quarta-feira, 30 de junho de 2010

Certos Cantos

Ganhei meu primeiro concurso literário. Poesia em Trânsito, da ULBRA. Minha poesia vai estar nos ônibus do campus da faculdade (link) Ela é bem velha, quem acompanha essa Polaroide há bastante tempo já deve conhecer:

Me Libertam Certos Cantos

    Me libertam certos cantos
    matutinos, poucos toques
    libertinos, uns acordes
    inventados, certos timbres
    misturados, umas notas
    solitárias, poucas letras
    libertárias, umas vozes
    assutadas, umas frases
    já marcadas, palavras
    não mencionadas, duas bocas
    já caladas .

sábado, 26 de junho de 2010

Quietude

Esta é a 301ª postagem do Minha Polaroide.

*

Anteontem de manhã eu caminhei pelo Centro a fim de fazer minha rotina que precisa ser feita, a rotina que penso que todos têm mas não veem que nem para todos é rotina; se te pegasse a rotina e desse-te a minha, avaliaríamos que cada rotina faz parte de uma grande rotina maior, aquela da alienação que precisamos fugir. Caminhei pelo Centro abaixo de chuva, e uma menina me ofereceu um panfleto. Ela era menina e me ofereceu um panfleto, não era um panfleto comum, era um panfleto de uma menina que trabalhava na chuva. Não recusei, mas é porque nunca recuso depois que descobri que as pessoas que distribuem panfletos só são liberadas do trabalho após entregar determinada quantidade; e se não terminam, não vão embora. Em um final de tarde de dias atrás uma moça me deu um panfleto, quando vi, eram dois, olhei pra trás e com o olhar ela me pediu que fosse embora,

Que me ajude, meu bom moço
Eu não tenho o que fazer.
Já é final de tarde e eu tenho que fugir
Da vida que me prende
(Dessa rotina que se estende
Pra depois.)

Enfim, peguei o panfleto da menina na chuva. E nele me agarrei ao longo do dia porque era o panfleto de uma moça que trabalhava na chuva. Comigo, o panfleto ganhou vida: e caminhou pelo Centro, foi ao Mercado Público pegar o vale-transporte. Assistiu às aulas da faculdade, aprendeu sobre a História da Imprensa (que assim como a rotina, se repete: a imprensa nunca foi livre, desde a criação da escrita até hoje - e basta-me fechar os olhos para saber que daqui para frente, nada mudará: se o homem não mudar: e por isso fecho os olhos: por saber que assim contiunará). O panfleto conversou com pessoas, riu de coisas idiotas, foi simpático, cumprimentou quem nunca falou, ele era só um panfleto educado. Almoçou no RU, foi-se embora, aprendeu Francês para depois pensar que a língua foi feita para unir mas desune - a língua é a união de palavras que assim como conjuga pessoas, promove desunião pois se não sabes francês, não entenderás nada lá na França pois a língua só há de servir pra te excluir. Eu fui embora, mas o panfleto ficou comigo. Por todo o dia, quem pensou não fui eu, mas o panfleto, transmutado em minha consciência errática que vaga pelas ruas à procura de sentidos que expliquem minha existência aparentemente inútil, no meu fluxo consciente que pretende questionar-se mais sobre o inconsciente. O panfleto sou eu: o panfleto é todas as minhas esperanças e experiências que podem ser poucas podem ser muitas, lá sei eu sobre quantificar o inquantificável. O papel organizou o organizável, percorreu incontáveis passos. E viveu um dia simples e vazio: ou talvez um dia complicado: basta o olhar: basta sentir.

Vi um mendigo fumando um cigarro
E senti o fumo entrando pela garganta.
O fumo era ruim.
Mas me acalmou.
Aquietou uma alma que não se queda quieta.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Pente Fino

Antes de fazer cada ação forte, ele a escrevia num papel. Tudo o que decidia, ia para o papel. A mãe lhe ensinou isso quando pequeno, para calcular as consequências e controlar o destino. Mudar de escola? Papel. Ficar com a guria? Papel. E sempre dava certo, ao menos quando o papel era riscado. Escrevia as decisões ali como se fosse um diário: do amanhã, era o diário do amanhã. Em cada folha, fixava-se o futuro.

Num dia, tomou um porre e chegou bêbado em casa. Acordou de ressaca na outra manhã e encontrou um papel ao lado do travesseiro, que dizia, matar-se. Entrou em pânico porque

O meu futuro até hoje
Por mim foi escrito
Estático mas seguro
Seguro nem tão certo.
O meu seguro era o rabisco
- Porém isto de ser desenhado
Está com nada
(O que importa
É outro mundo)

Reconstituiu passo por passo seus passos já passados e só aumentou dor de cabeça. Desceu até a cozinha e passou pela mãe - sem nem se importar em esconder a cara de ressaca ou o fedor de cigarro. Pegou um pacote de bolacha de água e sal e saiu de casa: a fim de dessalgar suas horas.

Horas amargas: horas salgadas.

Foi ao cinema e entrou sem pagar. Como entrou, não importa: o que é importa é que entrou. E na cadeira mais ao fundo se sentou para assistir ao drama mais melodramático que existia para ocupar sua cabeça para evitar seus pensamentos para quem sabe resolucionar alguma questão existencial que nem mesmo Sócrates desvendou quando na verdade Sócrates não desvendava, apenas perguntava. No filme, uma mulher ia à Africa adotar crianças ilegamente, mas foi pega. Ela não era má, só queria cuidar das crianças. Mas foi pega e mandada à prisão. As crianças choraram. Ele riu. A mulher morreu. As crianças morreram de fome. Ele comeu as bolachas de água e sal. As luzes do cinema se apagaram. Ele amassou o papel e jogou no chão. 

Foi-se embora.

Do teu gesto mais pequeno
Escreve-se o destino.
E do teu papel jogado fora
Passaste o pente fino
Na tua história.

sábado, 19 de junho de 2010

Boneco de pano Parte 1 e 2

Quem acompanha essa Polaroide há mais tempo, lembra de que uma vez eu postei um texto sobre boneco-de-pano. Pois bem, fiz outro texto relacionado. Vou repostar o primeiro, para quem não leu.



Primeira Parte
Eu tenho pés-de-pano ao levantar da nossa cama e cuidar para que meus passos no escuro não te tirem do mundo que estás descobrindo, um mundo que eu não conheço e nunca conhecerei, um mundo que só tu sabes a entrada e às vezes nem sabes a saída. E assim são meus pés quando discutimos e tu olhas para mim com um olhar que tenta ser intimidador: cuido para não pisar em algumas das tuas feridas que não estão bem cicatrizadas. Meus pés são de pano ao cuidar o que falar quando estás de mau-humor, e também ao sussurrar palavras bobas no teu ouvido (que sei que te seduzem e te fazem derreter). Tenho mãos-de-pano ao escrever poesia no espelho do banheiro e ao tocar teu corpo como se fosse páginas do meu livro favorito. E assim se fazem as minhas mãos enquanto arrumo nossa cama e vejo teus bilhetes que dizem “essa cama me traz melhores lembranças quando desarrumada”. Rio com minha boca de pano. Meu corpo é de pano quando deixo que me toques e me amasses como se eu fosse um boneco; e também sou boneco quando deixo que faças tudo o que queres de mim: e ao costurar um sorriso no meu rosto ao te avistar: e ao te entreter quando na tv só passa propaganda.

Para ti, sou todo de pano, exceto este coração que hoje sente algo tão quente que retalhos de tecido barato não suportam - e meu corpo de pano entra em chamas com tua presença ao meu corpo inflamável.
Sou de pano de manhã até de noite,
e ao entardecer,
amassado por alguém
que esquece que sou feito de retalhos de outras vidas
 - retalhos de outras brincadeiras.

(Sou de pano para ti
e mais ninguém.)

Segunda parte
Mas eu sou de pano e só isso não é motivo para mutilar-me vez que outra, ainda com constância. Nos meus braços de pano, cultivo cicatrizes de costuras e remendos, passagens de brincadeiras que a mim não foram bem. Para cobri-las, são os remendos mas diversos que adoto em meu corpo. Remendos xadrez, preto-e-branco: às vezes um desenho. Saí do banho e fui ao espelho: e vi que em meu corpo são remendos que fazem minha estética: e de mim somente sobra quase nada: pouco tecido vivo e virgem. Toquei meu coração e senti novamente as agulhadas das vezes em que precisei morder meus lábios (de pano já gastados) para esquecer a dor que era remendar o coração já machucado. Chorei com meus olhos de pano pouco usado.

Em meu corpo é que se escondem
Meus segredos intocáveis.
Mas quase tudo é tocável
Num pano já usado.

E meu valor de mercado quase cai
Nos meus remendos
Lembranças de agulhas que feriram
(Que me sangraram)
Feridas que enfim
Me podaram.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Pedaço de Kitsch em Nós Dois



Baudrillard diz que kitsch é o objeto/situação clichê, lugar-comum. Ele dá como exemplos a novela e a flor artificial, pseudo-objetos que se espelham nas características mais importantes dos objetos os quais fazem referência. Ele diz que o kitsch não existe sem mobilidade social. Isto porque era o objeto que as elites usavam para distinguir-se das outras classes, mas, com a emergência das classes médias e a eventual aquisição deste objeto, a elite precisou abandoná-lo e criar outros objetos para poder diferenciar-se.

Pois eu digo que tua vida é cheia de clichês
Dos mais diversos
E românticos
Assim como insensatos.

Teu cotidiano é recheado de kitschs que te satisfazem na maior medida, no momento em que não precisas pensar tanto sobre o mundo, entrar ao fundo, porque o kitsch satisfaz necessidades primárias: do teu consciente que interrompe a busca por respostas a partir da primeira, mesmo que incompleta. Mas o kitsch não serve para o inconsciente, que não para, não para: o que para se separa.

Vives de clichês para confortar o dia
(Mas o dia não conforta)
Também aborta
A felicidade passageira
Que buscar o seu estar
No livro escrito
Interminável na rotina do impagável.

Hoje vi um kitsch na rua, e no ônibus também. Na calçada, e também na faculdade. No hospital, na cafeteria. Na internet, youtube. Na televisão.
E também no
Espelho.

Não quero que te enganes
Eu também sou um clichê
Vivo e respirando
Inventando ainda outros.
E te invento assim também
Dentro de uma carapaça
Que não sei se é sólida
Ou mesmo em gelatina.
Só sei que também somos kitsch
Tu e eu
Fantasia de nós todos

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Hoje é dia de links (importantes)

Hoje eu não escrevo, só quero que invista uns minutos nesse vídeo:





e nesse link:

Reforma revê direitos autorais clique aqui e divulgue pela amor


e relaxa (refletindo) com a música



e para que tu chegue até aqui, eu coloco prosa-poesia:

ainda que dentro de mim
as águas apodreçam e se
encham de lama e ventos
ocasionais depositem pei-
xes mortos pelas margens
e todos os avisos se façam
presentes e nas asas das bor-
boletas e nas folhas dos
plátanos que devem estar 
perdendo as folhas lá bem
ao sul e ainda que você me
sacuda e diga que me ama
e que precisa de mim: ain-
da assim não sentirei o
cheiro podre das águas e 
meus pés não se sujarão na
lama e meus olhos não ve-
rão as carcaças entreaber-
tas em vermes nas margens
ainda assim eu matarei
as borboletas e cuspirei
nas folhas amareladas dos
plátanos e afastarei você
com o gesto mais duro que
conseguir e direi duramente-
te que seu amor não me
toca nem comove e que
sua precisão de mim não
passa de fome e que você
me devoraria como eu de-
voraria você ah se ousás-
semos. 

(Mas apenas e antigamente
guirlandas sobre o poço,
Ovelhas Negras, 
Caio Fernando Abreu)

sábado, 12 de junho de 2010

Amor e Aço



Dá pra saber como as pessoas são pelo jeito como veem os jeitos. De cada um, e de si mesmas também. E os jeitos do mundo. O mundo tem trejeitos. Na neblina o mundo se faz denso, assim misterioso. E na chuva ele não é triste, ele é só pensante. Tem pessoas que são intimistas demais, outras de menos. No fundo todo mundo é meio hermético: mas é preciso estar perto: é preciso ver de perto. Às vezes é preciso uma lupa. Às vezes não. Às vezes é bom usar as vezes que a gente tem para conhecer os outros.

Sempre é bom usar as vezes para conhecer o mundo. Para não deixar de se conhecer: e pra não se esquecer que

Tem gente que respira poesia
E tem gente que a expira.
A gente faz respiração de amor e ódio
Abraço
Amor e aço

Tem gente que ressalta a tirania dentro da gente
Que gosta de habitar a gente

Tem gente que exalta a compaixão
Aquela que se faz sem se notar.
Essa gente
É a que move o mundo

Não pros lados
Mas pra frente.
Essa é a gente que faz um bem pra gente.

Eu quero que coloque a mão no diafragma
E aperte
Expire a poesia que tem dentro de ti
Largue ela em forma de palavras
Aos que estão ao teu lado
Ao que se quedam calados
E também desprotegidos.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Exagero nas tuas horas

Tenho medo de que as águas do passado interfiram nos mares do presente. Que não comando pois não sou capitão: vivo à mercê de forças em que navegi porém incompreendo. Forças incontidas: forças não medidas.


E agora
Sem saber
Andando por uma rua bem fechada
Exagerada
Essa maneira de levar as coisas
Que não há como conter
Não há como saber
O que virá
O que terá
Amanhã de manhã
Nadando em águas novas
Que me lembram de outras velhas
Histórias
De contar
Para depois.

Exagero nas tuas horas
E nas revoltas
Que parecem não ter razão
Mas com a emoção de saber
Que há com o que se revoltar
Sem esquecer de antemão
Que não precisa se importar
Além de ti
E do mundo
Todos nós
Sem sermos nós
O que importa é a solidão
(Conjugada)
O silêncio não-armado
E a palavra bem usada.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Há tanta morte na tua vida já passada

"Sobrevivo, mas pela insensatez"
(Lya Luft)

Insensato de estar sendo alguém que escolhe um caminho sem saber se é o certo, mesmo sabendo
que esta é a escolha que todos fazem
que todos tomam
porque todos escolhem um caminho para si
e esquecem de outros tantos
ao tomar essa escolha.
E impensado este viver que analisa cada escolha
e pensa e sonha
reluta em aceitar
que uma escolha tomada é resultado de outras tantas relegadas.

Em tom desesperado olho para frente e olho para trás e reafirmo para mim: que todo o momento vivido é resultado de uma escolha que apesar de pensada é impensada, porque não há mais emoção do que viver algo sabendo que se deixa de viver algo.
Cada escolha é mar
fúria e vento
moldando as areias do amanhã.

Cada escolha é morte. E vida.
Porque nossa vida é vivida de umas mortes.

sábado, 5 de junho de 2010

Cada gesto é linha largada ao relento

Cada gesto teu é linha largada ao relento
de manhã. Uma seta desenhada
para ter mais um motivo pra pensar
na realidade mística de poder viver
algo que motive um pensar
do já vivido.

Desenhei teu traço de manhã na esperança de lembrar o traçado da tua dança de de noite. Algumas memórias são fortes,
mas eu sou ainda
mais.

.

Esse negócio
de dormir de concinha
é tudo uma mentira
daqueles que não dormem
com ninguém.