sexta-feira, 20 de abril de 2018

Limites

Quando criança, me agradava muitíssimo colocar a mão para fora da janela do carro e sentir o vento atravessar meus dedos. Depois fazia uma prancha, erguia o braço para cima e para baixo, dançava da esquerda para a direita, o membro como um super-herói rasgando o ar, surfando no vento. Não só o braço, mas o corpo todo se tornava leve, como se orientado por uma linha suspensa do céu. Ali eu era um boneco que, precisamente, me movimentava como desejasse. De certa forma, havia a sensação de controlar as circunstâncias. 

Por vezes me instrumentalizo e adquiro tamanha consciência de minha finitude a ponto de ver-me tal qual um robô: se estou ansioso, preciso correr por 15 minutos. Se as pernas doem, é hora de alongar os músculos. Devo meditar para aquietar a consciência intranquila. Vou escrever tarefas no papel para aplacar a ansiedade. Deus está no meu corpo e divide comigo a sua onipotência: aperto botões e obtenho disto resultados. Uma máquina de carne e de sangue, com um pouco de medo nas ligas. 

A inteligência do ser humano soa tão banal, de forma que atitudes são gatilhos para acionar ligações entre neurônios, estimular reações químicas que culminam em sorrisos, alívios, tiques, resmungos. 
A juventude me escorre pelos dedos e assisto a tudo de fora, como farelos de areia convergindo em uma ampulheta. Ali há apenas uma saída possível. 

quarta-feira, 18 de abril de 2018

eu preciso

voltar a escrever, deixar meus dedos darem forma digníssima às estranhezas do meu inconsciente. escrevo por ofício todos os dias sobre assuntos quaisquer, dos importantes aos banais, e me esforço para colocar o mínimo de poesia, ainda que seja na mais diminuta reportagem.

e para isso não digo apenas que a senhora estava cansada de viver décadas de pobreza, digo que a senhora estava tomada pelas marcas do esforço sem muito resultado ao longo tempo, porque, se formos de fato ao ponto mais longínquo, essa é a experiência universal. como uma pedra intocada, somos esculpidos ao longo dos anos nos detalhes mais específicos. surgem linhas na testa, bolsões embaixo dos olhos, vincos ao redor da boca, rancores no lado esquerdo do peito.

o tempo é tão atencioso, estende sobre nós o seu manto. quando me talha, sinto como se eu fosse o nobre da França, que merecesse muita atenção.

depois fica tudo escuro, um duro golpe de guilhotina.