quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Número 273

Fazer poesia hoje é difícil
Porque todos antes de mim já disseram o que era pra ser dito
Então não me resta nada
Além de redizer tudo
Para que as gentes não se esqueçam

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Para falar a verdade eu acho a coisa mais engraçada o fato de que a maioria das pessoas que vemos, um dia vai cruzar conosco e fingir que não se lembra.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Varsóvia

Era o primeiro Natal que não passaríamos juntos. Viajaria para a Polônia. O fato de ele viajar não era algo que por si só me incomodasse, mas essas datas simbólicas sempre têm uma poder de mexer com a gente. Óbvio que era só uma janta sem ele, mas também era o Natal sem ele. Eu realmente não sou católico, mas a ceia do dia 24 não é de religião. Não mais: hoje é ceia de união, de comunhão e compartilha. Estava mais triste do que eu, também pelo fato de que passaria a data sem qualquer pessoa conhecida, e essa sua tristeza ajudava a alimentar em mim a reticiência de passar o Natal sem sua companhia. O que é um pouco ridículo, porque passamos 22 anos sem o outro. Isso de lamentar-se pela solitude é um pouco de manha e de vício. Ao menos é o que eu acho. Bom, no momento eu tentava descobrir o que ele achava, porque ficava quieto nas cadeiras do aeroporto interrompendo o olhar somente para averiguar as horas no relógio. Óbvio que estava nervoso e dotado de receios, mas não havia como esperar menos do que isso. Quando me comunicou que viajaria durante o Natal, fez menção de dizer que, se eu quisesse, cancelaria a viagem. Não chegou a efetivamente dizer a frase em voz alta, mas engoliu saliva e olhou para o lado como quem se prepara. Antes de tornar a olhar para mim, falei-lhe que seria uma experiência muito boa e que dela tiraria muito proveito. Entendeu o recado, pois em seguida me encarou e sorriu, para depois ir à cozinha esquentar o leite para misturar com café. A situação ficaria um pouco constrangedora se ele efetivamente me pedisse permissão, e eu lhe desse, porque ficaria em entrelinhas que suas ações são necessitadas de minha aprovação, o que não realmente não ocorre. Mas há nos relacionamentos qualquer coisa de um jogo teatral, de encenação e sedução. Sedução não somente em carne, mas seduzir como ato de conquistar, para conseguir algo de seu agrado e que faça o parceiro sacrificar-se um pouco, para evidenciar afeto.

- Você vai se divertir com sua família hoje à noite? – perguntou-me como que pedindo que eu lhe assegurasse que não choraria de solidão no chão da cozinha.

Sim, vai ser legal, vai estar todo mundo junto, afirmei. O fato de estar todo mundo junto não quer dizer nada, mas falei isso como que para dizer que haveria mais testemunhas de meus sorrisos e atos efusivos. Natal tem muito disso, mas também tem em todos os dias do ano, então realmente não me importo muito. Apenas acho desgastante o fato de todos repetirem que o ano passou rápido, que já é fim de ano (e que está tão calor, meu Deus...) e daqui a pouco terei 30, 40, 50 anos, sempre números cheios que atestem a velhice e, em suas cabeças, porquês de degradação e morte.

- Como comemoram o Natal lá mesmo? – disse-lhe para fazer com que parasse de pensar em mim e passasse a se imaginar lá.

- Eles não comem carne vermelha no dia 24 e fazem uma espécie de cerimônia de perdão para afastar os sentimentos negativos.

Hm. Engraçado que aqui no Brasil, só se pensa em sentimentos negativos nas festas quando alguém se pega no pau. Quando não há nada parecido, tudo é lindo e maravilhoso. Falei-lhe isso. Riu e disse-me que eu pensava isso porque não era de família italiana. Não vi qualquer relação à vista, mas lembrei-me de sua parentada gesticulando e falando alto, Caroline está casando com um homem cujo pai delira em uma cama de hospital, diz que é filho da vida e da morte, que tem pais do mesmo sexo que brigam todos os dias para saber quem fica com a guarda dos filhos. Na hora eu ri alto, mas cheguei à conclusão de que o velho era, afinal, mais lúcido do que muita gente.

Somos todos filhos de Adão e Eva
E da Vida e da Morte
Pedimos misericórdia e um pouco de esperança para encarar o espelho
Enxergar não só olhos e nariz e cabelos
Mas um pouco de alma
E de força nos olhares que sustentam nossa carne

A voz feminina avisou que ele deveria embarcar. Passageiros para Varsóvia etc. Não entendi muito bem na hora porque meu coração bateu mais forte, e nessas horas em que o coração bate mais forte a gente se transporta para outra realidade: não falamos a língua que nos habituamos a falar, suamos mesmo recém saídos do banho, cegos mesmo em um salão enorme de um aeroporto asséptico. Nos levantamos vagarosamente. Perguntei se estava ansioso ou angustiado.

- Acho que já vivi em tanta angústia e ânsia que me habituei com ambas – respondeu-me enquanto dava a mão direita. Engraçado como conseguiu ser poético sem ser piegas ao mesmo tempo. E sem faltar com a realidade também. Gosto de sua poesia.

Chegando perto do detector de metais, encarou-me e disse-me que traria todos os jornais diferentes que encontrasse. “Esquece isso e vai gastar tempo com você”, eu respondi. Óbvio que achei o máximo ele falar isso, mas também me controlei para não ficar com um ar de convencido. Não adiantou.

- Mas não vá ficar convencido – disse sorrindo enquanto passava o indicador no meu queixo.

Enveredou-se pela ala de embarque.

Nunca mais o vi, porque uma semana depois foi esfaqueado por uma prostituta enquanto tentava forçá-la a fazer sexo sem camisinha.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

E quando vier a hora do arrependimento

E quando vier a hora do arrependimento
Direi que vá embora
Basta de arrependimentos
E de melancolias antes de pegar no sono
Não me agradam os sentimentos soturnos
E aqueles que dominam a razão quando não estou a vigiando
Chega de querer voltar para trás
Olhar para por cima do ombro nunca me fez prever o futuro
E também não quero saber de futuro
Não quero saber de horas
Por mim que as horas cheias queimem
E sobrevivam somente aquelas vivas
De números iguais, em pares agradáveis
12:12
Dez e dez
Números elegantes que me façam pensar
Que minha cama não é habitada só por mim.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Guerra nos céus

E saberão dos meus desagrados e desgostos
Me pegarão pela mão e dirão que
Não
Que ainda não é a hora
Que não devo manifestar-me
Que devo calar-me até segunda ordem
Divina, maléfica em segundo plano
Até que conquistem o paraíso onde deuses habitam
Fazem orgias, bebericam vinho seco
Estalam suas línguas preguiçosas
Até que tomem o poder dos poderosos
É minha missão quedar-me quieto
Então beberei champanha importada
Brindarei aos meus defeitos
E cuspirei na cara destes que me dominam até que
Sim
Subirei aos céus
Vestido de armadura dourada e sapatilhas leves
Baterei à porta do paraíso e multiplicarei o ódio que dominará as minhas entranhas
Anjo contra anjo, deus contra deus
Todos haverão de apunhalar-se
Beberão seus vinhos secos enquanto portam espadas afiadas
Lâminas machadas de sangue nobre
Um a um
Lutarei contra deuses alados
Faca contra faca
Deuses sábios, promíscuos, sacerdotes
Homossexuais, arrogantes e pernetas
Deuses em poltronas confortáveis
Tronos ornados a dentes de macacos
Ossos já fedidos, clavículas de uma guerra antiga
Tapetes vermelhos de sangue divino
Bobos da corte revoltando-se
Tomando o poder
Degolando deuses gordos e barbados
Vinho repartido
Pão de centeio já dormido
Dominando mais um desagrado
Que hei de deixar para o amanhã

domingo, 19 de dezembro de 2010

Feliz em um ônibus lotado

Eu nutro profunda fé na humanidade ao ver carros se jogando ao meio fio em uma avenida congestionada para dar passagem a uma ambulância com a sirene ligada.

Porque é como se um mar se abrisse para dar passagem à vida e é como se, no fundo, todos soubessem que há coisas mais importantes do que chegar o mais rápido possível ao seu compromisso. É como se no fundo soubessem que no momento o outro é mais importante do que si mesmo, e isso


impulsiona o meu mais íntimo, porque me lembra de que a indiferença e o egoísmo não são a pura essência do ser humano.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Número 257

E se há lições para se aprender
Não é hora de deixar o jogo acabar
Entre todos nós
Que fazemos parte deste tabuleiro
Chamado vida
Onde não sabemos quem controla os dados...

domingo, 12 de dezembro de 2010


Por Viviane Mosé 

acho que a vida anda passando a mão em mim.
a vida anda passando a mão em mim.
acho que a vida anda passando.
a vida anda passando.
acho que a vida anda.
a vida anda em mim.
acho que a vida anda em mim.
a vida anda em mim passando.
acho que a vida anda passando a mão em mim.

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lágrima é dor derretida
dor endurecida é tumor
lágrima é alegria derretida
alegria endurecida é tumor
lágrima é raiva derretida
raiva endurecida é tumor
lágrima é pessoa derretida
pessoa endurecida é tumor
tempo endurecido é tumor
tempo derretido é poema

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O último poema a ser escrito

Este é o último poema
A ser escrito pelo ser humano
De todos, o último
Emitido pelo cérebro
Não é tão bonito quanto os primeiros
Mas é o último, e isso
Ninguém tira dele (ele,
Que é o último poema a ser escrito).
A humanidade toda
Ovaciona este poema
(E todos choram de tristeza...)

O último poema.
Quando acabares de lê-lo
Não haverá mais nada, exceto
A releitura de poemas.
Então todos irão relê-lo sem parar...
(Este, o último dos poemas)

O planeta todo chora
Achando que é o fim da poesia.
Todos erram, no entanto:
Poesia se renova. Todo o dia
Todos fazem poesia
Nos diminutos atos, ao acordar
No mais cego beijo ao amante
(No beijo do amante mais que cego)

Todos choram com o fim da poesia
Exceto o menino inocente que dança sozinho:
Na pista de dança, o único
A celebrar a alegria. Não chora
Porque ele próprio é poesia
(Não chora porque o tempo é ele).

O menino é renovação
Assim como a poesia: o menino
É o círculo da vida
Que gira e move as águas da razão...

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Pedro

Há uma pedra em minha frente: branca
E preta, do tamanho de um boi.

Encaro a pedra como se ela pudesse me encarar
E de repente sinto o que ela sente, a terra
Fria e o sol aquecendo em cima.
E de repente sou a pedra,
Toda ela, todo eu, sou Pedra.
Não, não Pedra
(Porque meus pais me fizeram masculino), sou
Pedro. E como gosto de sê-lo
Pedro, e totalmente dentro dele, eu o sou
E nisso perco minha identidade anterior.

Agora sou novo
Pedro, por todo
Redondo, preto e branco

Um casal se deita sobre mim
Trocam juras de amor
E de repente sou todo paixão e sangue e sexo
Sou vários fluídos, sou
(Masculino e feminino) ambos, ele
E ela, sou o amor dos dois.
Os corpos tremendo sobre mim,
Sou vários. Pedro, Ele e Ela, amor
E gozo e sentimento
(Se não fosse a pílula, seria ainda mais
De mim, que agora não sou...)
Sou redondo, preto e branco, vermelho
De sangue através das veias
Sou branco (não de gozo mas das mentes no orgasmo)
Sou Pedro, e não Pedra
(Porque me fizeram masculino)
Sou luxúria e paixão, o calor
Do sol e dos corpos, sou
Pedro e pedra
E por agora só
Pois o casal se foi embora
Com todo o amor que eu era
(Então sou só Pedro
Preto e branco, redondo)
O casal foi embora,
E eu

Transformei-me em poesia,
Sem rima, no papel em branco,
Sou todo êxtase e alegria de se ver,
Eu sou poesia: Pedro,
Preto e branco, redondo
(Do tamanho de um boi), poesia
Lida de manhã ou meia-noite,
Palavras musicais, sou todo o ar
Que preenche tua mente, sou
Pensamento à espera da fusão

E de repente sou você,
Pedro e pedra,
Tua visão
De poesia e de amor
(Sangue e gozo)

Tudo o que você pensou ser
E que será em um dia.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Flauta Doce

Sabe o que é um soneto?
eu também não sei muito bem
olhei para dentro de mim
e falei
sai, sai daí um soneto ou então
uma poesia mais chata
porque acho sonetos chatos
vamos ver no que vai dar
essa poesia difícil
mais hermética
vê se sai daí
saiu a canção da flauta doce
não é um soneto
porque estes tem quatro estrofes e uma composição fixa
versos deca e dodecassílabos
a canção da flauta doce, não
ela é mais simples
deixa eu entoar:

caham

deixa eu ajeitar a voz
a garganta tá seca

caham

Canção da flauta doce
Tocada de manhã
Servida com bolachas e mel

Canção da eternidade
Cantada por alguém com a morte
Pautada em seu caminho

Canção que alumia
Que leva o fogo-fátuo
De volta à sua origem

Canção das suas origens
Que trazem de volta
O passado e sua vertigem

Canção da flauta doce
Canta para mim uma canção de ninar bem
(E que me rememore quem sou eu...)

cantei agora
obrigado por sua atenção
adeus.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Medos

Ah, não, eu admito: sou todo medos

Medo de aprender a voar
E prever minha morte do céu
(A morte, temo-a muito)
Imagina se eu não morresse nunca...

Também temo perder as consciências
(Ambas, pois tenho duas)
Medos de desaprender a me expressar
E perder o verbo, medos
De me apunhalarem enquanto durmo
(Já me basta enquanto acordado)

Sim, medos
De perder a fé na fé
Que por agora é o que me move
Medo
De perder o movimento
E o time com as pessoas
(Medo de perdê-las todas), medos
Que me tomam o corpo
E me tiram o ar

E fico cheio de dedos para o ser e o estar.