terça-feira, 19 de abril de 2011

Primeira receita para extrair poema

Primeiro escalavrar a alma
Até vazar o choro retido
É preciso ter cuidado
Muito fio na faca afoga a alma em sangue
E ninguém gosta do verso aguado
Porém na medida certa e no momento certeiro
O sangue vez em quando é bom
Porque um vermelhinho é de um tom querido
Ainda mais quando vindo do peito

E por falar em peito
O amigo dali é sempre pertinente

Porém tem que ter o peito livre
E limpo
Peito sujo esconde a poesia
Que bela é sempre tímida
O bom verso não aparece na sujeira
Tudo deve estar às claras
Tudo bem resolvido
Mentira na cabeça é mentira-poema
E mentira-poema não é um poema
É só uma mentira
Usada pra fingir que faz dilema

Após o banho quente
Você perdoa
Não o seu maior inimigo
Porque inimigos são sempre assunto-poesia
O perdão se exige em si próprio
Como perdoar a si mesmo
Ou àquele erro cometido anos atrás...
O próprio perdão é poema
Senão pode virar tumor, como dizia Viviane
E Viviane é sábia
Acho que não tem tumores
Porque sabe escalavrar na hora certa.

É preciso o cuidado para não arranhar
E não verter a amargura antes do tempo
É preciso não ter tempo
Ao fazer poema.

O tempo é mentira do poema
Só pra se fazer em um sistema.

O doce do poema

3 comentários:

DBorges disse...

Não queria começar meu comentário falando do quanto você cresceu na escrita, mas é impossível não voltar a esse assunto. Principalmente porque te vi nascer, te li em suas primeiras linhas aqui, na época que o blog não era nem tão difundido, e isso não faz muito tempo.
És um escritor, Marcel, um excelente escritor, poeta e criador. Fiquei encantada desde a primeira estrofe até quando cita Mosé. Amei "é preciso não ter tempo ao fazer poema". Foi grande, foi gigante na criação deste poema.
Tão denso, qualificado, sensível, firme e bonito.

Ana Laura disse...

Realmente brilhante, não só em estrutura e verso...mas também no conteúdo cheio de idéias a serem degustadas sobre a poesia, sobre nós....sempre pensei: será que respiramos com poesia?
Movimento autonomo do corpo, da alma...uma sobrevivência para aqueles que habitam o mundo?

hulia says disse...

"Muito fio na faca afoga a alma em sangue
E ninguém gosta do verso aguado
Porém na medida certa e no momento certeiro
O sangue vez em quando é bom
Porque um vermelhinho é de um tom querido"

Só te digo uma coisa, eu tô chocada!
Genial, meu bem...