terça-feira, 3 de junho de 2014

quarta-feira, 28 de maio de 2014

calmaria

Quando desisto é que surges
Cheio de amor e encantamento
E teus gestos se enquadram
Numa moldura de ouro.

Nestas horas eu preciso me acalmar,
E a melhor ação é um chá
De camomila, mel e agrião.

uma olhada para o lado

e minha ansiedade resumida em uma mordida no lábio. não sei se digo sim ou não. 
sim e não, curto e pesado. duro como um tiro
no meio do peito, que vaza como uma represa.

eu disse que não queria mais nada, ele disse que eu precisava de abraços. eu ri. para não chorar. situação desagradável, parece que uma cobra subiu pelas minhas costas e se adornou do meu peito, passando a pele gelada e nojenta na minha pele de angústia. e como se fosse um robô, meu cérebro entra em pane e desaprendo a hora certa de vestir os corretos sentimentos. fica tudo no automático. exemplo. hoje está frio e chove, vou vestir a camiseta da tristeza e a calça da melancolia. boto um cachecol amarelo para ficar mais alegre. lembrete: comer um pedaço de torta para produzir serotonina. tomar banho quente e escorrer todo o pensamento danoso pelo ralo, para ficar bem longe, no esgoto mais abaixo do meu piso de lágrima. 

queria dizer muito, mas não vai.
não sai não sai não sai
sai água de dentro de mim
corpo líquido toma forma
e vira outro que no fim
já é a imagem oposta no espelho
infinito particular e excessivo. 

terça-feira, 27 de maio de 2014

bueno,

Bueno, o vento corta o rosto dela e deixa marcas de remorso. Joana me mandou um e-mail para avaliar um conto seu, apesar de não termos grande intimidade. Respondi que o faria com muito prazer. O texto era fraco, cansativo, e não conversava com nenhum dos meus cinco sentidos. O que me chamou a atenção eram as personagens: uma garota em primeira pessoa pedia conselhos ao leitor sobre como lidar com o namorado que a espancava. Não soube se Joana me pediu ajuda por meio de sua literatura medíocre ou se apenas fazia... literatura medíocre. Eu passava por uma fase ruim da minha vida e não tinha forças nem para fazer dos meus sapatos um par. Respondi o e-mail dizendo que o conto estava ótimo, que ela tinha futuro e que para investir na carreira deveria se aprimorar sempre. Desliguei meu computador e fui tomar banho, levar água quente no pescoço, como uma criança cansada.

domingo, 25 de maio de 2014

o bater da porta foi meu adeus em um claque
a minha última força foi meu suspiro na noite
e meu morder de lábios foi a confusão em um gesto.

quem diz que palavras são
essenciais
conversa demais e diz:
de menos. desconhece
a intricada linguagem do corpo...

segunda-feira, 19 de maio de 2014

amanhã eu me despeço de ti
e meu travesseiro vai ter cheiro
de melancolia.

le supermarché à lyon

"Mais c'est encore le lendemain, quand en pleine périphérie commerciale de Lyon, on est allés se ravitailler au Giga mega hyper Carrefour lui-même inclu dans un centre commercial sans plus aucune mesure, que j'ai vraiment halluciné. Il y avait évidemment tout les services et tous les produits immaginables, allant des gsm-ipod-agenda-cadre photo intégré au fleurs poussées sous cloches en passant par les city-trip pour gens éteints... Les gens se précipitaient dans une effervescence fébrile et à la fois dans une telle immobilité intérieure !!! C'était effrayant de voir des visages fermés et fades, les yeux hagards, inquiets et frustrés, gros et pales, cherchant desespérément l'article qui pourrait bien les rendre heureux et accomplissant ainsi un rituel qui les épuise encore plus.... flash sur flash : le gsm, le ticket du parking, les clés, le caddie, les wc, le nouveau produit pour effacer les taches, la carte sim, les compléments nutritifs, le code anti-vol, les magazines, l'essence, les nouveaux dvd... c'est trop.

Je voyais ça d'autant plus clairement que moi-même, malgré l'épaisseur de silence et de temps que j'avais emportés avec moi, j'entrais presque naturellement dans cette fièvre de l'avoir et cette sensation qu'il faut consommer pour retrouver le bonheur... L'énergie dans ce genre d'endroit est au plus bas et si on ne prend pas garde, on est tellement sollicité de partout, stimulé dans tous nos sens et manipulé dans notre recherche qu'on sort vidé en moins d'une demi heure... Je n'avais jamais pris conscience de ça à ce point et tout à coup, le contraste était trop évident. Il me semble qu'on est vraiment en train d'aller trop loin et qu'on se fait un mal fou sans meme s'en rendre compte. J'ai voulu graver ça dans ma mémoire pour être à même, le moment venu, de faire les choix nécessaires pour limiter l'impact de ce genre de fourmilière sur ma vie.

Je crois que j'ai compris aussi pourquoi notre époque ne croyait plus en Dieu. Nous n'avons juste plus assez de silence pour laisser s'intaller sa paix."

domingo, 18 de maio de 2014

minha sanidade

Minha sanidade noturna questionada por mosquitos, e o zumbido me leva de volta à adolescência. Eu era um jovem de 14 anos e já escrevia memórias, como um idoso melancólico. O tempo passou, as experiências pesaram ao redor dos meus olhos, e hoje minha psicóloga diz que sou um "jovem velho". Por isso me atraem caras de maior idade, na casa dos vinte e cinco anos. E não tenho paciência para gestos clássicos de gente da minha idade ou mais jovem, a não ser que compensados por uma inteligência e maturidade admiráveis. Nas aulas de yoga, a professora coordenava os movimentos de todos para realizarmos adequadamente a saudação ao sol. Nunca consegui ficar a aula inteira sem analisar meus colegas, porque só assim para saber se eu fazia certo. Parei com a yoga por falta de tempo e hoje meus amigos me alertam: é preciso se focar nos próprios passos e não ser tão disponível às pessoas. Meu pai errava e punha a culpa sempre nos outros, e como consequência me vitimizo em muitas situações. Ao menos tenho consciência disso e busco quebrar o ciclo. No final da aula, a professora cantava em sânscrito, e eu me controlando para não dormir. Acho que o mosquito foi embora, porque o zumbido parou. Amanhã tenho que acordar cedo para trabalhar e entrevistar pessoas que nunca vi e que provavelmente nunca reverei, mas assim é a vida todos os dias. Mas eu sigo a dar importância a pormenores.  

terça-feira, 13 de maio de 2014

metamorfose

amanhã eu me despeço de ti
mas hoje as cortinas vão descer
e as janelas fechar

porque no sábado vou me perder
no azul dos teus lençóis
o peixe mais curioso
confuso no oceano

que inunda a última
de nossas profundas lembranças...


terça-feira, 15 de abril de 2014

escultura

esta poesia agrada
e extingue um completo universo
soa como se o tempo não andasse
e as pessoas assistissem à mesma cena
elas dizem, hoje preciso de tempo 
para tomar conta dos meus pequenos móveis
mas a semana já foi e é tão amanhã
o sol sobe ao horizonte e cai como pesado
e a única memória é um círculo opaco
algo que, de tão longe, pouco influencia
assim como eu e você:
quilômetros de distância, mas ainda dividindo território
cada um com uma faca a tiracolo
tentando forjar cicatrizes na alma do outro
uma arte única e inimitável.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

trechos

na praia, as roupas têm manchas de protetor solar, e os pés da cama ficam sujos de areia. como se levássemos a beira-mar ao corpo durante o dia e dormíssemos com ela à noite. os raios do sol envolveram minha pele durante várias horas neste final de semana. e eu me sinto filtrado, como se um coador tivesse retido todas as minhas impurezas na praia. e minhas tristezas ficassem na areia.

a sensação de vitoria espiritual ao constatar o bronzeado no lugar do vermelhidão. a marca de sunga que me impede de mentir a respeito de onde estive e do que fiz nos últimos dias. a natureza se encarrega de imprimir suas marcas no meu corpo. eu me curvo à ela, e deixo que repouse sua influência sobre mim. 

a força mais poderosa é aquela que nasce a partir de um impulso de destruição, visto que é capaz de criar o que há de mais difícil. e, tal qual um espelho d'água, refletir as mais diversas cores. e reverberar o que é bonito. 

procuro na minha mente imagens de sucesso, e me agarro nelas com todas as forças para fazer minha escalada. a montanha é sempre alta e desgastante. mas creio que todos podemos ser bons alpinistas. 

todos já estão dormindo. talvez eu devesse me juntar.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

rastros

"é tão irônico estar vivo. significa assumir uma responsabilidade pelos futuros arrependimentos da humanidade"

assisti finalmente ao filme A Lista de Schindler e comecei a me questionar a respeito do poder das microações. Schindler salvou 1.200 pessoas a curto prazo e 5 mil a longo prazo - a saber, as gerações advindas. o que me faz pensar: uma palavra pode mudar uma geração? um ombro salva uma linhagem de indivíduos? ao mesmo tempo em que a teoria do caos nos preenche de potencial poder, também nos impõe um grande peso sob os ombros, na medida em que nossos atos são valorizados como joias únicas. cada acerto é um acerto de ouro. mas cada erro é um prédio que desaba. 

construímos nossa vida de forma a edificar um modo de pensar. nossas ações e omissões nos posicionam no mundo, e assim ocupamos o território a que chamamos realidade. esse espaço que nos pertence convive com os espaços dos outros, como uma grande vizinhança. é uma complicada teia, que se torna mais densa com o passar dos anos. não precisamos tomar ações tão grandiosas quanto Schindler, mas nosso caminhar seguramente impacta a vida dos outros. 

a palavra que dissemos ontem fica guardada na mente do amigo. o beijo nos lábios se aninha nos coração de nosso amado ou amada. plantar memorias nos outros é um processo extraordinário, mas também perigoso. 

nossos gestos exalam o maior bem e o maior mal. ao caminhar, deixamos um rastro agridoce, como uma laranja madura.

terça-feira, 1 de abril de 2014

primeiro desejo

eu gostaria de ser uma gôndola de Veneza
e o dia todo transportar casais apaixonados
navegar por águas milenares
e me aninhar na memoria de turistas
que décadas depois
falam da vez em que viajaram pela Itália
e deram o passeio mais belo de suas vidas
enquanto tomavam um bom gelato
e se amavam como nunca amaram antes...

segunda-feira, 10 de março de 2014

são 23:47

São 23:47, da mesma forma como ontem e anteontem, e assim como também será amanhã. O relógio, apesar de influente, é limitado, porque se move sem sair do lugar. De ontem para hoje nós mudamos tanto: as unhas ficaram mais compridas, o cabelo cresceu alguns milímetros. Mas os ponteiros não percebem, pensam que tudo segue igual. Não se dão conta de que as cortinas da janelas esvoaçaram, que o par de tênis sujou de lama e que o almoço de hoje foi mais farto, porque era domingo

Como se levassem alguma pilha, algumas pessoas vivem como relógios. Podem se mover sem sair do lugar e passar anos com a mesmíssima rotina, as lembranças do passado formando uma simplifcada teia. Ao olhar para trás, tudo é meio parecido. Estamos diante de um dilema complicado, este de entender o funcionamento dos relógios.  

Se pensarmos bem, pessoa é coisa de outra mundo. Varia que nem chuva de verão, e o sentimento é rio que lava o corpo todo. Hoje acordei sujo, mas tomei banho quente e chá de camomila e agora estou limpo como se o rio Amazonas corresse por todas as minhas veias, como se houvesse centenas de canoas levando esperança para os ribeirinhos. Amanhã vai ser dia melhor, eu espero, e espero com todas as forças, como se minha vida dependesse disso, como se fosse meu ovo de Páscoa preferido, que o coelho vai trazer. 

Hoje à noite, eu tenho de novo cinco anos, durmo com uma orelha em pé e fico atento ao menor ruído daquele que vai trazer alegria no cesto mais bonito. Em Porto Alegre foi o ultimo dia do Carnaval, meus amigos beberam e saltaram na calçada. Eu ajo diferente, em casa faço planos e desejos e espero que deles brotem flores para decorar um sonho bom. 

São 00:22, da mesma forma como ontem e anteontem, e assim como também será amanhã. Mas um universo se expande dentro da gente, e nasce uma energia que não tem causa ou consequência, como uma fome de mundo. 

sábado, 1 de março de 2014

the next metro station





"este prédio merece uma olhada" meu cérebro pensou

fazia em torno de 15 graus, o sol tinha incrivelmente brilhado por dois dias seguidos e os ônibus me fascinavam. Londres me encantava e assustava simultaneamente. a quantidade de carros nas ruas, o tamanho dos prédios na área empresarial, a indiferença com a qual os britânicos caminhavam nas ruas. tudo parecia um filme estrangeiro de médio orçamento. o personagem principal era um caipira que caminhava o tempo todo olhando para cima e, às vezes, pisava em poças d'água. ao ganhar o mundo, eu me dava conta de como eu era minusculo e ignorante. 

minhas duas amigas já tinham ido embora, e eu me hospedava na casa de um colega da faculdade. estava gripado e não tinha nem um simples e inocente paracetamol no bolso. estava curto de grana e não tinha guarda-chuva, apenas um nariz escorrendo. inocente como uma criança, passava os dias bebendo suco de laranja fresco. não sabia que a ingestão de vitamina C só fortalece o sistema imunológico a longo prazo, em questão de semanas. o gosto ácido que descia pela garganta me dava um prazer incomum, sobretudo quando eu sentava em algum parque para almoçar um sanduíche e tentar entender o que se passava na cabeça daqueles homens de sobretudo e chapéu, daqueles jovens loiros de bochechas rosadas e daquelas pessoas com um estilo tão autoral e chamativo que paradoxalmente também eram discretas na multidão.

hi, do you know where is the next metro station? 

I'm sorry, what?

do you know where is the next metro station? the subway? I would like to go to Oxford Street. 

oooh, you mean the TUBE? 

diariamente, pela manhã, parava na mesma estação de metrô, entrava em uma Starbucks e sentava na mesa mais ao canto, à janela. pedia um café médio, um cookie de chocolate e usava o wifi para me comunicar com meus familiares, avisar que tudo estava bem. depois, caminhava sem rumo definido. no meu turismo, eu me perco pelas ruas da cidade, pergunto aos nativos onde tem um lugar interessante para ir, visualizo uma construção bonita ao longe e decido se ela merece uma olhada. quando me canso, sento na rua e observo os transeuntes. escrevo se tenho vontade, divago na maior parte do tempo. 

viajar é encontrar raízes em lugares onde falta. em casa, tudo é natural e assegurado, as ações são esperadas, previsíveis, reconfortantes. por um lado, também prazerosas em sua essência, visto que uma vida de desconhecido também é exaustiva. mas ficar fora de casa é outra coisa. e cansa. exaure os sentidos. 

hoje tomo fôlego, recupero meu ar. mas daqui a pouco o vento chama, e eu não tenho escolha, vou ver o que ele tem a me dizer. 

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

agenda

eu sou um cara muito desorganizado e perdido nas questões práticas. para esse tipo de gente, o melhor presente é uma agenda. o caos interior funciona dentro da minha cabeça, mas o mundo exterior parece pertencer a uma outra realidade. a palavra escrita organiza os meus dias. cada dia é uma página em branco. e a agenda é metáfora da minha vida. 

a agenda de 2014 é a minha primeira dentre muitos anos. em cada página, escrevo ao menos uma frase marcante que vi em algum lugar. nesta quinta-feira chuvosa, Adélia Prado me tocou.

"deveras, dá muito paz não relutar contra o destino, fatalidades repousam.

levar um pensamento até o fim é como colocar n'água um bastão, sua imagem entorta na hora, ainda que ele continue direito na sua concreteza. Afinal, afinal nada, porque nada tem fim, muito menos o o sofrimento do mundo"

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

escultura

a ansiedade interfere na rotina e esculpe marcas de feiura.

"The most exciting, challenging and significant relationship of all is the one you have with yourself".

(is the one I have with myself.)

o pássaro que voa parece mais importante do que os dois na minha mão. e os florais que me indicaram têm até algum efeito, talvez por eu já colocar as duas gotas debaixo da língua. durante o banho no chuveiro, repito que aquilo que já foi, já foi. e o que virá está fora de controle, tal qual os ponteiros do relógio. não se controla. constata-se. sob a pressão de uma situação complicada, é difícil compreender que somos limitados, que determinadas coisas estão fora do nosso controle.

(amadurecer, esse difícil processo de aceitação de que temos limites, de que não faremos tudo aquilo que desejamos, de que sofreremos mais do que gostaríamos e de que desconhecemos o tamanho das cicatrizes até o momento de nos machucarmos.)

como inquieta não saber do resultado de amanhã... e parece que projetar cenários é uma tarefa nobilíssima, mesmo que o preço seja um amargo gosto que não leve a lugar algum. "deus, se isto acontecer, como lidar com aquilo que virá como consequência?". e assim arquiteto ambientes como fosse um diretor de cena. a tarefa do teatro requer um custo altíssimo de energia! e isso é uma sanguessuga no meu corpo, ao ponto de que me torno fraco para o que vivo hoje. 

assim como um arquétipo, e com uma pitada de afobação, quero respostas para minha saúde, minha profissão, meu amor, minha vida minha vida minha vida. pareço um personagem egocêntrico de uma série televisiva caricata. salvo que, na vida real, os dramas não mexem tanto conosco, porque as coisas passam tão rápido, que não há tempo para dramatizar. o peso do real em si já é terrível. e a ânsia de respostas é um fogo que não para nunca de arder. minha mãe é poética e diz que é fome de conhecimento. mas às vezes me parece ingenuidade no mundo. 

como se fosse Macabéa, eu, uma pobre ignorante. datilografando tudo errado e comendo goiabada com queijo, sonhando com uma barra de chocolate e com o cinema no final do mês - alívios que, enfim, irão me sossegar...

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

"não gosto de olhar muito o mar, perco o interesse pela terra"

Dai a gente quer ser tão feliz que não consegue e fica triste. E eu me pergunto como o tiro pode sair tanto pela culatra? Viver em um momento e questionar-se "isso é felicidade? Talvez estar feliz se resuma a algo muito mais intenso..." O rotulo acalma e faz com que eu me disperse menos. Ao mesmo tempo, paradoxalmente me impede de abstrair desta tautologia maluca e impõe uma barreira entre mim e a sensação que procuro experimentar. A busca de viver em vez de estar move os meus dias. Infelizmente, também me acorrenta e me torna escravo de um imaginário inalcançável. 

Sou um exemplo patético da modernidade liquida. Se encontrasse Bauman, ele colocaria a mão no meu rosto, como uma figura paterna, e me encararia com um olhar de reconforto e pena. Oh, pobrezinho, sintomático da própria geração. E assim me ponho escravo das minhas próprias reflexões, me inflijo danos como fazem os cristãos mais conservadores, ou me reprimo como as evangélicas mais pudicas.  

Ao repousar minha nuca no travesseiro, eu sou uma mulher de cabelo comprido e longas saias, com vontade de tirar a roupa inteira e tomar um banho de chuva, nua como vim ao mundo. Que Deus me perdoe, mas a felicidade transgressora sempre preencheu os corações mais aflitos. 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

sobre prazeres imediatos

é que eu preciso ser ao menos um pouco egoísta no dia a dia para me manter vivo em meio à efemeridade do mundo. isto é, se eu não tiver como um dos meus objetivos diários a satisfação em nível pessoal, por que vou acordar amanhã cedo? um dia vou morrer de qualquer forma, e de mim não vão restar mais do que as cinzas...

mesmo que meu primordial objetivo se resuma a ajudar os outros, a humanidade, também preciso dos pequenos deleites que dizem respeito somente a mim. a vida, essa palavra que resume um processo complicadíssimo para quem é jovem e simples para quem é velho, se torna deveras difícil se eu não viver os prazeres da carne, da comida, da realização profissional e amorosa (coloco amorosa em último lugar, e isso diz algo sobre mim). 

se eu não tiver minha felicidade egoísta, mesquinha e miserável, meu foco se perde em qualquer esquina. e por isso hoje como a torta de bombom com minha amiga após o Subway no almoço, e por isso pretendo comprar duas camisas novas para ir trabalhar mais arrumado, e no final de semana planejo uma surpresa para a minha paixão, e quero me formar em algum tempo e arranjar um emprego decente, e ser reconhecido por ele, e ganhar dinheiro para que tenha o meu apartamento e faça as minhas viagens, sem depender de ninguém. são meus desejos, e eu os quero satisfeitos. 

amanhã vou tomar dois drinques, um de morango e outro de maracujá, e depois vou me sentir mais leve, vou me sentir mais leve.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

mudança

Os móveis antigos é preciso retirar
apesar de que o espelho descanse
da mesmíssima maneira,
sem vontade própria. 
O armário eu já sei a quem dar, e aquele canto de poeira intocado
finalmente será limpo. 
Todas as aranhas vão repensar sua vida, uma vida aracnídea
que antes simples, agora é complicada. 
As pesadas teias, pendendo de cima 
para baixo, com uma sustentação paralela,
de repente não sustentam nada.  
A vida grita por todos os cantos, 
e as aranhas encaram
o medo do amanhã.
De repente o impensável
pode ser pensado. E as aranhas
são habitadas por uma questão. 
A resposta, no entanto, vem do alto,
as horas passam normalmente,
e o peso do real força as oito patas.

Este canto tomado por poeira
que entrou pela fresta da janela
com um lufar de vento
eu preciso varrer com esmero e vontade,
caso contrário passo a noite com medo
do que pode vir de tanta
tanta mudança de hábito. 

sábado, 8 de fevereiro de 2014

au revoir

neste copo de água  
estão todas as gotas de minha partida
e na porta de madeira o último toque dos dedos
o barulho do trinco foi meu adeus em um clack
e a imagem que deixei
foi não olhar para trás...

de registro restou 
o negativo na Redenção
e o meu sabor ficou na panela, em cima do fogão
me despedi de diversas formas
e em diversas formas me mantive
como um corte de folha no dedo
ou uma imagem eternamente refletida
de um espelho 
em frente 
ao outro. 

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

talvez haja em algum lugar uma vida tranquila

Oh senhor deste reino,
Deixa-me com meus afazeres cruéis
E se puderes dar-me boas-vindas, ainda hoje,
Hei de ficar muito contente...
Deixa-me com minhas profecias
Com meus tambores e jarras de sangria
Manda-me cartas de um destino qualquer
O meu sangue ora pertence ao mundo
Ora o mundo é que me sangra
E daqui a cem anos depois dessa corrida
Uma incrível criança fará previsões do passado
E a ela será dado
O poder da fala
A ponte entre o céu e o inferno
E a maldição de uma fogueira.

domingo, 12 de janeiro de 2014

dúplica


duas, evidente que eram duas,
a mais leve com a personalidade forte
a pesada, complacente,
uma colada à outra, mas nem por isso
não conflituantes,
as duas cabeças marcadas pelo destino
de trilharem o mesmo caminho.

os cabelos nenhuma tinha,
o que tornava difícil aos outros de diferenciá-las
não fosse a cicatriz da malvada
fincada abaixo do queixo. 

duas, evidente que eram duas, 
soa até artificial não o saber!
como crer que apenas uma
encoberta pela capa de sombras
fosse capaz de tanta maldade
duas cabeças: mas uma ensina à outra
tudo o que é filosofia...

e na mais absurda alegoria,
parece perfeitamente compreensível agora
que na hora do penhasco tenha sido
a cabeça pesada a ter soltado
o único gemido...

duas, evidente que eram duas:
uma com o poder da fala
a outra com o poder do grito.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

a grama do vizinho

a grama do vizinho é mais bonita porque de onde a gente olha, é impossível ver as falhas do terreno, os lugares onde pisaram e a grama morreu, os montes de terra, o cocô do cachorro. como o mundo é injusto comigo! a vitimização é sempre o caminho mais fácil, na medida em que nos tornamos passivos em relação ao ambiente e as causas fogem do nosso controle. no entanto, também é uma situação perigosa, visto que tiramos de nós mesmos o protagonismo de nossa história. e qual o prazer de relegar aos outros a escritura de nosso livro?

em Kafka on the Shore, de Haruki Murakami, há um trecho genial sobre a forma como encaramos a vida. "My grandpa used to say things never work out like you think they will, but that's what makes life interesting, and that makes sense. If the Chunichi Dragons won every single game, who'd ever watch baseball?". qual seria a graça de viver se tudo fosse sempre como planejado? difícil de pensar isso quando estamos sofrendo em determinado momento. entretanto, a médio e longo prazo, a construção de nossas memórias formam uma complicada rede de experiências que, em grande medida, valorizam-se em virtude dos obstáculos pelos quais passamos. ser mártir de vez em quando faz bem, porque nos ajuda a valorizar os momentos em que somos apenas humanos normais.

mês que vem faço 21 anos e me torno legalmente independente. pouca coisa vai mudar. passarei por uma crise? ou meus dramas diários me pouparão do sofrimento?

momentos de tautologia.