domingo, 27 de novembro de 2011

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A volta do médico

Precisa fazer mais caminhadas ao longo da semana
Visto ser mais do que hora de viver 
Tua vida na rua
De preferência vinte minutos de sol por dia
Sem jamais cair 
Em saturnas melancolias
Enquanto descobre verdades ao teu corpo nuas
E jamais perder a fé em prol do desencanto 
E antes de dormir faça automassagem
A fim de descobrir as partes do corpo
Que o próprio outro ainda não o fez
Aos poucos desatando nós truncados
Cujo português ainda não soube nomear.

E para de nomear a ti mesmo
De nomear o outro
Pois que o louco nunca fecha sentidos em palavras
E por mais que soe uma falácia

É o louco quem vive a vida na audácia.

domingo, 20 de novembro de 2011

Primavera

Flores caídas na terra, no auge da primavera,
Têm um cheiro de morte
Um odor que entra pelas narinas e irrita
Dá vontade de gemer
Por se meter no funeral
Além da vista do tapete colorido
Que aos de longe é deveras bonito

Mas para aqueles que vão chegando perto
Lembra as dores de diversas gerações
E depois vêm curiosos desavisados
Dizer que és muito maduro e admirável
Para que no fundo eu fique a pensar
Que as mortes que me constituem
Jamais lhes causarão tanto pesar...

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Doble

Qual de mim mais confiável
Para revelar os meus segredos
O homem que encara o espelho
Ou aquele a ser encarado?
Uma dúvida cruel e atroz
Levanto-me e assimilo a imagem
Sou tímido, porém encaro-a como se ela fosse eu
Mesmo que de fato não seja
A mim não me importam os meros detalhes
E posto que não me queira ver em reflexo
Ele insiste em assombrar meu dia

Como se a vida fosse uma dança qualquer
Em que fantasmas transparentes
Sangrassem como uma mulher
E acidentalmente eu encarasse 
Duas personas numa vista
Um lado Simone libertário
Outro sartriano e imediatista

Toda a minha vida está nas minhas mãos
Mas que cruel e tão injusto!
Qual escolho como rival?
O que ri para o reflexo
Ou o que zomba do real?

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Duas cidades

Começo a escrever este texto por volta de oito horas da noite e o céu está em dégradé. Quase totalmente coberto de nuvens negras, cinzas e cor de rosa. Uma mancha gigantesca enuviada. Como se acima de nossas cabeças houvesse uma cidade celestial, em contraponto à cidade de Porto Alegre tomada por concreto. Olhar para cima traz um sentimento de infinito, aliado a uma sensação de incompletude ou ausência de algo que não se reconhece. Falta de respostas, talvez? A angústia do homem deve ter começado quando, ainda macaco, parou de encarar o chão ao andar de quatro e começou a encarar o céu, em duas pernas.

O mundo acaba por se dividir, então, entre o céu e a terra. Na metade inferior está a cidade de Porto Alegre; na metade superior, um teto de nuvens. Uma cidade celestial. Quem habitará lá em cima? O ar é melhor? Respira-se melhor? Vive-se melhor? Seria interessante se realmente houvesse uma população a habitar as nuvens. Pessoas etéreas vivendo em apartamentos etéreos. Nós, daqui de baixo, talvez nutríssemos um sentimento voyeurista, visto que poderíamos observá-los todos em seus afazeres. Os moradores da cidade celestial talvez fossem mais felizes, visto que, vendo apenas a própria cidade em que habitam, não proporiam tantas questões quanto nós, a população que consegue ver dois mundos. Talvez fosse mais fácil viver lá em cima. Mais calmo. Sereno. Previsível. 

Esta dicotomia entre uma cidade de concreto e uma cidade celestial é o que move nossa existência, no momento em que as respostas que um plano pode fornecer é o que move a vida no outro. Como é viver lá em cima? O infinito... A cidade inabitável. Habitamos embaixo e ainda podemos ver lá em cima. Uma tortura, uma ânsia de respostas e uma curiosidade indecifrável para seres que vivem no chão. 

Apesar de tudo, esta angústia que nos acompanha no dia a dia tem um lado bom, no momento em que nos motiva nos afazeres diários. Buscar respostas sempre é uma força motriz. Como resolverei meu problema amanhã? Como entregarei meus trabalhos, como cuidarei da minha família - em última instância, como morrerei? São perguntas que nos são caras e, de certo modo, justificam-se por si mesmas. E, pensando melhor, talvez os habitantes da cidade celestial não fossem menos inquietos, visto que, acima de si, há o infinito.

A angústia do homem inicia quando começa a olhar para cima, em direção ao céu. Quando éramos quadrúpedes e passamos a andar em duas pernas. Quando éramos bebês engatinhando e passamos a caminhar desequilibradamente, perguntando o porquê de tudo. A maldição do homem é olhar para cima. Resta a nós, ao fazê-lo, aprender a enquadrar a vista de baixo com um ângulo diferente.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Fome

Peguei um ônibus à noite e um casal de no máximo dezoito anos se sentou na minha frente. Ficaram quietos, de mãos dadas. O cara olhava para a janela com um olhar extremamente desinteressado. Parecia ser um desinteresse pela vida como um todo: pelo trabalho, pelos estudos, para o lugar em que se dirigia e até mesmo para a garota ao lado. A indiferença para com um todo contrastava com a namorada, que o encarava com um quê de necessidade. Ela devorava os contornos do queixo, nariz e boca dele, como se dependesse do olhar para fixar dentro de si o namorado e o afeto que por ele sentia.

A garota o encarava com um olhar de idolatração, como se ele a salvasse de uma situação muito ruim para pô-la em uma posição muito melhor, incorporando traços de um príncipe encantado, morador de uma realidade de alguma forma distante mas tocável, longínqua mas plena. De alguma forma era um amor puro e obsessivo.

Parece hiperbólico ou mesmo superficial julgar isso, no momento em que eu era apenas um espectador, porém foi exatamente esta sensação que apreendi ao olhar para eles por meio do reflexo do vidro; um jovem de boné com o queixo apoiado nas mãos detendo um cansaço de vida que costumamos ver apenas em pessoas velhas que desistiram de buscar alguma alegria ou novidade, enquanto a jovem encarava um ídolo salvador.

Então comecei a pensar se todos os relacionamentos detêm certos aspectos de salvação. Relacionamo-nos com pessoas que tomamos como salvadores ou a garota era apenas um exemplo de uma paixão obsessiva? O que se procura em uma relação?

O casal que vi no ônibus me soou como um exemplo de que nos relacionamos com outro para enfim nos relacionarmos com nós mesmos. Busco em um segundo aquilo que de alguma forma me faz falta, o que implica em que o uso como um objeto para preencher um buraco na minha personalidade. Seria tudo então uma busca de plenitude? De paz consigo? Porque isso parece acarretar em um processo de interminável procura de alma gêmea a nos completar, e isso me parece uma concepção triste de relações amorosas, no momento em que preciso ser preenchido, em vez de acrescentado.

O que move a paixão? Talvez haja vários motivos, e nesta situação eu pude refletir sobre apenas um deles. O que ocorre é que achei deprimente a cena de um jovem indiferente para com uma garota que o sorvia com fome. Talvez ele nem sentisse algo por ela, o que torna tudo mais triste ainda. Mas ainda fica a dúvida: partindo da premissa de que se relacionar com outro é também se autoconhecer, o que alimenta uma relação é a fome pelo outro ou por nós mesmos?

domingo, 6 de novembro de 2011

Ser ou não ser

O que ocorre é que o pensamento ocidental é regido por um ideal platônico. Isto é, a figura do Mito da Caverna é figura central de nosso dia a dia. Instala-se sob nossa sociedade um entendimento de que nossa realidade nunca é boa o bastante, visto que, em algum lugar - em nossas cabeças -, há algo que mereça ser perseguido.

Como consequência, somos uma sociedade de insatisfeitos. Nada é bom o bastante, sempre precisamos melhorar em alguma coisa, precisamos buscar a perfeição, tentando ser mais belos e inteligentes que se possa, aparar nossas arestas e defeitos em prol de tornarmo-nos uma escultura perfeita. O que ocorre? Penso que um atentado à nossa autoestima. Convenhamos que é deveras desmotivante olharmo-nos no espelho e nos compararmos a algum ideal de perfeição. Olho-me no espelho e vejo que preciso ser mais magro ou mais musculoso, que meu cabelo é ruim e seco, que minhas roupas não são adequadas, que minha ignorância é tamanha que devo me envergonhar, que em algum lugar há um Eu o qual devo perseguir, a fim de melhorar esta figura deplorável a qual encaro.

É uma lógica abusiva e que vai bem de acordo com a lógica capitalista, no momento em que preciso melhorar-me, uppar-me, adquirindo produtos que, na minha visão, possam de alguma maneira crescer meus atributos. No fim, compro roupas caras e invisto meu tempo para alcançar um nível que não sei. Insere-se aqui a noção de cultura como cultivo de mim mesmo, uma busca de criar em mim características que julgo serem admiráveis, além de podar ervas daninhas que possam me prejudicar. Alta cultura e baixa cultura, música erudita é bom, funk é ruim; Doistoiévksi é ótimo, Stephanie Meyer é péssimo.

A questão é que, na busca de uma constante evolução, realmente estamos evoluindo? É certo que hoje somos uma sociedade mais boa - dá pra falar isso? -, já que não é visto com bons olhos queimar prisioneiros em praça pública ou torturar inimigos como vingança. O que é evolução? No fim, o que é identidade? É algo fixo ou todo esse processo platônico de cultivo e mudanças em prol do adequamento de um ideal? Em Tudo sobre minha mãe, do Almodóvar, Agrado diz que ficamos mais autênticos quanto mais nos parecemos com o que sonhamos que somos. É isso, então? E o que é identidade? A inconstância de que fala Zygmunt Bauman ou a solidez dos tempos antes do Iluminismo?

Buscamos tanto nos tornar algo que desejamos que, no fim, somos tão críticos com nossa própria personalidade que o resultado muitas vezes é um golpe em nós mesmos. Não consigo ser o que quero, então não me gosto. O amor-próprio é pequeno, pois não sou aquilo que gostaria de amar. Disso, criticamos também o outro, já que ele também não se adapta aos padrões que impomos. Eu imponho, você impõe e toda a sociedade impõe um padrão de beleza e de inteligência que ninguém consegue alcançar.

Não sei se há uma solução para tudo isso. Só escrevi este texto porque sempre tive para mim que é melhor ter consciência das coisas que fazemos e pensamos, ainda que julguemos errado e não consigamos mudar. A dúvida: é melhor tentar se tornar uma pessoa melhor, controlando defeitos e manias, ou simplesmente aceitar que todos têm defeitos e não adianta tentar mudar?

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

penitências

ultimamente tenho costurado muita poesia
como minha mãe cosia horas a fio
a questão é que não o faço por prazer
e sim pela necessidade
de conjugar vazios
como se precisasse de um casaco artesanalmente preparado
pelas minhas próprias mãos
e costuro incertezas nas minhas formas
cada ponto do bordado
um sonho estilhaçado
com botões de madeira extraída
de uma árvore há pouco podada
e infelizmente não restasse outra escolha
que vestir meu casaco esfarrapado
com pequenas manchas de sangue
de um coração apertado.