste em se manter em mim mesmo
como se houvesse uma batalha de artes marciais
em que um homem lutasse com os punhos
e o outro com a mente
e insistentemente eu ouvisse suas provocações
mais suas discussões lógicas e causais
um duelo de titãs
quem terá a melhor retórica? e abusará da lógica
na construção de um argumento
que no fim haverá de possuir-me
como dois demônios loucos
fazem com a criatura indefesa
que só quer água e sombra fresca
mais instantes de paz na Terra...
domingo, 23 de outubro de 2011
Maio chega
este poeminha foi escrito em abril,
então faz mais sentido
compreendê-lo como se entrássemos no inverno
apesar de que você pode entendê-lo de diversas maneiras
como um pequeno quebra-cabeças
precisando de desconstrução
veja bem
a língua está toda congestionada
de fonemas afobados na escada
loucos pra descer no corrimão
e se vender nos afagos da tua boca
outona e inverna ao mesmo tempo, o frio
amarronzando nossas folhas
e só gela e corta nossa carne
vela nossa vida
quem disse que ficou nossa lembrança
disse mas não sabe dizer nada
a palavra é um estado de rio de passagem
na esperança de chegar ao outro lado
e quem disse que ficou ao nosso lado
há horas já se foi
o ano passa e a dívida aumenta
o coração sustenta
mas ninguém parece empadecer...
é abril e enmaia minha casa
as paredes mortas pra tombar
e eu louco pra ficar
ficar ao lado dos fonemas
e versar uns versinhos ipanema
o verbo outona...
preciso dizer que tenho gosto pelo ventinho na areia
e me lembro da nietzschiana dizer
"meu rosto tem muita simpatia por ventos"
como se fôssemos todos uma brisa
leves pra voar em meio aos prédios
flagrando casais em sexo:
o louco e o figurado
a magia e o esperado...
(uma vontade de jogar-me ao chão
e chorar e chorar e chorar...)
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
Aeroclube
a dúvida do aeronauta
e a minha também:
quando se está no céu
como saber
quando começa e termina uma nuvem
se de cima todas elas são iguais...
como um terreno de algodão e Cia.
onde vivem nossos sonhos
após começar o dia.
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
os votos de felicidade e de muito sucesso
todos os homens merecem uma poesia
digo a respeito daquilo
de ser um homem-poema
para ser mais específico
todos os homens merecem ser postos em versos
e refiro-me aos homens e mulheres
sem me ater à questão de gênero
como dizia
todos os homens serão poéticos
digo, em estado de constante desequilíbrio
porque estar num poema é difícil
como andar em dunas de areia
e a cada passo afundar o corpo
como um pobre pobre louco
andando sem fim no desgosto.
todos os homens serão poesia
inclusive o que faz pilhas de lixo
e o outro que separa em latas
este por sua fina preocupação com as camadas da Terra
aquele por sua eficácia em manejar o caos.
o caos promove a poesia.
antes de terminar o poema, deixe-me falar de um homem. por volta de 40 anos, me disse: vestir uniformes pode ser libertador para quem não quer escolher. desde que o conheço em minha vida, sei que usa o mesmo conjunto de calça e camisa cinza. quando criança, a mãe lhe batia por culpá-lo pela fuga do pai, e mais tarde apanharia do irmão mais velho por não saber se defender na escola. confessou-me por fim que era excluído pelos colegas por ser bolsista e não ter dinheiro para comprar roupas de marca. à revelia de seu sofrimento, falou-me a frase que acabei de citar. avistei-o duas vezes na semana seguinte e depois nunca mais o vi.
se foi despedido ou se demitiu, não sei; se faleceu ou fugiu, tampouco. mas disse-me que vestir uniformes pode ser uma liberdade: e hoje, antes de escolher minhas roupas, lembro-me de nossa conversa na escada do edifício. sempre o vi usando o mesmo uniforme. será que se sentia livre? atormentava-o a possibilidade de escolha? não só a ele, como a todos nós também: desde decidir andar em direção à porta do prédio ou não até qual a melhor maneira de contornar os maiores problemas de nossas vidas. vestimos uniformes para nos salvarmos do peso da escolha. tiramo-os ao fim do dia, após o banho quente. despir-se de uniformes ao estar sozinho seria a liberdade máxima? mas liberdade não é medida ao praticá-la em conjunto? deveria ter perguntado ao zelador isso, porém fiquei quieto com receio de fazer com que se arrependesse de sua confissão. apesar de tudo, de alguma forma mantenho-o em pensamento. penso que o tenho dentro de mim, em certas situações. em certos uniformes.
todos os homens merecem uma poesia.
esta é sobre o zelador que num olhar clama por um fim de sofrimento
felicito-o por ter conquistado
ao meu ver, é claro
(apesar de lamentar profundamente...)
alegria, acinzentado!
tu que és homem
e se por homem digo-te sentado
assim ou assado? tu que és homem, infernal!
se te vejo alado te perco de vista ao meu lado
invisível ou abafado?
jamais esquecido!
a famosa alegria?
os melhores votos ao zelador acinzentado
imortalizado em assunto-poesia...
digo a respeito daquilo
de ser um homem-poema
para ser mais específico
todos os homens merecem ser postos em versos
e refiro-me aos homens e mulheres
sem me ater à questão de gênero
como dizia
todos os homens serão poéticos
digo, em estado de constante desequilíbrio
porque estar num poema é difícil
como andar em dunas de areia
e a cada passo afundar o corpo
como um pobre pobre louco
andando sem fim no desgosto.
todos os homens serão poesia
inclusive o que faz pilhas de lixo
e o outro que separa em latas
este por sua fina preocupação com as camadas da Terra
aquele por sua eficácia em manejar o caos.
o caos promove a poesia.
antes de terminar o poema, deixe-me falar de um homem. por volta de 40 anos, me disse: vestir uniformes pode ser libertador para quem não quer escolher. desde que o conheço em minha vida, sei que usa o mesmo conjunto de calça e camisa cinza. quando criança, a mãe lhe batia por culpá-lo pela fuga do pai, e mais tarde apanharia do irmão mais velho por não saber se defender na escola. confessou-me por fim que era excluído pelos colegas por ser bolsista e não ter dinheiro para comprar roupas de marca. à revelia de seu sofrimento, falou-me a frase que acabei de citar. avistei-o duas vezes na semana seguinte e depois nunca mais o vi.
se foi despedido ou se demitiu, não sei; se faleceu ou fugiu, tampouco. mas disse-me que vestir uniformes pode ser uma liberdade: e hoje, antes de escolher minhas roupas, lembro-me de nossa conversa na escada do edifício. sempre o vi usando o mesmo uniforme. será que se sentia livre? atormentava-o a possibilidade de escolha? não só a ele, como a todos nós também: desde decidir andar em direção à porta do prédio ou não até qual a melhor maneira de contornar os maiores problemas de nossas vidas. vestimos uniformes para nos salvarmos do peso da escolha. tiramo-os ao fim do dia, após o banho quente. despir-se de uniformes ao estar sozinho seria a liberdade máxima? mas liberdade não é medida ao praticá-la em conjunto? deveria ter perguntado ao zelador isso, porém fiquei quieto com receio de fazer com que se arrependesse de sua confissão. apesar de tudo, de alguma forma mantenho-o em pensamento. penso que o tenho dentro de mim, em certas situações. em certos uniformes.
todos os homens merecem uma poesia.
esta é sobre o zelador que num olhar clama por um fim de sofrimento
felicito-o por ter conquistado
ao meu ver, é claro
(apesar de lamentar profundamente...)
alegria, acinzentado!
tu que és homem
e se por homem digo-te sentado
assim ou assado? tu que és homem, infernal!
se te vejo alado te perco de vista ao meu lado
invisível ou abafado?
jamais esquecido!
a famosa alegria?
os melhores votos ao zelador acinzentado
imortalizado em assunto-poesia...
domingo, 16 de outubro de 2011
O belo ou o feio?
Vi uma revista de moda com uma supermodel. Não lembro quem era, porque a lembrança é de meses atrás. Devia ser uma Gisele Bündchen ou alguém com reconhecimento semelhante. A questão é que ela estava feia. Muito, muito feia.
Sabe feiura? Então. Ela vestia fivelas de couro cobrindo partes importantes do corpo, um cabelo preso de uma maneira que qualquer mulher nunca usaria para sair na rua, como se houvesse ficado uma hora andando num carro conversível. Para completar, uma maquiagem que a deixava suja. Não o sujo excitante. Era o sujo relaxado. Muito, muito feia. Só que todos sabem quem ela é (menos eu, que esqueci); e sabem também que ela é muito, muito bonita. Por isso, vê-la feia em uma foto não acabava com certa aura de beleza que a modelo adquiriu ao longo do tempo.
Isso me fez pensar em que, não importasse o que pudesse ser feito, a modelo não ficaria efetivamente feia. Seria possível ficar horrível e imprimir um aspecto estético desagradável - como de fato o fez -, porém ainda assim estaria bonita. Uma ambiguidade, uma contradição de conceitos representada por uma mulher ao mesmo tempo feia e bonita, horrorosa e charmosa, suja e espetacular.
Não sei qual o conceito que há por detrás de uma fotografia que jogue com a estética, em especial o signo da estética, mais especificamente um símbolo, visto que a beleza é um acordo entre todos. Apesar de tudo, ainda fiquei pensando em que o que as pessoas mais querem é ser bonitas. Quem quer ser feio? Ninguém quer, todo mundo quer ser magro, de preferência sarado, ter cabelo liso, rosto simétrico, sem rugas ou espinhas, olhar profundo, seios ou um pinto grande. É isso o que pregam, é isso o que as pessoas valorizam e é isso o que a publicidade e a mídia mostram - e não adianta falar que a publicidade "sugere" esses valores, visto que uma ação publicitária só faz sucesso se agrada a população, e sabemos que a sociedade gosta daquilo que já viu, não do que é novo (alô, Indústria Cultural).
A modelo que vi na revista de moda alcançou a beleza que todos desejam. Mais do que desejam: de alguma maneira obscura e inconsciente, invejam. Depois da conquista, ela pôde se dar ao luxo de ser feia. E isso eu achei engraçado, porque cultivamos entre todos uma ambição inquietante, um consumismo desenfreado, quanto mais, mais. Não entendo qual o conceito de fotografias como esta de que falo (se alguém souber, me diga), porém acho engraçada essa maneira de cutucar uma ferida que está aberta no dia a dia de todos. A mulher, de tão bela, desdenhou a beleza.
Quem se atreve a se abster de uma característica incutida de um enorme poder? Beleza hoje é poder. É beleza e informação (alô, Rüdiger). Mas informação não atrai a maioria das pessoas. Queremos para nós companheiros bonitos E inteligentes, não apenas um ou outro. E nós, somos o quê? Somos bonitos? Somos inteligentes? Até que ponto usamos o outro para suprir uma carência nossa? Um deslize de nosso ego?
Dias atrás eu disse que no final tudo são pessoas.
Hoje digo que além de pessoas
No final tudo é ego.
Que freudiano da minha parte...
Sabe feiura? Então. Ela vestia fivelas de couro cobrindo partes importantes do corpo, um cabelo preso de uma maneira que qualquer mulher nunca usaria para sair na rua, como se houvesse ficado uma hora andando num carro conversível. Para completar, uma maquiagem que a deixava suja. Não o sujo excitante. Era o sujo relaxado. Muito, muito feia. Só que todos sabem quem ela é (menos eu, que esqueci); e sabem também que ela é muito, muito bonita. Por isso, vê-la feia em uma foto não acabava com certa aura de beleza que a modelo adquiriu ao longo do tempo.
Isso me fez pensar em que, não importasse o que pudesse ser feito, a modelo não ficaria efetivamente feia. Seria possível ficar horrível e imprimir um aspecto estético desagradável - como de fato o fez -, porém ainda assim estaria bonita. Uma ambiguidade, uma contradição de conceitos representada por uma mulher ao mesmo tempo feia e bonita, horrorosa e charmosa, suja e espetacular.
Não sei qual o conceito que há por detrás de uma fotografia que jogue com a estética, em especial o signo da estética, mais especificamente um símbolo, visto que a beleza é um acordo entre todos. Apesar de tudo, ainda fiquei pensando em que o que as pessoas mais querem é ser bonitas. Quem quer ser feio? Ninguém quer, todo mundo quer ser magro, de preferência sarado, ter cabelo liso, rosto simétrico, sem rugas ou espinhas, olhar profundo, seios ou um pinto grande. É isso o que pregam, é isso o que as pessoas valorizam e é isso o que a publicidade e a mídia mostram - e não adianta falar que a publicidade "sugere" esses valores, visto que uma ação publicitária só faz sucesso se agrada a população, e sabemos que a sociedade gosta daquilo que já viu, não do que é novo (alô, Indústria Cultural).
A modelo que vi na revista de moda alcançou a beleza que todos desejam. Mais do que desejam: de alguma maneira obscura e inconsciente, invejam. Depois da conquista, ela pôde se dar ao luxo de ser feia. E isso eu achei engraçado, porque cultivamos entre todos uma ambição inquietante, um consumismo desenfreado, quanto mais, mais. Não entendo qual o conceito de fotografias como esta de que falo (se alguém souber, me diga), porém acho engraçada essa maneira de cutucar uma ferida que está aberta no dia a dia de todos. A mulher, de tão bela, desdenhou a beleza.
Quem se atreve a se abster de uma característica incutida de um enorme poder? Beleza hoje é poder. É beleza e informação (alô, Rüdiger). Mas informação não atrai a maioria das pessoas. Queremos para nós companheiros bonitos E inteligentes, não apenas um ou outro. E nós, somos o quê? Somos bonitos? Somos inteligentes? Até que ponto usamos o outro para suprir uma carência nossa? Um deslize de nosso ego?
Dias atrás eu disse que no final tudo são pessoas.
Hoje digo que além de pessoas
No final tudo é ego.
Que freudiano da minha parte...
sábado, 15 de outubro de 2011
a herança platônica.
Um par de olhos para ver. Duas
Orelhas para ouvir.
Uma boca para falar e sorrir.
Incrível essa matemática da natureza
Com seus infinitos redondos
E seus ângulos de noventa graus.
Parece até que tudo veio em prol da perfeição
E tudo que desviasse do curso
Fosse erro de um cientista maluco
Adorando se meter num laboratório
Para se perder em incríveis experiências
Atrás de um quê de razão.
A busca da perfeição em que caio!
Um cientista maluco
Explodindo um tubo de ensaio...
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
Para dizer do céu e de suas consequências
Uma casa tem muitas paredes. Mais precisamente, quatro, para fixar os limites. Há também o chão, para não existir contato com a terra, e o teto, para não sairmos voando. Tetos são chapéus de casas. Eles cortam asas, de fugas maiores, e alimentam manias de pertencimento. Moradores de rua não têm teto - e pertencem a quê(m)? A ninguém, visto que não têm limites. E quem não tem fronteiras, como pode saber até onde vai a sua vida? Para redimir, inventam histórias e caçam memórias. Muitos têm família, outros a tiveram, poucos sonham em tê-la. Nenhum tem uma casa para pertencer a todos.
*
Uma casa tem muitas paredes. Para quem é vizinho ou apenas transeunte, o que importa são as paredes de fora. Pode haver altas colunas gregas, como um Partenon, ou mesmo uma porta de vidro que gire até a metade, como nos apartamentos dos ricos na novela. Uma casa pode ser feia por fora e bonita por dentro. Pode ser feia por dentro e bonita por fora. Pode ser feia em ambos os lados, assim como bonita.
Como pessoas.
No fim tudo são pessoas. E suas obras e seus tiques amargos.
Todos os movimentos do mundo vêm em direção às pessoas. A História só existe porque afeta um ser humano. A Literatura serve para mexer com uma cabeça.
A Filosofia, e todas as suas loucuras, para brincar com nosso senso.
A Psicologia perturba nossos traumas.
A Medicina cuida de nossa casa.
A Poesia liberta nossa alma.
*
Uma casa tem muitas paredes. Para quem é vizinho ou apenas transeunte, o que importa são as paredes de fora. Pode haver altas colunas gregas, como um Partenon, ou mesmo uma porta de vidro que gire até a metade, como nos apartamentos dos ricos na novela. Uma casa pode ser feia por fora e bonita por dentro. Pode ser feia por dentro e bonita por fora. Pode ser feia em ambos os lados, assim como bonita.
Como pessoas.
No fim tudo são pessoas. E suas obras e seus tiques amargos.
Todos os movimentos do mundo vêm em direção às pessoas. A História só existe porque afeta um ser humano. A Literatura serve para mexer com uma cabeça.
A Filosofia, e todas as suas loucuras, para brincar com nosso senso.
A Psicologia perturba nossos traumas.
A Medicina cuida de nossa casa.
A Poesia liberta nossa alma.
terça-feira, 11 de outubro de 2011
melancolia
Hoje de manhã fiquei em casa
Polindo as paredes brancas
Com panos de chão muito encardidos
Como se me arrastasse pelo piso
Feito uma cobra fria e nojenta
Efêmera
Procurando um rato pro jantar
Mais de dois meses deixando ninhos no deserto
E deslizando apenas
Nem pensar em corvos ou fitas e fatos
Cheíssima de veneno e cariño
E deslizando apenas
Nem pensar no alto
(O sol
O certo e o errado)
Subalterna
Querendo mais que nunca duas pernas.
Polindo as paredes brancas
Com panos de chão muito encardidos
Como se me arrastasse pelo piso
Feito uma cobra fria e nojenta
Efêmera
Procurando um rato pro jantar
Mais de dois meses deixando ninhos no deserto
E deslizando apenas
Nem pensar em corvos ou fitas e fatos
Cheíssima de veneno e cariño
E deslizando apenas
Nem pensar no alto
(O sol
O certo e o errado)
Subalterna
Querendo mais que nunca duas pernas.
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
"mas no fundo gostava da dor do fim"
a ironia do dia
essa hermenêutica toda que desgraça
e se não me entendes é porque não faço graça
desejando que tudo que há fosse indizível
assim ninguém se preocuparia em entender
todas as tolices que os tolos têm a dizer
muito menos o que os sábios querem
no mundo parece que todos são conselheiros
exigindo dois barbeiros
um para cortar o cabelo
outro para acariciar a barba
como se não houvesse ninguém hábil para entender uma história
que no fim já passou e se ficou
não resta nada a fazer por mais que queira
além de sentarmos todos ao redor dessa fogueira
e admirarmos o fogo que consome.
essa hermenêutica toda que desgraça
e se não me entendes é porque não faço graça
desejando que tudo que há fosse indizível
assim ninguém se preocuparia em entender
todas as tolices que os tolos têm a dizer
muito menos o que os sábios querem
no mundo parece que todos são conselheiros
exigindo dois barbeiros
um para cortar o cabelo
outro para acariciar a barba
como se não houvesse ninguém hábil para entender uma história
que no fim já passou e se ficou
não resta nada a fazer por mais que queira
além de sentarmos todos ao redor dessa fogueira
e admirarmos o fogo que consome.
terça-feira, 4 de outubro de 2011
Yoga 2
A questão é que no fim criticamos a sociedade do espetáculo e o modo como a mídia retrata tudo, dando um enfoque sensacionalista. Só que no fim nós mesmos, em nossas relações interpessoais, espetacularizamos nossa vida, tornando nossa imagem o mais rentável e agradável possível, na esperança de agradar ao maior número de pessoas possível.
Então como exigir uma imprensa séria se nós nos levamos a sério demais ao nos esforçarmos ao máximo para parecer algo que muitas vezes não somos? E se o somos, queremos deixar bem claro a todos que sim.
Como se a vida fosse um palco de teatro e coubesse a nós a última deixa.
A fala mais importante.
Fundamental na peça.
Na vida de alguém.
Solidão.
Então como exigir uma imprensa séria se nós nos levamos a sério demais ao nos esforçarmos ao máximo para parecer algo que muitas vezes não somos? E se o somos, queremos deixar bem claro a todos que sim.
Como se a vida fosse um palco de teatro e coubesse a nós a última deixa.
A fala mais importante.
Fundamental na peça.
Na vida de alguém.
Solidão.
domingo, 2 de outubro de 2011
Yoga
Inspirar profundamente, com a coluna reta. Agora expira enquanto coloca a testa no chão. O chakra fluirá melhor. Será o da coroa? Pois não sei. Agora volta a sentar com a coluna reta, expirando lentamente. Todos os seus problemas estão do lado de fora. Inspira e abraça o joelho. Segura a respiração. Pode voltar a ficar deitado, expirando lentamente.
Como se fôssemos todos bebês na barriga da mãe. Aprendendo a respirar pelo cordão umbilical. Alguém já pensou na primeira respiração do feto? Quando é possível dizer que ela ocorreu. Entre um esperma e algo gelatinoso, posteriormente de uma maneira quase sólida, onde dá para dizer: respirou? Ou talvez jamais dê, sendo esta a polêmica do aborto.
O olho de Londres.
Segure as mãos acima da cintura, com a coluna reta. Quem sabe vamos viajar para o lugar dos sonhos? Ninguém pediu, mas eu faço mesmo assim. O Egito quem sabe. Mergulhar numa montanha de areia, fugir de uma tempestade, morrer de calor, morrer de frio, peregrinar como fizeram aqueles da Bíblia, estudados na Catequese e Crisma. Depois escrever longos relatos para uma revista qualquer, que no fim ninguém vai comprar, porque só sei falar de consciência, parece que me falta palavras que abordem o que é palpável. Ou quem sabe encarar a vida de agora e seus problemas e todos os seus dilemas e desdobramentos, onde morar onde ficar como comer o que escolher para amanhã? Sonhando com o Egito e com montanhas de areia.
Mais três respirações lentas. Pode começar a tormar consciência do corpo, mexendo os pés, braços, joelhos e mãos. Já tomei consciência do corpo, moça. Mas pra quê fazer Yoga? Pra quê estudar Filosofia? Por que Arte? Por que arrumar a cama se de noite eu desarrumo?
Daquelas perguntas sem sentido, cuja única resposta é: para ter mais um motivo que rode a roda da vida. E quebrar a rotina, porque hoje todos a tememos. É uma vida por demais interessante, então é tudo tão imprevisível... Todos muito felizes e realizados. Pois não viram nossas fotos nas redes sociais? Estamos sempre sorrindo ou fazendo uma expressão de mistério. Venha me descobrir. Inclusive, somos todos cultos e lemos livros incrivelmente intelectualizados, entendemos muito de cinema, música, assim como temos um senso crítico que nos permite formular sentenças sobre praticamente todos os assuntos. Exceto Ciência, porque somos das Humanas.
Abram alas. Já faz horas que começou o espetáculo. Ninguém reparou? E somos todos o personagem principal.
Como se fôssemos todos bebês na barriga da mãe. Aprendendo a respirar pelo cordão umbilical. Alguém já pensou na primeira respiração do feto? Quando é possível dizer que ela ocorreu. Entre um esperma e algo gelatinoso, posteriormente de uma maneira quase sólida, onde dá para dizer: respirou? Ou talvez jamais dê, sendo esta a polêmica do aborto.
O olho de Londres.
Segure as mãos acima da cintura, com a coluna reta. Quem sabe vamos viajar para o lugar dos sonhos? Ninguém pediu, mas eu faço mesmo assim. O Egito quem sabe. Mergulhar numa montanha de areia, fugir de uma tempestade, morrer de calor, morrer de frio, peregrinar como fizeram aqueles da Bíblia, estudados na Catequese e Crisma. Depois escrever longos relatos para uma revista qualquer, que no fim ninguém vai comprar, porque só sei falar de consciência, parece que me falta palavras que abordem o que é palpável. Ou quem sabe encarar a vida de agora e seus problemas e todos os seus dilemas e desdobramentos, onde morar onde ficar como comer o que escolher para amanhã? Sonhando com o Egito e com montanhas de areia.
Mais três respirações lentas. Pode começar a tormar consciência do corpo, mexendo os pés, braços, joelhos e mãos. Já tomei consciência do corpo, moça. Mas pra quê fazer Yoga? Pra quê estudar Filosofia? Por que Arte? Por que arrumar a cama se de noite eu desarrumo?
Daquelas perguntas sem sentido, cuja única resposta é: para ter mais um motivo que rode a roda da vida. E quebrar a rotina, porque hoje todos a tememos. É uma vida por demais interessante, então é tudo tão imprevisível... Todos muito felizes e realizados. Pois não viram nossas fotos nas redes sociais? Estamos sempre sorrindo ou fazendo uma expressão de mistério. Venha me descobrir. Inclusive, somos todos cultos e lemos livros incrivelmente intelectualizados, entendemos muito de cinema, música, assim como temos um senso crítico que nos permite formular sentenças sobre praticamente todos os assuntos. Exceto Ciência, porque somos das Humanas.
Abram alas. Já faz horas que começou o espetáculo. Ninguém reparou? E somos todos o personagem principal.
sábado, 24 de setembro de 2011
as represas da cidade
Agora se chove não fico sem camisas pra vestir
E se fizer muita friaca
Posso pedir
Emprestadas blusas
A única coisa que não garanto são as meias
E calçados com seus números distintos
Hoje tenho força para tudo o que é da vida
Hoje acordo sem pensar em saídas
E idas
De certos sobressaltos
E rio com essa alegria limpa que inunda meu corpo
Como se fosse um córrego de divindades
Alagando cada casa da minha alma
A arrastar todos em suas águas
Pra dançar uma bonita melodia
No centrinho da cidade.
E se fizer muita friaca
Posso pedir
Emprestadas blusas
A única coisa que não garanto são as meias
E calçados com seus números distintos
Hoje tenho força para tudo o que é da vida
Hoje acordo sem pensar em saídas
E idas
De certos sobressaltos
E rio com essa alegria limpa que inunda meu corpo
Como se fosse um córrego de divindades
Alagando cada casa da minha alma
A arrastar todos em suas águas
Pra dançar uma bonita melodia
No centrinho da cidade.
terça-feira, 20 de setembro de 2011
efetivamente estou numa maré de silêncio. como uma praia de águas transparentes em Santa Catarina: não há nenhuma onda e é possível ficar boiando por quanto tempo quiser. se ficarmos tempo demais, o coração acelera, e rapidamente olhamos ao redor a fim de ver se a costa está muito longe. em seguida voltamos a boiar, fingindo que afinal está tudo bem mesmo. ouvindo aquele som de calma que é o mar entrando pelos ouvidos.
é como pular de um lugar muito alto
a sensação de liberdade
depois vem o chão
e dói bom.
é como pular de um lugar muito alto
a sensação de liberdade
depois vem o chão
e dói bom.
12:12
E quando vier a hora do arrependimento
Direi que vá embora
Basta de arrependimentos
E de melancolias antes de pegar no sono
Não me agradam os sentimentos soturnos
E aqueles que dominam a razão
Quando não estou a vigiando
Chega de querer voltar para trás
Olhar para por cima do ombro
Jamais me trouxe previsões de futuro
Aliás
Danem-se os deuses
Também não quero saber de futuro
Não quero saber de horas
Por mim que as horas cheias queimem
E sobrevivam somente aquelas vivas
Refiro-me as de números iguais, em pares agradáveis
12:12
Dez e dez
Números elegantes que me façam pensar
Que minha cama não é habitada só por mim.
Direi que vá embora
Basta de arrependimentos
E de melancolias antes de pegar no sono
Não me agradam os sentimentos soturnos
E aqueles que dominam a razão
Quando não estou a vigiando
Chega de querer voltar para trás
Olhar para por cima do ombro
Jamais me trouxe previsões de futuro
Aliás
Danem-se os deuses
Também não quero saber de futuro
Não quero saber de horas
Por mim que as horas cheias queimem
E sobrevivam somente aquelas vivas
Refiro-me as de números iguais, em pares agradáveis
12:12
Dez e dez
Números elegantes que me façam pensar
Que minha cama não é habitada só por mim.
som
A gente é um ser infeliz
Essa coisa de dizer que sente
Uma energia, uma coisa de dentro
A gente mente e faz de conta
Que ouve o outro mas na verdade
Ouve o próprio corpo
O som percorrendo os ossos e
Voltando para si.
Humano é o ser mais egoísta que vai existir por aí.
Essa coisa de dizer que sente
Uma energia, uma coisa de dentro
A gente mente e faz de conta
Que ouve o outro mas na verdade
Ouve o próprio corpo
O som percorrendo os ossos e
Voltando para si.
Humano é o ser mais egoísta que vai existir por aí.
após a despedida, a fuga seguida da melancolia
Ao final, disse-me que desaparecesse de suas vistas grossas
E eu respondi que viajaria longas pradarias
Pra poder sonhar
E ao contrário dos filmes americanos
Ninguém há de me esperar no aeroporto
Então direi que isso é fruto da solidão
Plantada dentro do meu coração
No nosso início de relacionamento.
E eu respondi que viajaria longas pradarias
Pra poder sonhar
E ao contrário dos filmes americanos
Ninguém há de me esperar no aeroporto
Então direi que isso é fruto da solidão
Plantada dentro do meu coração
No nosso início de relacionamento.
que não sou herói
Eu que não era herói
Traíra
Deixando para trás os necessitados
Os sem voz, os dissonantes
Nossas marretas não movem nada
Nossas escritas não demovem ninguém
Eu que me amargurava
Não sei de cada um de nós
Que nos compõe
Não sei de mim que compõe o outro
E já me esqueço das sociedades
Das fervuras, excentricidades
O mendigo que manda correr senão me mata
A política e suas ancas fartas
Eu que não sei de nada
Eu que não posso fazer nada
Além de rir.
Eu que não era herói
Vivo das sobras dos vilões das noites negras
Dos roubos, das injustiças
Eu que não tenho capa
Não tenho laços, arcos ou argolas
Eu que não tenho culpa
Que não tenho armas ou super poderes
Só sei criar poesias
Só sei tirar fotografias
E atirá-las desenfreadamente nos gigantes sem Davis.
Traíra
Deixando para trás os necessitados
Os sem voz, os dissonantes
Nossas marretas não movem nada
Nossas escritas não demovem ninguém
Eu que me amargurava
Não sei de cada um de nós
Que nos compõe
Não sei de mim que compõe o outro
E já me esqueço das sociedades
Das fervuras, excentricidades
O mendigo que manda correr senão me mata
A política e suas ancas fartas
Eu que não sei de nada
Eu que não posso fazer nada
Além de rir.
Eu que não era herói
Vivo das sobras dos vilões das noites negras
Dos roubos, das injustiças
Eu que não tenho capa
Não tenho laços, arcos ou argolas
Eu que não tenho culpa
Que não tenho armas ou super poderes
Só sei criar poesias
Só sei tirar fotografias
E atirá-las desenfreadamente nos gigantes sem Davis.
no afã de enxergar alguma coisa
Enxerguei o retrato dele
E até hoje me arrependo
Da ternura e da tristeza
Da compaixão de ambos os lados
Dos chapéus azuis, daquelas boinas pretas
Caquéticas, desbotadas
Esqueletos sem peles e sangues
Sem as almas de nós dois
Vampíricos meus atos
Pagando meus pecados sem saber
Mas tudo há de passar é o que disseram
Porcarias
É o que todos falam
Lixos não reciclados
Baús mais que empoeirados
Pessoas só sabem projetar-se
E se elevar aos hinos
Só sabem amar sem saber amar
Afobados que somos
Exagerados
Hipérboles nas nossas falas
Dramas sem fins nem cabeças
Falam falam e não dizem nada
Retórica terna, vazia
Preenchendo os buracos que espaçam nós
Os nós da personalidade
Que independe idade
Jovens ou velhinhos se dirigindo ao asco
De preparar nossos novelos leves
Que tempos depois
Tornam-se pesadas mantas de lã
Tomando espaço no armário
E depois se abre a porta
E melancolicamente levam-se mãos aos olhos
Para chorar de amargura
Pelo retrato dele.
E até hoje me arrependo
Da ternura e da tristeza
Da compaixão de ambos os lados
Dos chapéus azuis, daquelas boinas pretas
Caquéticas, desbotadas
Esqueletos sem peles e sangues
Sem as almas de nós dois
Vampíricos meus atos
Pagando meus pecados sem saber
Mas tudo há de passar é o que disseram
Porcarias
É o que todos falam
Lixos não reciclados
Baús mais que empoeirados
Pessoas só sabem projetar-se
E se elevar aos hinos
Só sabem amar sem saber amar
Afobados que somos
Exagerados
Hipérboles nas nossas falas
Dramas sem fins nem cabeças
Falam falam e não dizem nada
Retórica terna, vazia
Preenchendo os buracos que espaçam nós
Os nós da personalidade
Que independe idade
Jovens ou velhinhos se dirigindo ao asco
De preparar nossos novelos leves
Que tempos depois
Tornam-se pesadas mantas de lã
Tomando espaço no armário
E depois se abre a porta
E melancolicamente levam-se mãos aos olhos
Para chorar de amargura
Pelo retrato dele.
lembrarei como fosse uma brisa
Relatos do desespero
E causos da depressão...
A arte nunca esteve aqui para ganhar mesmo
Que dependa de alguém
Que nivele seus costumes
As maiores artes sempre foram brincadeiras
Dos maiores gênios
O fim do século nos custa a chegar
Mas o que mais custa é viver
Sem saber do amanhã
O chaveiro sem as chaves me parece tão simbólico
As minhas angústias já não têm mais lar
As minhas angústias já não têm mais lar
E as melancolias
Rodam e rodam sem parar
Como se a baiana louca virasse a noite
Possuída por forças dançantes
E já estivesse tonta de girar o seu vestido
(Baila, querida, baila...)
Já faz tanto tempo que perdi meu tino
Porém o medo nunca há de me vencer
Há qualquer coisa no meu sangue que lembra loucura
E assim mantenho a tontura
Que o espírito que doma a baiana insiste em manter
Ao me possuir o ser
Hei de brindar aos meus demônios
E, criatura, nunca voltarei a ter
Aquela manjada cara de morosidade...
Tristeza
Para Laís Webber
sonhos bordados de estrelas muito me alegram
e as viagens que meu pai fazia à lua
sempre me fizeram pensar
que minhas tristezas não deveriam ficar
nos dizeres de dia
e que nossa poesia há de trazer
um estado de espírito
cujo controle não caberá em duas mãos...
minha mãe se queda quieta, meu irmão remove a vista
à casa de telhado amarronzado
eu mudo. a pele escalavrando
com finas facas de permuta
naquilo que chamam de paz
(e toda a paz do mundo só virá com guerra)
o justo só trará justiça
e verterão rios de sangue dos seus olhos
Nossa Senhora se esconde de inveja
as gárgulas nem têm mais o que falar
porque as minhas alegrias, hoje,
esqueceram da beleza...
faz algumas horas que moro na Tristeza
e o ônibus nunca me pareceu tão divagante
bem que eu queria que aparecesse um jovem doutor
que soubesse da minha dor
e receitasse um remédio
e nunca mais eu tomasse essa dose de melancolia
cujo gosto às vezes me é amargo
mas que ainda assim tomo
pra diluir o gosto de vida.
456.
Pode ser o frio, mas aqui dentro eu queria tanto o contrário...
E lá fora a música bela
O som alto e o incenso de canela
E caso seja melhor
Que todos se abracem e se adorem
A loucura é algo que não presta mesmo...
Só os desvarios sabem do amor
Bem que me ensinassem os seus truques
E me dessem a mão
E fôssemos juntos nesta melancolia
Atrás de desertos de folia
Sempre procurando um animal
Feroz em defesa do vital que
Ama e ama e ama e ama e ama
E mata
Tudo o que é belo
E só sobra aquilo do abstrato
Costurando os limites da razão
Naquela roupa de tricô que pesa
É uma pena, sim, é uma pena que
De todas as escolhas e os dedos só
Sobrassem desmazelos
Mais caríssimas figuras de indiferença
Tudo atrás da vida que não tem o fogo
Que queima, e que arde
Arde e mostra à carne o que é vida.
E lá fora a música bela
O som alto e o incenso de canela
E caso seja melhor
Que todos se abracem e se adorem
A loucura é algo que não presta mesmo...
Só os desvarios sabem do amor
Bem que me ensinassem os seus truques
E me dessem a mão
E fôssemos juntos nesta melancolia
Atrás de desertos de folia
Sempre procurando um animal
Feroz em defesa do vital que
Ama e ama e ama e ama e ama
E mata
Tudo o que é belo
E só sobra aquilo do abstrato
Costurando os limites da razão
Naquela roupa de tricô que pesa
É uma pena, sim, é uma pena que
De todas as escolhas e os dedos só
Sobrassem desmazelos
Mais caríssimas figuras de indiferença
Tudo atrás da vida que não tem o fogo
Que queima, e que arde
Arde e mostra à carne o que é vida.
da série do tempo
para os que ficam, declaro todo o meu amor
a todas as coisas gélidas e áridas
a pedra na areia amarela, a areia em cima da pedra branca
a neve no filme americano que nunca vi
ou aquele deserto chileno
cujos rastros de escorpião não demoram a desaparecer
porque por mais que a vida doa ao correr
sempre passa a impressão de estar na pressa de sair...
a todas as coisas gélidas e áridas
a pedra na areia amarela, a areia em cima da pedra branca
a neve no filme americano que nunca vi
ou aquele deserto chileno
cujos rastros de escorpião não demoram a desaparecer
porque por mais que a vida doa ao correr
sempre passa a impressão de estar na pressa de sair...
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
domingo, 18 de setembro de 2011
Um chororô querido
um certo dia na Redenção...
Assim que aparecer qualquer sinal, corro
Como se avistasse meu final
De diferentes cores
E tudo brilha e é tão lindo
Parece algodão-doce no parque, aos domingos
A gente nem gosta mesmo
Mas é tão bonito
Que ninguém se atreve a não comprar de vez em quando
Como se o vendedor fosse amigo há anos
E detesse as maiores histórias de vida
No seu entusiasmado discurso
Caíssem cascas de ferida
Nem parece que em um certo dia já sangramos
E mamãe nos ofereceu
O picolé de fruta
Mas fizemos birra e preferimos o algodão
Por parecer cair do céu.
Assim que aparecer qualquer sinal, corro
Como se avistasse meu final
De diferentes cores
E tudo brilha e é tão lindo
Parece algodão-doce no parque, aos domingos
A gente nem gosta mesmo
Mas é tão bonito
Que ninguém se atreve a não comprar de vez em quando
Como se o vendedor fosse amigo há anos
E detesse as maiores histórias de vida
No seu entusiasmado discurso
Caíssem cascas de ferida
Nem parece que em um certo dia já sangramos
E mamãe nos ofereceu
O picolé de fruta
Mas fizemos birra e preferimos o algodão
Por parecer cair do céu.
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
Chamada em espera
É uma sede muito grande enquanto toca o telefone, apesar de ser mais importante o fato de pairar na sala a vaga ideia de quem poderá ser no outro lado da linha. Súplicas de vontade para que seja engano. Oba, parou de tocar. É daqueles momentos em que o sentimento de eternidade se apossa de braços e pernas nos fazendo desejar que todos os carros parem, junto com todas as pessoas, se possível o planeta também. Tudo estático para que nosso movimento pareça algo grande. E o telefone soe a coisa mais distante do mundo, visto que parece tão desgastante isso de alguém requerer nossa presença. A máquina berra e a gente correndo para atendê-la.
O mundo vez em quando me soa algo muito do pessimista. A professora diz que jornalista tem que amar a realidade. Quem não ama, escreve ficção, e quem escreve ficção não tem que fazer Jornalismo. Opa, reitera. Pode fazer Jornalismo, mas não é pra escrever ficção e fugir da realidade. Como se fosse uma droga? penso. Querida ela. Na verdade não. Estou sendo falso? Ou melhor, pensei agora que é uma coisa muito engraçada quando uma pessoa acusa alguém de falso. Porque a boa educação preza para que sempre cumprimentemos, sorriamos e sejamos simpáticos com quem quer que seja. E fulano não gosta de mim mas fica me dando oi. Então é para ser o quê? Assim me parece que a acusação de falsidade tem mais a ver com um leve rancor dado que o suposto falso não gosta daquele que o acusa. Então se tenta desestruturar aquele que pode não gostar de mim, implicando em mostrar que ele não é qualificado o bastante para que relevem sua opinião a meu respeito.
Ou seja. A vida é uma coisa muito da pessimista. Lembro que o telefone toca, já estou de pernas pra cima do sofá mas me dá vontade de derreter como se me transformasse em um banho. Sabe o banho? que escorre pelo ralo. O dia às vezes não é tão ruim, que chega a nos dar vontade de apenas escorrer da rua até a nossa cama? Nesses momentos, penso que a gente quer ser banho. Toda a sujeira e as lembranças ruins escorrendo pelo box. Enquanto isso o telefone toca. Só que ninguém tem vontade de atender. Estou sozinho em casa, há mais de seis meses.
O mundo vez em quando me soa algo muito do pessimista. A professora diz que jornalista tem que amar a realidade. Quem não ama, escreve ficção, e quem escreve ficção não tem que fazer Jornalismo. Opa, reitera. Pode fazer Jornalismo, mas não é pra escrever ficção e fugir da realidade. Como se fosse uma droga? penso. Querida ela. Na verdade não. Estou sendo falso? Ou melhor, pensei agora que é uma coisa muito engraçada quando uma pessoa acusa alguém de falso. Porque a boa educação preza para que sempre cumprimentemos, sorriamos e sejamos simpáticos com quem quer que seja. E fulano não gosta de mim mas fica me dando oi. Então é para ser o quê? Assim me parece que a acusação de falsidade tem mais a ver com um leve rancor dado que o suposto falso não gosta daquele que o acusa. Então se tenta desestruturar aquele que pode não gostar de mim, implicando em mostrar que ele não é qualificado o bastante para que relevem sua opinião a meu respeito.
Ou seja. A vida é uma coisa muito da pessimista. Lembro que o telefone toca, já estou de pernas pra cima do sofá mas me dá vontade de derreter como se me transformasse em um banho. Sabe o banho? que escorre pelo ralo. O dia às vezes não é tão ruim, que chega a nos dar vontade de apenas escorrer da rua até a nossa cama? Nesses momentos, penso que a gente quer ser banho. Toda a sujeira e as lembranças ruins escorrendo pelo box. Enquanto isso o telefone toca. Só que ninguém tem vontade de atender. Estou sozinho em casa, há mais de seis meses.
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Uns dias atrás, eu almoçava em um restaurante até que uma mulher sentou na mesa ao lado e pediu uma água com gás. Passaram dois minutos e veio o garçom. Abriu a garrafinha, colocou o copo de vidro na mesa, encheu-o até a metade e saiu. A mulher ficou parada, com os dedos na borda do copo, mexendo e olhando pros lados, sem prestar muita atenção. O gás da água subia em várias bolhas pequenas, devagarzinho iam à superfície; a mulher, sempre mexendo a borda como se posasse para uma fotografia.
A cena não tinha nada de especial, não. Mas gravei em mim as bolhas que subiam na água do copo, enquanto a mulher nem percebia. Nos últimos tempos, parece que também estou sentado em algum lugar, esperando algo acontecer, sem saber como me portar. Daí peço uma garrafa de água e espero, faço nada, olho pra janela, apoio o cotovelo na mesa, o queixo na mão e fico brincando com o copo. É um estado de latência, como sentar no ônibus e desejar que nada mude nunca, a paisagem vai trocando e de vez em quando ajeitamos a bunda, desejando no fundo ficar até a eternidade com a cabeça apoiada na janela, pensando em coisas que inexistem e sentidos que fazem falta. Enquanto via o gás subindo no copo da mulher, percebi que ultimamente espero que suba para a superfície qualquer coisa que nem sei, porque é como se estivesse parado no tempo, com metade de mim afastada. É como um vazio. Só que não dói bom, porque não extraio nenhum sentido de tudo. E de que adianta vazios se não dá para tirar nada deles.
A cena não tinha nada de especial, não. Mas gravei em mim as bolhas que subiam na água do copo, enquanto a mulher nem percebia. Nos últimos tempos, parece que também estou sentado em algum lugar, esperando algo acontecer, sem saber como me portar. Daí peço uma garrafa de água e espero, faço nada, olho pra janela, apoio o cotovelo na mesa, o queixo na mão e fico brincando com o copo. É um estado de latência, como sentar no ônibus e desejar que nada mude nunca, a paisagem vai trocando e de vez em quando ajeitamos a bunda, desejando no fundo ficar até a eternidade com a cabeça apoiada na janela, pensando em coisas que inexistem e sentidos que fazem falta. Enquanto via o gás subindo no copo da mulher, percebi que ultimamente espero que suba para a superfície qualquer coisa que nem sei, porque é como se estivesse parado no tempo, com metade de mim afastada. É como um vazio. Só que não dói bom, porque não extraio nenhum sentido de tudo. E de que adianta vazios se não dá para tirar nada deles.
teus olhos nos meus olhos
nos meus olhos bizarros
uma dose cavalar de melancolia
uma alegria que deus sabe
meu bem tudo é água
tudo é cavalo
hoje estou preso à figura da liberdade
juro que me dá vontade de correr eternamente por um campo
como se fosse entrar em vales sem penhascos nem tanto
e só me restassem dores de inanição
da fome de ti
e de andar sobre duas patas
de um cérebro racional
no final sendo eu a dar a volta em mim mesmo
como um bom domador agradável
que finge trazer paz ao campo.
nos meus olhos bizarros
uma dose cavalar de melancolia
uma alegria que deus sabe
meu bem tudo é água
tudo é cavalo
hoje estou preso à figura da liberdade
juro que me dá vontade de correr eternamente por um campo
como se fosse entrar em vales sem penhascos nem tanto
e só me restassem dores de inanição
da fome de ti
e de andar sobre duas patas
de um cérebro racional
no final sendo eu a dar a volta em mim mesmo
como um bom domador agradável
que finge trazer paz ao campo.
sábado, 3 de setembro de 2011
quinta-feira, 1 de setembro de 2011
pedaços.
os meus amores que tanto temo
estarem morrendo de medo
andando por esquinas tortas
e traindo o corpo em camas imundas
me fazem querer mais do que qualquer coisa
saber ao certo minhas tristezas e feridas
até porque quando uma parte está em cada lugar
o todo nunca sabe a hora certa de chorar...
estarem morrendo de medo
andando por esquinas tortas
e traindo o corpo em camas imundas
me fazem querer mais do que qualquer coisa
saber ao certo minhas tristezas e feridas
até porque quando uma parte está em cada lugar
o todo nunca sabe a hora certa de chorar...
quarta-feira, 31 de agosto de 2011
domingo, 28 de agosto de 2011
Deriva
Você fala. Pega a palavra. Quando a molda, insere um sentido dentro dela. Quando não fala, não enquadra nada. O que ocorre é que todo enquadramento implica em uma perda de sentido, tendo em vista que tudo é múltiplo e formado por diversos prismas - causados por diversas apreensões de realidade.
O que quero é que me fale do silêncio. Porque aquilo que se fala se doma. O que não fala, imagina. Imaginar é falar sem ter limites.
Eu quero que a palavra se esqueça. E que a mim se ofereça. Estou num estado muito do libertário, pois não consigo escrever nada. Como quando se tem uma grande vontade de usar uma roupa nova, mas, apesar de tirá-la do armário, vem um desânimo forte e precisamos guardá-la de novo.
Desejo muito que, por oferta de algum vento, venha até mim o ar da palavra. Pra que assim eu consiga organizar algo que possa me ajudar, visto que escrever me ajuda a entender as coisas. Como a psicanálise. Me acalma. No momento estou perdido nos mares que estão dentro de mim. Tem como entender? É parecido com aquela situação de estar boiando no mar e fechar os olhos. Quando a gente os abre, estamos bem longe de onde supúnhamos estar. O que ocorre é que quando fecho os olhos, me vejo em um lugar tão longe que nem sei onde é. Daí, me falta a palavra. Depois de averiguar sua ausência, entristeço. É a palavra que me ajuda a sobreviver nas minhas águas. Hoje não escrevo por motivos distintos dos de antes.
Assim os dias passam. O tempo passa por mim. Navego não sei. Deriva.
(queria terminar com um verso bonito. mas me falta o ar, então silencio)
O que quero é que me fale do silêncio. Porque aquilo que se fala se doma. O que não fala, imagina. Imaginar é falar sem ter limites.
Eu quero que a palavra se esqueça. E que a mim se ofereça. Estou num estado muito do libertário, pois não consigo escrever nada. Como quando se tem uma grande vontade de usar uma roupa nova, mas, apesar de tirá-la do armário, vem um desânimo forte e precisamos guardá-la de novo.
Desejo muito que, por oferta de algum vento, venha até mim o ar da palavra. Pra que assim eu consiga organizar algo que possa me ajudar, visto que escrever me ajuda a entender as coisas. Como a psicanálise. Me acalma. No momento estou perdido nos mares que estão dentro de mim. Tem como entender? É parecido com aquela situação de estar boiando no mar e fechar os olhos. Quando a gente os abre, estamos bem longe de onde supúnhamos estar. O que ocorre é que quando fecho os olhos, me vejo em um lugar tão longe que nem sei onde é. Daí, me falta a palavra. Depois de averiguar sua ausência, entristeço. É a palavra que me ajuda a sobreviver nas minhas águas. Hoje não escrevo por motivos distintos dos de antes.
Assim os dias passam. O tempo passa por mim. Navego não sei. Deriva.
(queria terminar com um verso bonito. mas me falta o ar, então silencio)
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
Estética
Um sorriso um sorriso é um sorriso um belo riso eu digo rio eu digo um rio e um sorriso um belo rio é um sorriso um belo riso eu digo isso e rimo um belo riso é sempre um belo piso de um sorriso eu vejo e rio. e me banho. e sorrio um belo rio. entre meus dentes um rio que eu lhe digo um belo riso entre teus dentes e eu me banho no teu riso um belo riso que sorri e eu sorrio somos dois sorrisos se banhando que beleza no teu riso um belo rio e eu te vejo e tu me vês e nós sorrimos.
um belo riso um riso belo um belo riso um riso belo um riso belo belo riso um belo riso um riso belo um belo riso um riso belo um belo riso um belo riso um riso belo um belo riso um riso belo um riso belo belo riso um belo riso um riso belo um belo riso um riso belo um belo riso um belo riso um riso belo um belo riso um riso belo um riso belo belo riso um belo riso um riso belo um belo riso um riso belo um belo riso...
um belo riso um riso belo um belo riso um riso belo um riso belo belo riso um belo riso um riso belo um belo riso um riso belo um belo riso um belo riso um riso belo um belo riso um riso belo um riso belo belo riso um belo riso um riso belo um belo riso um riso belo um belo riso um belo riso um riso belo um belo riso um riso belo um riso belo belo riso um belo riso um riso belo um belo riso um riso belo um belo riso...
domingo, 21 de agosto de 2011
Água
fiz um desenho que aguou
era uma nuvem branca bem no meio do papel
parece que choveu
porque afinou como se houvessem espremido
até que gotejasse em chuva
dado as pancadas que formaram minhas fronteiras.
(pesssoas são feitas mais de vazio
do que matéria
no silêncio cavocando rios sem beiras
à procura de uma luz no fim da história)
a palavra nuvem é uma palavra voo
palavra do vento, palavra esvoaçante
cujo falar nos faz deitar em breve paz
como no colo da mãe.
palavras são esponjas
absorvendo os sentidos que os homens dão
às coisas
e depois esfregamos na janela
para ver melhor o outro lado.
era uma nuvem branca bem no meio do papel
parece que choveu
porque afinou como se houvessem espremido
até que gotejasse em chuva
dado as pancadas que formaram minhas fronteiras.
(pesssoas são feitas mais de vazio
do que matéria
no silêncio cavocando rios sem beiras
à procura de uma luz no fim da história)
a palavra nuvem é uma palavra voo
palavra do vento, palavra esvoaçante
cujo falar nos faz deitar em breve paz
como no colo da mãe.
palavras são esponjas
absorvendo os sentidos que os homens dão
às coisas
e depois esfregamos na janela
para ver melhor o outro lado.
quinta-feira, 18 de agosto de 2011
Existe o sim e o não. Todo o resto, não. Ou uma proposição é afirmativa, ou é negativa. Impossível ser as duas. Impossível não ser uma. Ou se fala a verdade ou se mente. Nega-se ou afirma-se. Uma pergunta é sempre afirmativa ou negativa, visto que seu sentido é preenchido por traços da realidade - reais ou não. Verdadeiros ou falsos. Se se mente um pouco, se mente por completo. Fora do sim e do não é outra realidade.
Para falar bem é preciso saber mentir bem.
Para falar em total verdade, é preciso ter pouca vivência. Não viver muito.
Ser um bebê é a sinceridade em forma de humano.
Quanto mais se vive, menos se sabe da verdade.
Mais se mente.
Mais se sente.
E chora.
Para falar bem é preciso saber mentir bem.
Para falar em total verdade, é preciso ter pouca vivência. Não viver muito.
Ser um bebê é a sinceridade em forma de humano.
Quanto mais se vive, menos se sabe da verdade.
Mais se mente.
Mais se sente.
E chora.
terça-feira, 16 de agosto de 2011
A verdade
Em verdade estou alegre como nunca
Salutemos todas as bondades da vida
Incluindo a merda de cachorro em que pisamos
Até porque depois das tempestades e bonanças
Tudo que é mandado por deus é de sorte maior
Chuvas saciam viventes
E enchentes aliviam nossa sede
Esta sede por desejo de vida
Que incrivelmente move a nossa história
Riam comigo, meus caros!
Hoje não preciso fazer poesia:
Escrevo-a no meu dia a dia.
sábado, 13 de agosto de 2011
Segunda crônica do soldado da lembrança
Uma vez, quando muito pequeno, minha mãe levou eu e meu irmão para uma reunião da escola, à noite. A dele era seguida da minha. Levou-nos sozinha, visto que meu pai naquela noite precisava comparecer em um jantar de negócios. Fomos os três - meu irmão apenas um ano a mais do que eu.
Voltávamos a pé. Era verão, daqueles em que mesmo após o sol ir embora, anda-se e sua-se. Com o alívio vindo vez em quando, arrastado com a brisa que parece nos fazer mais leves e o sereno que parece dar mais força.
Ao chegarmos na quadra de nosso prédio, vimos que toda ela estava sem luz. Meu pai ainda não chegara, tendo em vista a hora, e não havia celulares à época por um preço razoável para nós. Mãe, eu disse, a gente vai ir mesmo assim? Não é perigoso? Por dentro eu estava tomado de emoção, como se finalmente estivesse vivendo uma situação perigosa parecida com os desenhos que adorava assistir. Como se minha vida corresse um real perigo, cuja salvação só se daria por meio de um teste de bravura. Ela disse que sim, de qualquer maneira. E fomos.
Eu de um lado, meu irmão do outro. Ele aparentava não estar com nenhuma sombra de medo. Acho que pretendia ser bravo, como supostamente devem ser os irmãos mais velhos. E, na ausência de nosso pai, seria o responsável pela segurança da mãe e do irmão caçula. De qualquer forma, éramos duas crianças e uma mulher sem armas, pensei. Ledo engano. Mais tarde descobri que uma mulher defendendo seus filhos é das coisas mais perigosas que há por aí.
Mas enfim. Descemos a quadra a passos largos. Chegamos no prédio. Para a confirmação de nossos receios, o prédio também estava sem luz. Caiu sobre todos a névoa do medo. Pouco menos de um mês antes, o zelador encontrara, de manhã cedo, um mendigo dormindo no quarto onde colocava-se o lixo. Era uma espécie de depósito, encontrado no meio do corredor em todos os andares, onde jogávamos a sacola de lixo em um buraco, cuja conexão com uma lixeira gigantesca, no térreo, dava-se por um sistema de tubos largos. Após todos saberem do caso, instalou-se nos condôminos o receiro de ir ao quarto do lixo - como chamavam o recinto as crianças do prédio. Minha mãe passou a não nos deixar irmos sozinhos lá, com medo de darmos de cara com um homem barbudo e sujo. Mais tarde, o lugar viraria o elevador do prédio.
Como a novidade tecnológica viria só meses mais tarde, precisávamos subir ao 6º andar com o risco de dar de cara com um mendigo. Uma mulher de 40 e duas crianças. Subimos de mãos dadas, minha mãe um passo à frente. Lá pelas tantas, confessei que tinha muito medo e que queria voltar.
- Não precisa ter medo, filho - ela apertou mais forte minha mão. - Não vai acontecer nada, eu estou aqui. De alguma forma, avistei, na escuridão, o sorriso dela em minha direção. Mais provável é que o tenha sentido, pois que imediatamente fiquei mais calmo.
Chegamos em casa sãos e salvos. Muitos anos mais tarde, minha mãe revelou que nunca teve tanto medo na vida. Só que, no momento em que eu disse que temia, era sua obrigação me tranquilizar. "Se uma mãe mostra que tem medo, o que sobra pro filho?", falou.
Hoje tive que trocar as fraldas dela. Minha mãe não se lembra dessa história, ocorrida décadas atrás. Muito menos que disse que eu não precisava ter medo. Enquanto coloco ela na cama e vejo as feridas causadas por uma doença terrível, em nada a ver com Alzheimer, e temo pela morte dela, digo para mim mesmo: não precisa ter medo, não precisa ter medo...
quinta-feira, 11 de agosto de 2011
Primeira crônica do soldado da lembrança
Começa uma história formada por alguns capítulos. Este é o primeiro. Não tenho
a menor ideia de quantos vão haver. Se a sorte estiver do meu lado,
consigo escrever os próximos. Por enquanto, tudo é uma nuvem e um nada.
Tudo é ficção. "Tudo é dançável".
Dei a comida na boca. Coloquei um pano de prato ao redor de seu pescoço, cobrindo até em cima do queixo. Assim evitava que caísse algo na pele. Eu vestia um pijama limpo, visto que ela não permitia que sentassem na cama com roupas de rua - a maneira como chamava qualquer peça usada fora de casa. Depois da porta, dizia, tudo é cheio de energia incontrolável, dessas que a gente não sabe de onde vem. A cama é sagrada, só senta nela em quem a gente confia pra passar a noite.
Com o passar dos anos, parou de falar da rua. Entretanto, conservou o medo que secretamente tinha dela. E, por consequência, manteve o engraçado hábito de averiguar se estávamos de pijama. Com a repetição da vigilância, nem esperávamos que ela indagasse: rapidamente púnhamos logo a roupa. Ela, na outra via, perguntava sempre. Vez em quando esquecia que a recém perguntara, e novamente repetia a questão. Ontem, ao mesmo tempo em que eu dava sopa em sua boca, seguidamente ela olhava para meu corpo. Dado que estava muito fraca, às vezes se contentava em passar a mão pelo tecido a fim de investigar a grossura do pano. Ficava uma meia-hora sem pensar no assunto, mas em seguida já perguntava de novo.
Minha mãe tem Alzheimer e a maior coleção de pijamas que já vi na vida. Um armário inteiro só para peças de dormir. Ironicamente, grande parte da vida teve insônia.
Ontem, dei comida na boca dela. Como se fosse criança, e eu conhecesse toda a sua vida. Pela primeira vez, fingi que podia tomar conta. Tudo uma mentira, evidentemente. Só tomamos conta de quem se permite ser tomado. Às vezes, choro pelo fato de não poder mais mentir junto com ela.
segunda-feira, 8 de agosto de 2011
Linguagem
Sabe aquela frase mais do que clichê, o silêncio fala e blablablá? Então. Às vezes eu queria que ele realmente falasse, pra poupar o esforço de tentar traduzir sensações em linguagem. Porque o mundo todo se resume a sensações. A respostas em frente a uma causa, esta que inicia uma cadeia de experiências particulares em um indivíduo. Existe a sensação de ter caminhado, a sensação de ter amado e a sensação de ter assistido a um filme. Daí falamos e tentamos reunir os aspectos mais importantes da experiência em palavras.
Toda fala é uma perda. Toda perda é uma tristeza para o homem. Viver é uma coisa masoquista.
Toda fala é uma perda. Toda perda é uma tristeza para o homem. Viver é uma coisa masoquista.
sexta-feira, 5 de agosto de 2011
Carta para alguém bem perto - Fernanda Young
Não pode ser. Não pode ser assim. Estar desta forma, existir. Por quê? Será que todo mundo sente isso? Essa esquisitice enquanto respira? Todo mundo pensa enquanto respira? Pensa em cada bocado de oxigênio que entra e que sai, depois, já estragado, já gás carbônico? Eles sentem assim, da maneira que eu sinto? Gostaria de saber se as pessoas ficam pensando sobre o ar ou se apenas o respiram, de forma simples e vital. Queria saber se é mais agradável ser outra pessoa. Se é bom sentir-se outro. Num corpo mais gordo - será mais macio existir dentro de 90 quilos? O gosto da boca, a sensação de estar vivo, seria diferente? Porque há um sabor de vida dentro da cavidade bucal. Há micro-organismos vivos por todos os cantos da gente. Alguém aí sente isso? Como eu sinto, desde menina, cócegas estranhas, que me inquietam e agoniam, por causa desses seres viventes, que têm funções biológicas que nunca entendi. Quantas bactérias carrego comigo? Por que, afinal, essa complexidade toda? Essa chatice indagativa existencial? Por que não sou uma burra? Por que eu não sou uma mesa? Simples como uma mesa. Óbvia como uma mesa. Prática. Aceitável. Necessária.
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
Unhas
Deve manter as unhas sempre bem aparadas. A questão não é evitar arranhar o outro no descontrole da selvageria. A gente mostra que gosta nas pequenas coisas. Quando coloca a melhor roupa que tem ao marcar um encontro. Ou ao passar fio dental e fazer bochecho. E ao cortar as unhas. Ninguém repara nas nossas unhas, senão aquela pessoa que nos dá as mãos. Aquela que fica quieta e a gente não se importa. Quando pega o ônibus junto e ficam os dois olhando pra janela, sem querer quebrar com o devaneio do outro.
A gente mostra que gosta também quando devaneia junto. E fica falando bobagem sem se importar em parecer ridículo. Até porque de palhaço todos temos um pouco. E manias de estardalhaços. Dá trabalho esconder os hábitos imaturos e que dão vergonha. Mas pra quem a gente mantém as unhas sempre aparadas, dá gosto passar vergonha. A boa felicidade é aquela acompanhada da boa vergonha. Ninguém sente algo verdadeiro se não expõe as verdades omitidas. Despir-se é um ato de autoaceitação. Apesar de o corpo aparentar trazer mais vergonha, é a nudez da alma que mais comove. Vai de cada um saber qual é a nudez mais adequada.
Por via das dúvidas, mantenha as unhas sempre bem aparadas.
A gente mostra que gosta também quando devaneia junto. E fica falando bobagem sem se importar em parecer ridículo. Até porque de palhaço todos temos um pouco. E manias de estardalhaços. Dá trabalho esconder os hábitos imaturos e que dão vergonha. Mas pra quem a gente mantém as unhas sempre aparadas, dá gosto passar vergonha. A boa felicidade é aquela acompanhada da boa vergonha. Ninguém sente algo verdadeiro se não expõe as verdades omitidas. Despir-se é um ato de autoaceitação. Apesar de o corpo aparentar trazer mais vergonha, é a nudez da alma que mais comove. Vai de cada um saber qual é a nudez mais adequada.
Por via das dúvidas, mantenha as unhas sempre bem aparadas.
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
Sensação térmica de 4 graus em Porto Alegre
Queria mais do que nunca que a voz da maturidade falasse sobre mim. Que um verborrágico (adoro essa palavra) fluxo de consciência viesse - como se usando uma droga -, enviado por um Eu do futuro. Desatando descobertas sobre mim.
É egoísmo, mas me interessa mais saber se, daqui a 20 anos, estarei fazendo algo que preste, do que saber se os Estados Unidos serão uma potência mundial. Ou as calotas polares. Quem quer saber das calotas polares do futuro. A gente é tudo imediatista mesmo. Fala que se preocupa - e no fundo se preocupa mesmo - com o meioambiente. Mas chega amanhã e nos aliviamos ao conseguirmos ir de carro para algum lugar, em vez de pegar ônibus. Vem o inverno e tudo o que queremos é uma estufa no banho. Dane-se o consumo elétrico, as termoelétricas do Brasil e a camada de ozônio. Mas tem coisa pior do que se pelar antes de entrar no chuveiro? Deus é muito mau por não inventar uma nuvem de calor no banheiro. Pior é sair da água quente e ter que se vestir.
Não entendo pessoas que saem peladas no banheiro. Digo, aquelas que saem sozinhas. Por que tomar banho sozinho e se vestir no quarto é o cúmulo. Tomar banho no frio é o cúmulo. Quero saber se no futuro eu vou tomar banho no frio. Se vai ter frio. Onde eu vou sentir adormecer. Com quem eu vou adormecer? Vou perder parte da minha insistência?
Eu quero desesperadamente um fluxo de consciência.
É egoísmo, mas me interessa mais saber se, daqui a 20 anos, estarei fazendo algo que preste, do que saber se os Estados Unidos serão uma potência mundial. Ou as calotas polares. Quem quer saber das calotas polares do futuro. A gente é tudo imediatista mesmo. Fala que se preocupa - e no fundo se preocupa mesmo - com o meioambiente. Mas chega amanhã e nos aliviamos ao conseguirmos ir de carro para algum lugar, em vez de pegar ônibus. Vem o inverno e tudo o que queremos é uma estufa no banho. Dane-se o consumo elétrico, as termoelétricas do Brasil e a camada de ozônio. Mas tem coisa pior do que se pelar antes de entrar no chuveiro? Deus é muito mau por não inventar uma nuvem de calor no banheiro. Pior é sair da água quente e ter que se vestir.
Não entendo pessoas que saem peladas no banheiro. Digo, aquelas que saem sozinhas. Por que tomar banho sozinho e se vestir no quarto é o cúmulo. Tomar banho no frio é o cúmulo. Quero saber se no futuro eu vou tomar banho no frio. Se vai ter frio. Onde eu vou sentir adormecer. Com quem eu vou adormecer? Vou perder parte da minha insistência?
Eu quero desesperadamente um fluxo de consciência.
segunda-feira, 1 de agosto de 2011
sábado, 30 de julho de 2011
Membro-fantasma
Hoje eu quis muito fumar um cigarro. Certos movimentos quase são atrelados a certas ações. Por exemplo: sentar perto da janela para olhar a chuva e pensar em quantas pessoas podem estar fazendo o mesmo. E como é a chuva em outro lugar. Quantas pessoas chorando, misturando lágrimas da terra com lágrimas do céu. Quantos céus são precisos para atender a todos os pedidos? Quantos pedidos pedindo mais chuva.
Tudo isso parece exigir algo para aproximar e afastar da boca. Daí se pega uma caneta e morde. Mas faz falta uma fumacinha para expirar e se misturar àquele sentimento que a gente tem ao olhar as gotas caírem. Existe alguma palavra para essa sensação?
(A língua portuguesa nos falha quando não nos apresenta uma palavra para certos sentimentos. Existe um substantivo para dizer quando se quer morrer? Ou quando se quer matar, além de "vontade de".)
Faz falta o cigarro. Como se eu fumasse há anos e precisasse da muleta. Só que eu não gosto do cheiro, tampouco do gosto. Além disso, faz mal. Tipo maionese, que dá câncer. Ou catchup. Ketchup (Julgar alguém pela maneira como fala; se diz "bandeidi" ou "bandaidi"). Mas cigarro eu sei que vicia e ainda dá um puta gasto. Então não tem por que começar a fumar, ainda que dê vontade.
E café. Você sente o cheiro e dá uma vontade louca de tomar um. O ruim é que não gosto. Acho um pouco triste o fato de o cheiro ser melhor do que o sabor. Parece que estou sendo enganado.
Café nos passa a perna. Parece ser melhor do que é, mas não. Como aquelas pessoas que são muito bonitas, porém não nos agradam. De longe nos chamando a atenção, mas quando a gente chega mais perto e prova, sai decepcionado.
Tudo isso parece exigir algo para aproximar e afastar da boca. Daí se pega uma caneta e morde. Mas faz falta uma fumacinha para expirar e se misturar àquele sentimento que a gente tem ao olhar as gotas caírem. Existe alguma palavra para essa sensação?
(A língua portuguesa nos falha quando não nos apresenta uma palavra para certos sentimentos. Existe um substantivo para dizer quando se quer morrer? Ou quando se quer matar, além de "vontade de".)
Faz falta o cigarro. Como se eu fumasse há anos e precisasse da muleta. Só que eu não gosto do cheiro, tampouco do gosto. Além disso, faz mal. Tipo maionese, que dá câncer. Ou catchup. Ketchup (Julgar alguém pela maneira como fala; se diz "bandeidi" ou "bandaidi"). Mas cigarro eu sei que vicia e ainda dá um puta gasto. Então não tem por que começar a fumar, ainda que dê vontade.
E café. Você sente o cheiro e dá uma vontade louca de tomar um. O ruim é que não gosto. Acho um pouco triste o fato de o cheiro ser melhor do que o sabor. Parece que estou sendo enganado.
Café nos passa a perna. Parece ser melhor do que é, mas não. Como aquelas pessoas que são muito bonitas, porém não nos agradam. De longe nos chamando a atenção, mas quando a gente chega mais perto e prova, sai decepcionado.
quinta-feira, 28 de julho de 2011
Sobre cadeias
Estação Carandiru, Drauzio Varella
É universal o ódio aos estupradores. Os ladrões aceitam tudo: agressão física, estelionato, exploração do lenocídio e assassinatos torpes - menos o estupro. A ojeriza a este crime é compartilhada pelos próprios funcionários e pela sociedade em geral.
(...) Gilson, um representante de vendas de trinta anos, deu carona no fusca para uma estudante de quinze e fez de tudo para levá-la ao motel. Quando se convenceu de que ela não iria, puxou o revólver e não adiantou dizer que era virgem, nada. Com a menina na mira, dirigiu para um lugar ermo e a estuprou.
(...) Acordou com um balde de água suja no rosto. Estava amarrado às grades da cela.
- Me fizeram segurar uma lâmpada na mão e encostaram um fio descascado na grade. A água que jogaram era para conduzir melhor a corrente. Choque de 220. Só desligavam quando a luz acendia na minha mão. Dava um tranco horrível no corpo, a língua enrolava, depois aquele clarão da lâmpada. Achei que ia morrer. Só pedi a Deus que fosse logo.
Quando se cansaram da brincadeira, o vendedor desabou semiconsciente, cheio de sangue e com o rosto deformado. Nessa hora, urinaram em cima dele.
Aí o Barriga, um ladrão que tinha sido preso entalado na claraboia do forro de uma casa na qual esperava encontrar uma fortuna em joias contrabandeadas, abaixou-lhe as calças:
- Agora vai sentir que nem a mina que você estuprou!
(...) Num ambiente em que o assassino de um pai de família indefeso merece respeito, pode parecer desproporcional a aversão ao estuprador. Seu Lupércio, que se orgulha de nunca ter roubado, embora tenha passado a maior parte da vida na cadeira por causa da maconha, e que anos atrás, no Oito, viu um branquelo, estuprador de meninas japonesas, ser empalado com cabo de vassoura introduzido à marreta, explica a filosofia:
- Não pode deixar essa gente frequentar o ambiente, porque aqui nós recebemos nossa esposa, a mãe e as irmãs. Quem cometeu uma pilantragem dessa, pode recair e faltar com o devido respeito. Eu sou contra a pena de morte no nosso país, mas sou a favor no caso de estupro.
sexta-feira, 22 de julho de 2011
500
eu queria dizer obrigado a todos...
Uma baboseira inadmissível!
subiu as escadas correndo, criatura linda,
cheia de colares e presilhas no cabelo,
era uma garota linda, linda
daquelas de cabelo curto,
mas não de maneira andrógena,
ela tinha ainda aquela feminilidade atraente
porém toda uma desenvoltura reverberando confiança,
não eram todos os homens que a reparavam
apenas aqueles dotados de um quê a mais
aquela luzinha distribuída vez em quando
que até o mais escuro dos olhares repousa a atenção
todo um chacoalhar lindo, lindo,
eu reparei nela desde a primeira vez em que a vi correndo
uma garota de cabelos curtos subindo as escadas
correndo para buscar alguma coisa,
acho que é busca, porque corre,
e por que alguém correria senão para buscar algo?
vontade de correr atrás dela,
dizer meu amor, não precisa ter pressa
eu te espero todas as terças, após o café da manhã,
um pouco antes de ir ao trabalho
e na labuta penso nos teus cachos,
e em como deves cortar a manteiga com a faca
será que fomos feitos um pro outro?
como me encantava sua aura
será que ela ri quando goza?
e goza das suas bobagens
e age contra a vontade
de que maneira posso iniciar um papo curto, mas que se torne longo,
e de repente falemos sobre aquelas coisas sem nexo de filmes intelectuais,
ela tem cachos, perfeita para ser a mocinha principal
meu cabelo é liso,
mas à revelia disso,
meu coração é enorme
e tenho pernas compridas para dar um passo longo,
caso caia da escada, bonequinha de luxo
câmera lenta em direção aos meus braços.
diz que me quer, diz que corre para mim...
quinta-feira, 21 de julho de 2011
Autorremissão
Hoje li nossos e-mails. Queria dizer, olha. Dói tanto. Desejaria que a soma das palavras resultasse em uma maior quantidade de amor que você tem por mim. Mas amor a gente nem conta, então não sei. Eu hoje cheguei à conclusão de que palavras não valem nada. Você me mandava textos cheios de afeto e cariño. Tinha especial predileção por aqueles com histórias de nós ao redor do mundo. Eram promessas, entretanto eu sabia serem apenas histórias, visto que tudo que é prometido não passa de amor ao que não existe.
Queria dizer, olha. Dói tanto. Descobri que palavras não valem nada. Você as usou e os sentidos aguaram. Você me usou e hoje leio seus e-mails em que você dizia que me adorava no reflexo da janela de manhãzinha, de preferência às nove. Tenho vontade de dizer a todos os seus íntimos que você não entende de língua portuguesa. Compreende o significado de janela? A palavra reflexo. Letras são bobas e queridas quando fazemos sons de bebê, porém ao se unirem em busca de um sentido correm o risco de serem manipuladas. Elas se vendem para que consigamos entendê-las. Você não foi afável com quem lhe ajudou.
Eu poderia ser teatral e dizer que só defendo as palavras a fim de esconder uma profunda ferida que chama a atenção para quem olha em direção ao meu peito, mas só consegue ver o outro lado, como se eu fosse um tronco de árvore onde habitasse um casal de passarinhos fugindo de um inverno rigoroso. Dentro de mim emanasse um pouco de calor, usado para aquecer um pingo de vida que voa por aí. Queria dizer, olha. Dói tanto. Inverna lá fora, mas ainda mais aqui dentro. A soma das letras não me diz do seu amor, contudo minhas palavras podem lhe dizer um pouco do meu gelo.
Fernando.
Queria dizer, olha. Dói tanto. Descobri que palavras não valem nada. Você as usou e os sentidos aguaram. Você me usou e hoje leio seus e-mails em que você dizia que me adorava no reflexo da janela de manhãzinha, de preferência às nove. Tenho vontade de dizer a todos os seus íntimos que você não entende de língua portuguesa. Compreende o significado de janela? A palavra reflexo. Letras são bobas e queridas quando fazemos sons de bebê, porém ao se unirem em busca de um sentido correm o risco de serem manipuladas. Elas se vendem para que consigamos entendê-las. Você não foi afável com quem lhe ajudou.
Eu poderia ser teatral e dizer que só defendo as palavras a fim de esconder uma profunda ferida que chama a atenção para quem olha em direção ao meu peito, mas só consegue ver o outro lado, como se eu fosse um tronco de árvore onde habitasse um casal de passarinhos fugindo de um inverno rigoroso. Dentro de mim emanasse um pouco de calor, usado para aquecer um pingo de vida que voa por aí. Queria dizer, olha. Dói tanto. Inverna lá fora, mas ainda mais aqui dentro. A soma das letras não me diz do seu amor, contudo minhas palavras podem lhe dizer um pouco do meu gelo.
Não o afeto, mas o inominável,
Fernando.
terça-feira, 19 de julho de 2011
Dores de jardim
Dores de jardim é meu 499º poema. Não escrevo há um bom tempo por medo de chegar ao número seguinte. Acho que é o temor de escrever algo ruim no número dos gêmeos idênticos. Acho que é bobagem...
Este é um poema sobre perda.
Não é muito terno, apesar do meu desejo.
Ele fala sobre esta dor que fura o meio do peito
Como faca
Que rasga a certeza de que o mundo é seguro
E nenhum dos nossos amigos vai sofrer nas mãos da Morte,
Cuja carruagem arrasta amargas faixas pretas pelo chão.
Nelas há um líquido cinza corrosivo
O odor impregna todo o ambiente por que passa
E resta aquela terrível aura pesada
Insistindo em pesar nos corações...
A nós, reles mortais, resta apenas abraçar-nos uns aos outros
Na esperança de não tombar tristemente
No chão da poça horripilante.
domingo, 17 de julho de 2011
Dormi
Eu fiquei o final de semana inteiro relendo Harry Potter 7 para assistir ao filme na semana que vem. Algo como ler das 9h à meia-noite, com algumas pausas, óbvio. A questão é que passei quase 32 horas sem focar a atenção em alguma coisa que se relacionasse a mim. Foi um final de semana que não vivi a vida de Marcel, visto que evitei saídas e declinei convites para ficar em casa e terminar o livro; foram dois dias em que tive mais acúmulo de recordações de um personagem fictício do que de mim mesmo. Talvez não efetivamente, pois um ser humano pensa em muitas coisas durante o dia e responde a milhares de estímulos. Entretanto, ao pensar no assunto, as lembranças mais marcantes que tenho são a viagem de Harry, Rony e Hermione pela Grã-Bretanha para achar Horcruxes e a batalha em Hogwarts.
A perspectiva de me anular em prol de uma ficção me assusta. Lembro agora que um amigo dormiu 22h e disse ser engraçado quando o dia não existe, porque o tempo fica mais engraçado ainda no momento em que o dia não foi uma experiência vivida.
Eu queria que as coisas fossem mais fáceis. Que nos exigíssemos menos, também.
A perspectiva de me anular em prol de uma ficção me assusta. Lembro agora que um amigo dormiu 22h e disse ser engraçado quando o dia não existe, porque o tempo fica mais engraçado ainda no momento em que o dia não foi uma experiência vivida.
Eu queria que as coisas fossem mais fáceis. Que nos exigíssemos menos, também.
sexta-feira, 15 de julho de 2011
Abduzi
Foi após saber de um suicídio...
Eu tive daqueles sonhos que é melhor não esquecer
Por isso o escrevo
Havia uma pessoa na beira da janela
Que queria pular, mas então pensava
Se a vida precisa ser tão madura com a gente
Que às vezes ainda está dentro do caule
E procura desesperadamente alguma figura de luz
A oferecer a mão e a esperança
De que um dia tudo pode acabar.
Então essa pessoa pulou
Lá do décimo primeiro andar
Rapidamente pediram que eu reconhecesse o corpo
Eu era um transeunte qualquer
Talvez figurativo, em meu próprio sonho
Vi que o corpo fora a pessoa mais importante de minha vida
E que minha vida estava deitada em uma poça de sangue
E que minha vida era nada mais do que uma poça de sangue
E que toda a minha vida rodou até chegar em sangue
Deveras um salto ironia
Num libertar que desinibiu as toneladas
Com um rosto todo desfigurado, ainda transparecendo um semblante de cariño
Mas apesar de tudo afastei-me em dois passos
E vomitei compulsivamente por angústia do mundo
A neve, o cavalinho e a fome
Verti de mim as compressas de mim mesmo
Um peso caiu do prédio
Outro jorrou da carne ao chão
Subi aos céus e resplandeci.
Eu tive daqueles sonhos que é melhor não esquecer
Por isso o escrevo
Havia uma pessoa na beira da janela
Que queria pular, mas então pensava
Se a vida precisa ser tão madura com a gente
Que às vezes ainda está dentro do caule
E procura desesperadamente alguma figura de luz
A oferecer a mão e a esperança
De que um dia tudo pode acabar.
Então essa pessoa pulou
Lá do décimo primeiro andar
Rapidamente pediram que eu reconhecesse o corpo
Eu era um transeunte qualquer
Talvez figurativo, em meu próprio sonho
Vi que o corpo fora a pessoa mais importante de minha vida
E que minha vida estava deitada em uma poça de sangue
E que minha vida era nada mais do que uma poça de sangue
E que toda a minha vida rodou até chegar em sangue
Deveras um salto ironia
Num libertar que desinibiu as toneladas
Com um rosto todo desfigurado, ainda transparecendo um semblante de cariño
Mas apesar de tudo afastei-me em dois passos
E vomitei compulsivamente por angústia do mundo
A neve, o cavalinho e a fome
Verti de mim as compressas de mim mesmo
Um peso caiu do prédio
Outro jorrou da carne ao chão
Subi aos céus e resplandeci.
quinta-feira, 14 de julho de 2011
É de uma tristeza averiguar que a soma das horas quase sempre provoca aquela sensação de desagrado. Talvez seja aquilo do ser humano de que sempre está insatisfeito, nunca está contente, sempre mais, mais, mais, algo que signifique nossa existência a princípio amarga. Inventamos o tempo para nos dar o prazer de olhar para trás a fim de ver o que passou: e para olhar a frente e ficar sem chão.
"Barcos podem flutuar sobre as águas.
Pessoas são embarcações sujeitas a afundamentos.
Pessoas são barcos que se confundem com as águas
Quando choram.
Mas pessoas gostam de viver no chão."
"Barcos podem flutuar sobre as águas.
Pessoas são embarcações sujeitas a afundamentos.
Pessoas são barcos que se confundem com as águas
Quando choram.
Mas pessoas gostam de viver no chão."
sábado, 9 de julho de 2011
Mentira
Nenhuma experiência é absorvida da mesma maneira no mundo, visto que um fenômeno é sempre apreendido por meio dos sentidos. Neste processo de captura, a mediação feita por nossa subjetividade sempre interfere no processo final de entendimento de um fato - isso se crermos em que todo o conhecimento só é válido se vivido factualmente, por meio do tato, olfato, paladar, audição ou visão. Poderíamos dizer que há processos extracorpóreos de vivência, mas passaríamos enfim a acrescentar a telepatia ou a projeção astral como métodos de adquirir experiência. Alias, por que não? Esperamos o surgimento de alguém que prove isso cientificamente...
De qualquer maneira, se a cada fenômeno é atribuído um sentido, e existem bilhões de pessoas, cada uma com uma história de vida formulando uma subjetividade, então há bilhões de sentidos espalhados pelo planeta. O que é difícil de entender é que a verdade é um consenso entre a população, visto que a realidade não pode ser inteiramente conhecida. Só que como formular um consenso se cada um absorve um fenômeno de cada maneira e, portanto, constrói a verdade de um jeitinho diferente? O mundo é uma bagunça? Fico um pouco perdido ao pensar que a realidade só seria um fim alcançado no momento em que todo o conhecimento do mundo estivesse evidente a todos, restando, assim, todas as noções de realidade disponíveis para se formular um conceito do que não é irreal. A verdade que temos das coisas nunca engloba todos os pontos de vista possíveis, então é sempre tendenciosa para algum lado. Ainda por falta de informação, corre o risco de ser uma mentira.
E se não pensarmos em tudo isso e nos contentarmos com a possibilidade de mentirmos o tempo todo? Pior ainda: conformar-se e gostar do que temos, achando que já é válido. Tenho imensa admiração por pessoas que procuram mudar o mundo porque, de alguma maneira, me dizem que no fundo sabem que o que temos é uma verdade deveras falsa. O presente nunca vai ser realidade, porque nascem várias pessoas trazendo consigo diversas apreensões do que é real. O real pertence ao futuro.
Todos vivemos em uma ficção.
Escrevo porque penso que isso me ajuda a fugir da mentira.
De qualquer maneira, se a cada fenômeno é atribuído um sentido, e existem bilhões de pessoas, cada uma com uma história de vida formulando uma subjetividade, então há bilhões de sentidos espalhados pelo planeta. O que é difícil de entender é que a verdade é um consenso entre a população, visto que a realidade não pode ser inteiramente conhecida. Só que como formular um consenso se cada um absorve um fenômeno de cada maneira e, portanto, constrói a verdade de um jeitinho diferente? O mundo é uma bagunça? Fico um pouco perdido ao pensar que a realidade só seria um fim alcançado no momento em que todo o conhecimento do mundo estivesse evidente a todos, restando, assim, todas as noções de realidade disponíveis para se formular um conceito do que não é irreal. A verdade que temos das coisas nunca engloba todos os pontos de vista possíveis, então é sempre tendenciosa para algum lado. Ainda por falta de informação, corre o risco de ser uma mentira.
E se não pensarmos em tudo isso e nos contentarmos com a possibilidade de mentirmos o tempo todo? Pior ainda: conformar-se e gostar do que temos, achando que já é válido. Tenho imensa admiração por pessoas que procuram mudar o mundo porque, de alguma maneira, me dizem que no fundo sabem que o que temos é uma verdade deveras falsa. O presente nunca vai ser realidade, porque nascem várias pessoas trazendo consigo diversas apreensões do que é real. O real pertence ao futuro.
Todos vivemos em uma ficção.
Escrevo porque penso que isso me ajuda a fugir da mentira.
sexta-feira, 1 de julho de 2011
Eternos jovens
Como se o mundo fosse um lago calmo em um inverno gelado... e os anos transcorressem de maneira sem surpresas. Mulheres amamentavam crianças e homens impunham-se medo. A única preocupação das mães eram as tormentas nas épocas marcadas há gerações conhecidas. Avós e avôs ensinavam, desde que as crianças era pequenas que, quando os peixes pulavam para fora da água, a tempestade vinha vento a vento.
Nestas épocas já escolhidas a dedo desde as eras mais esquecidas, as tribos organizavam-se em um ritual de preparação para a vinda da morte. Ainda nos primeiros passos da humanidade, instituiu-se que os mais velhos seriam sacrificados, a fim de mostrar aos deuses que a população cedia seus mais vastos conhecimentos em prol de uma vida pacata e segura. O hábito se assentou. Dado este costume deveras bizarro, todas as tribos do planeta ajuntaram sob o nome de "Os Eternos Jovens".
Os Eternos Jovens elegiam seu chefe pelo número de filhos. Quanto mais descendentes, melhor sua posição no grupo. O ritual de passagem para a vida adulta dos garotos ocorria na primeira lua cheia do décimo quarto inverno. Consistia basicamente em seduzir o maior número de mulheres e com elas procriar. Quem se deitasse com mais de sete jovens, estava apto a iniciar-se na longa escada em que se consistia o sistema de hierarquização. À época do rito, andava-se por vastos territórios e comumente se viam orgias em massa e bacanais do delírio. Tudo para assegurar a vida da espécie.
Os mais jovens dos Eternos Jovens questionavam-se em relação à tradição de sacrificar os mais velhos para os deuses. Alguns, porém muito poucos, sentiam o degringolar da humanidade passo a passo, tormenta a tormenta, como se em cada raio que insurgisse ao chão, um pensamento fosse excluído do inconsciente coletivo. Entretanto, por respeito aos idosos que morriam, todos se calavam, até mesmo por receio de eles mesmos serem sacrificados por deter ideias avançadas demais que os deuses quisessem cobrar.
De fato, os poucos habitantes que assim pensavam acertaram. Com o passar dos anos, a população dos Eternos Jovens passo a passo diminuiu, até chegar ao ponto de não haver mais idosos para serem sacrificados. Pela lógica, adultos detinham maior conhecimento do que os mais jovens, pois apesar de estes terem mais revolução, aqueles tinham mais seriedade. Nesta fase da tribo, corpos foram encontrados de mãos dadas nas colinas dos morros. Os filósofos explicavam: pais que se doaram aos deuses, sem comunicar à tribo, na esperança de assegurar a vida dos filhos.
Tanto os deuses exigiram que também os mais velhos dos Eternos Jovens não passavam de garotos e garotas cujo único objetivo era brincar. Entretanto, pela necessidade de se fazer viver, amadureciam de maneira que caçavam e cosiam vestes para guerreiros. Ainda assim, por serem inexperientes e fracos, capturavam apenas animais de pequeno porte, como coelhos e aves. Nesta etapa, a maldição da tribo iniciou-se.
Na falta de avôs e avós que lhe explicassem do sentido dos peixes pulando para fora d'água, as crianças passaram a capturá-los como forma de alimento garantido. Muito mais fáceis de pegar, visto que apenas era preciso sentar em pedras nos lagos e riachos, os jovens assustaram os peixes que há eras ajudavam a humanidade. Com isso, os animais aquáticos, temendo o próprio fim da espécie, decidiram nunca mais sair das águas.
Os Eternos Jovens, detendo apenas a lembrança de que precisavam se sacrificar, mataram-se todos na primeira geada que o inverno trouxe. Este foi o fim da humanidade.
Nestas épocas já escolhidas a dedo desde as eras mais esquecidas, as tribos organizavam-se em um ritual de preparação para a vinda da morte. Ainda nos primeiros passos da humanidade, instituiu-se que os mais velhos seriam sacrificados, a fim de mostrar aos deuses que a população cedia seus mais vastos conhecimentos em prol de uma vida pacata e segura. O hábito se assentou. Dado este costume deveras bizarro, todas as tribos do planeta ajuntaram sob o nome de "Os Eternos Jovens".
Os Eternos Jovens elegiam seu chefe pelo número de filhos. Quanto mais descendentes, melhor sua posição no grupo. O ritual de passagem para a vida adulta dos garotos ocorria na primeira lua cheia do décimo quarto inverno. Consistia basicamente em seduzir o maior número de mulheres e com elas procriar. Quem se deitasse com mais de sete jovens, estava apto a iniciar-se na longa escada em que se consistia o sistema de hierarquização. À época do rito, andava-se por vastos territórios e comumente se viam orgias em massa e bacanais do delírio. Tudo para assegurar a vida da espécie.
Os mais jovens dos Eternos Jovens questionavam-se em relação à tradição de sacrificar os mais velhos para os deuses. Alguns, porém muito poucos, sentiam o degringolar da humanidade passo a passo, tormenta a tormenta, como se em cada raio que insurgisse ao chão, um pensamento fosse excluído do inconsciente coletivo. Entretanto, por respeito aos idosos que morriam, todos se calavam, até mesmo por receio de eles mesmos serem sacrificados por deter ideias avançadas demais que os deuses quisessem cobrar.
De fato, os poucos habitantes que assim pensavam acertaram. Com o passar dos anos, a população dos Eternos Jovens passo a passo diminuiu, até chegar ao ponto de não haver mais idosos para serem sacrificados. Pela lógica, adultos detinham maior conhecimento do que os mais jovens, pois apesar de estes terem mais revolução, aqueles tinham mais seriedade. Nesta fase da tribo, corpos foram encontrados de mãos dadas nas colinas dos morros. Os filósofos explicavam: pais que se doaram aos deuses, sem comunicar à tribo, na esperança de assegurar a vida dos filhos.
Tanto os deuses exigiram que também os mais velhos dos Eternos Jovens não passavam de garotos e garotas cujo único objetivo era brincar. Entretanto, pela necessidade de se fazer viver, amadureciam de maneira que caçavam e cosiam vestes para guerreiros. Ainda assim, por serem inexperientes e fracos, capturavam apenas animais de pequeno porte, como coelhos e aves. Nesta etapa, a maldição da tribo iniciou-se.
Na falta de avôs e avós que lhe explicassem do sentido dos peixes pulando para fora d'água, as crianças passaram a capturá-los como forma de alimento garantido. Muito mais fáceis de pegar, visto que apenas era preciso sentar em pedras nos lagos e riachos, os jovens assustaram os peixes que há eras ajudavam a humanidade. Com isso, os animais aquáticos, temendo o próprio fim da espécie, decidiram nunca mais sair das águas.
Os Eternos Jovens, detendo apenas a lembrança de que precisavam se sacrificar, mataram-se todos na primeira geada que o inverno trouxe. Este foi o fim da humanidade.
domingo, 26 de junho de 2011
Ninguém sabe o que é amor
Quando mais novo, presenciava amigos e conhecidos relatarem sobre como amavam seus namorados e o quanto aquilo que sentiam era, sim, amor, não havia dúvidas, acho que é ele, diziam, é ela. À época, pensava comigo mesmo que o que alegavam ser não era de fato amor, pois que todos terminavam seus relacionamentos e iniciavam outro, trocavam de parceiros porém não mudavam de frase, "eu te amo", "nunca amei alguém assim na vida", numa cansada repetição amarelada. Amor não poderia ser tão bobo, era quase uma negação minha, relutando a crer que era tão efêmero quanto me pulava aos olhos. Acreditava que afirmavam amar pois não sabiam o que era amor - e por acaso alguém sabe? - e que, à procura de demonstrar ao parceiro o quanto lhe queriam bem, diziam a frase e acreditavam sentir aquilo que falavam.
Só que ninguém sabe o que é amor... Visto que você pode sentir algo que nunca sentiu antes, a sensação mais forte da vida, e dizer que ama. Depois o relacionamento acaba e você encontra outra pessoa que faça com que você sinta algo ainda mais forte, e ali você também falará de amor. Ninguém nunca saberá quando ama, porque no futuro é capaz de ser mais forte, assim até a morte; pode ser que não, talvez a próxima vez seja uma droga, ninguém precisa ser tão positivo, mas pode ser que na outra em seguida apareça algo ainda mais intenso.
Não que o agora seja ruim. Isso tudo se assemelha àquela sensação de quando o político que você queria que chegasse ao Poder não chega: você não fica feliz, mas ao menos resta esperar que ele faça um governo mais qualificado do que o do candidato que estava antes fazia. O próximo amor, e somente ele, detém a característica de ser impossível afirmar como será, pois é futuro, então entra aí a chance de ser algo maior.
"Agora" não tem tempo, já que faz parte do presente - e o presente não pode ser medido pelo tempo, porque, após a medição, é passado. Por sua vez, o segundo do depois já nem faz parte, pois não é matéria e por isso não adentra em nossa dimensão. O amor não faz parte do tempo porque é sempre agora.
(Aguardamos o futuro...)
sábado, 25 de junho de 2011
Prosa patética
Viviane Mosé
Nunca fui de ter inveja, mas de uns tempos pra cá tenho tido.
As mãos dadas dos amantes têm me tirado o sono.
Ontem desejei com toda força ser a moça do supermercado.
Aquela que fala do namorado com tanta ternura.
Mesmo das brigas ando tendo inveja.
Meu vizinho gritando com a mulher, na casa cheia de crianças,
sempre querendo, querendo.
Me disseram que a solidão é sina e é pra sempre.
Confesso que gosto do espaço que é ser sozinho.
Essa extensão, largura, páramo, planura, planície, região.
No entanto, a soma das horas acorda sempre a lembrança
do hálito quente do outro. A voz, o viço.
Hoje andei como louca, quis gritar com a solidão,
expulsar de mim essa nossa senhora ciumenta.
Madona sedenta de versos. Mas tive medo.
Medo de que a solidão ao sair
levasse a imensidão onde me deito.
Ausência de espelhos que dissolve a falta,
a fraqueza, a preguiça. E me faz vento,
pedra, desembocadura, abotoadura e silêncio.
Tive medo de perder o estado de verso e vácuo,
onde tudo é grave e único.
E me mantive quieta e muda.
E mais do que nunca tive inveja.
Invejei quem tem vida reta,
quem não é poeta nem pensa essas coisas.
Quem simplesmente ama e é amado.
E lê jornal domingo.
Come pudim de leite e doce de abóbora.
A mulher que engravida porque gosta de criança.
Pra mim tudo encerra a gravidade prolixa das palavras:
madrugada, mãe, ônibus, olhos, desabrocham
em camadas de sentido
e ressoam como gongos ou sinos de igreja em meus ouvidos.
Escorro entre palavras, como quem navega um barco
sem remo. Um fluxo de líquidos. Um côncavo silêncio.
Clarice diz que sua função é cuidar do mundo.
E eu, que não sou Clarice nem nada, fui mal forjada,
não tenho bons modos nem berço.
Escrevo num tempo onde tudo já foi
falado, cantado, escrito
o que o silêncio pode me dizer que já não tenha sido dito?
Eu, cuja única função é palavra suja,
nesse fim de século sem certeza?
Eu quero que a solidão me esqueça.
quinta-feira, 23 de junho de 2011
domingo, 12 de junho de 2011
Segunda receita para extrair poema
A alma precisa esta acalmada
Mesmo que haja certo estado de inquietação
Porque claro que o poeta quer revolução
Porém nada muito exagerado a acabar
Poetas necessitam estar de acordo com seu tempo
Caso contrário correm o risco de não serem ouvidos
Admitamos!
É de uma tristeza palavras sendo dissolvidas
Como se não houvesse uma escuta do outro lado da linha
E as tigresas estivessem todas quebrando a nossa louça
Por falar em prataria
É preciso lavar os pratos sujos
Senão o poema sai engordurado
Uma palavra banhosa tem o sentido todo melecado
E este tem que estar límpido
Porém com o jogo de palavras pode haver o pensamento dúbio
A dúvida é o melhor estado da palavra
Que polida é sempre cálida
Palavras podem andar de mãos dadas com fantasmas
Cujos panos podem ser claros ou estampados
Desde que haja certos tique de levitação
O poema tem que voar
A palavra não pode minguar
Ela precisa estar na boca do poeta
Precisa ficar e chorar na nossa mão
O poeta precisa saber agradar
E amolecer o estado da palavra
Tanta água não deve vazar o sentido
Sob risco de estragar o signo
É preciso correr o risco de se abrir enchentes
Ao fazer poema
Represas geralmente são fortes
Mas um dia podem vazar e, na sua comoção,
Causar grandes estragos na cidade.
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