segunda-feira, 10 de março de 2014

são 23:47

São 23:47, da mesma forma como ontem e anteontem, e assim como também será amanhã. O relógio, apesar de influente, é limitado, porque se move sem sair do lugar. De ontem para hoje nós mudamos tanto: as unhas ficaram mais compridas, o cabelo cresceu alguns milímetros. Mas os ponteiros não percebem, pensam que tudo segue igual. Não se dão conta de que as cortinas da janelas esvoaçaram, que o par de tênis sujou de lama e que o almoço de hoje foi mais farto, porque era domingo

Como se levassem alguma pilha, algumas pessoas vivem como relógios. Podem se mover sem sair do lugar e passar anos com a mesmíssima rotina, as lembranças do passado formando uma simplifcada teia. Ao olhar para trás, tudo é meio parecido. Estamos diante de um dilema complicado, este de entender o funcionamento dos relógios.  

Se pensarmos bem, pessoa é coisa de outra mundo. Varia que nem chuva de verão, e o sentimento é rio que lava o corpo todo. Hoje acordei sujo, mas tomei banho quente e chá de camomila e agora estou limpo como se o rio Amazonas corresse por todas as minhas veias, como se houvesse centenas de canoas levando esperança para os ribeirinhos. Amanhã vai ser dia melhor, eu espero, e espero com todas as forças, como se minha vida dependesse disso, como se fosse meu ovo de Páscoa preferido, que o coelho vai trazer. 

Hoje à noite, eu tenho de novo cinco anos, durmo com uma orelha em pé e fico atento ao menor ruído daquele que vai trazer alegria no cesto mais bonito. Em Porto Alegre foi o ultimo dia do Carnaval, meus amigos beberam e saltaram na calçada. Eu ajo diferente, em casa faço planos e desejos e espero que deles brotem flores para decorar um sonho bom. 

São 00:22, da mesma forma como ontem e anteontem, e assim como também será amanhã. Mas um universo se expande dentro da gente, e nasce uma energia que não tem causa ou consequência, como uma fome de mundo. 

sábado, 1 de março de 2014

the next metro station





"este prédio merece uma olhada" meu cérebro pensou

fazia em torno de 15 graus, o sol tinha incrivelmente brilhado por dois dias seguidos e os ônibus me fascinavam. Londres me encantava e assustava simultaneamente. a quantidade de carros nas ruas, o tamanho dos prédios na área empresarial, a indiferença com a qual os britânicos caminhavam nas ruas. tudo parecia um filme estrangeiro de médio orçamento. o personagem principal era um caipira que caminhava o tempo todo olhando para cima e, às vezes, pisava em poças d'água. ao ganhar o mundo, eu me dava conta de como eu era minusculo e ignorante. 

minhas duas amigas já tinham ido embora, e eu me hospedava na casa de um colega da faculdade. estava gripado e não tinha nem um simples e inocente paracetamol no bolso. estava curto de grana e não tinha guarda-chuva, apenas um nariz escorrendo. inocente como uma criança, passava os dias bebendo suco de laranja fresco. não sabia que a ingestão de vitamina C só fortalece o sistema imunológico a longo prazo, em questão de semanas. o gosto ácido que descia pela garganta me dava um prazer incomum, sobretudo quando eu sentava em algum parque para almoçar um sanduíche e tentar entender o que se passava na cabeça daqueles homens de sobretudo e chapéu, daqueles jovens loiros de bochechas rosadas e daquelas pessoas com um estilo tão autoral e chamativo que paradoxalmente também eram discretas na multidão.

hi, do you know where is the next metro station? 

I'm sorry, what?

do you know where is the next metro station? the subway? I would like to go to Oxford Street. 

oooh, you mean the TUBE? 

diariamente, pela manhã, parava na mesma estação de metrô, entrava em uma Starbucks e sentava na mesa mais ao canto, à janela. pedia um café médio, um cookie de chocolate e usava o wifi para me comunicar com meus familiares, avisar que tudo estava bem. depois, caminhava sem rumo definido. no meu turismo, eu me perco pelas ruas da cidade, pergunto aos nativos onde tem um lugar interessante para ir, visualizo uma construção bonita ao longe e decido se ela merece uma olhada. quando me canso, sento na rua e observo os transeuntes. escrevo se tenho vontade, divago na maior parte do tempo. 

viajar é encontrar raízes em lugares onde falta. em casa, tudo é natural e assegurado, as ações são esperadas, previsíveis, reconfortantes. por um lado, também prazerosas em sua essência, visto que uma vida de desconhecido também é exaustiva. mas ficar fora de casa é outra coisa. e cansa. exaure os sentidos. 

hoje tomo fôlego, recupero meu ar. mas daqui a pouco o vento chama, e eu não tenho escolha, vou ver o que ele tem a me dizer.