sábado, 30 de janeiro de 2010

Roupa Nova


Gosto quando olhas pra mim e dizes que tenho cheiro de roupa nova. Sei muito bem de todos os conceitos que tens de mim implícitos neste elogio, e também sei que muitos deles são irreais e não correspondem à realidade; mas fico quieto, porque sei que isso acontece por estares blindada pela paixão. Eu também devo ter alguns conceitos assim, fantasiosos de ti, mas gosto que assim fique: quando der-me conta de que são irreais, ficarei feliz, pois saberei que nosso relacionamento amadureceu. Roupa nova é assim: tem cheiro bom e parece que ficou a vida toda de molho no amaciante, e

a gente têm um cuidado especial no começo, todo um mimo para que não amasse, não suje, e

quando usamos, intimimamente temos vontade de dizer para todo mundo: "olha minha roupa nova", mas não falamos, por ser puramente ridículo sair falando pros outros sobre a nossa roupa nova - nos salvamos por só pensar, e não falar -, e

dá um dó quando usamos e vemos que ela ficou fedida, e temos que a colocar para lavar: um saco, quem é que gosta de lavar roupa suja?, mas lavamos e assim vamos levando a nossa roupa, e

por motim individual, dá-nos qualquer vontade incontrolável de sairmos com nossa roupa nova para lugares que nunca iríamos com ela, pelo simples fato de estarmos com roupa nova e parece que ela nos acompanha; e assim vamos a lugares que nunca fomos antes e lugares que não costumávamos ir e lugares que outras pessoas sentiriam-se deslocadas, mas nós não, porque estamos com roupa nova, e

também sei que muitas pessoas, quando perguntadas sobre onde acharam a roupa nova, dizem, apareceu no meu armário, e bem sei que és uma dessas pessoas, e bem sei que

apareci inexplicavelmente em teu armário, como que se tivessem me metido lá, não sabes como e tampouco sei eu; só sei que apareci como se fosse por destino, e agora estou nesse teu armário que  só entram roupas especiais, esse armário que apesar de armário é tão claro e quente, esse armário que me faz me sentir tão bem e que me guarda como uma fortaleza, esse armário que hoje me guarnece, esse armário que dizem que é coração.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Sofridão [2]

Fatídica e obviamente, escolhes que queres ele ao teu lado, para todo o sempre que quiseres lembrar. Então vocês se unem e têm uma história feliz: ele tem um bom hálito de manhã cedo, e tu fazes uma torrada e uma xícara de café-com-leite; ele te leva ao cinema uma comédia romântica que te faz feliz: ficas feliz porque te projetas para dentro da película e vês que vocês dois são retratados ali, com a exceção de que não são tão famosos. Um belo dia discutem, pode ser uma coisa idiota, pois pouco importa, deviam discutir. Os ânimos exaltam-se, ele fica quieto e tu bradas palavras que ricocheteam voltam para ti como um bumerangue. Esse bumerangue volta nas tuas pernas, e uma vontade de deitar se apodera de ti. Deitas e quando acordas, vês o bilhete na cabeceira que diz, esse é um amor que provou da dor só pra se divertir. Fazem as pazes e

Vês que já decidiste e já enverdaste por um caminho que não tem volta, um caminho que trilhas ao lado deste alguém que já faz parte de ti, este alguém ontem ninguém amanhã lhe tem

(viste que em certos momentos fazes comédia romântica outrora um drama bem irreal - para depois tentar atuar em blockbuster que aspira ao sucesso (gasta milhões) para ganhar milhões e não dar nada a ninguém. Nem tudo o que se dá se ganha e agora sabes uma frustrada dona de casa com filhos pra criar e ao que parece qualquer escolha te trará sofridão - mas de que adianta saber disto agora já que estás num poço que não tem mais fim)

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Isso é meio que um conto, sei lá, eu tô colocando por partes porque me deu vontade. Tá meio estranho, eu sei, mas comecei a escrever e o texto saiu desse jeito mesmo. Todos os erros de português são de propósito, eles também são a alma do texto.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Sofridão

Racional e inteligentemente escolhes que é melhor não, que te machucarás, compartilham os mesmos amigos e se vocês terminarem? então o alguém te liga e diz, vamos nos ver?, e dizes, melhor não entenda minha decisão. E ele para por ali, mas tu não, pois antes de te dares conta é mais do que atração e queres seu corpo encaixado no teu. Já não podes, pois ele agora namora, e, veja só, foi tu que ajudaste no momento em que aconselhaste: "vai e te declara". Falaste isso sem arrependimento, mas com uma vontade de chorar, afinal isto era o certo a fazer, porém ainda te dói vê-lo de mãos dadas com outra pessoa. És forte e ainda convive com aquilo que parece ser o motivo do teu acordar e do teu dormir, pois sabes que sonharás com um mundo que não é real. Às vezes, vês ele acariciando aquele ser que não é tu, e parece que sentes a mão que mexe no cabelo e desce ao pescoço e massageia os ombros. Quando chegas perto dele, sentes um impulso que manda tocares no braço dele e a face dele e o peito dele e pensas, estou enlouquecendo? À noite, deitas e decides que é melhor não sonhar com aquele que esfola teu coração todos os dias; mas talvez por justamente ter tomado esta decisão, ele povoa teus sonhos de maneiras novas que jamais havias pensado em estado de vigília. Acordas e dizes para ti: "Hoje eu me afasto", então tem atitudes frias para esconder todo o calor que te queima por dentro. Ele vem e te indaga, porque estas palavras duras, que fez ele para ser tratado assim?, e pensas em dizer que o odeias por não ter feito nada, um ser que é tão pacato e não atenta contra ti, e por isto mesmo que o odeias, porque nem mesmo para levar a culpa serve e nem mesmo para odiar serve. Na verdade, tu te odeias. Mas não fazes isto, apenas dizes: "Me dê espaço", e sais a chorar intimimamente com vontade de atear fogo em teu corpo

(percebeste que não querias ele mas sua representação era todo o corpo representando a proteção que nunca tiveste ou pareceste não ter e viste que apesar de amá-lo e querê-lo bem amas muito mais e queres mais bem a ti . Decides sair do poço que não tem mais fim)

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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Meu nome é Libra

Eu sempre soube o porquê de certas coisas. Era como se me viessem e perguntassem, ei, qual é a cor do seu cabelo? Eu diria, é castanho claro, assim como eu responderia que as pessoas traem porque se perdem dentro de si mesmas. Perdem-se assim, como em um labirinto, alguns ainda acham-se antes do fim do jogo, outros nem ao menos conseguem sair da primeira parte. E outros têm cabelo preto e pintam de loiro, mas isso é só para os mais comuns (os especiais fazem luzes).

Às vezes meu amor vinha e perguntava, você me ama ou só quer meu sexo?, e eu dizia, os dois, pois sabia que era isso que queria ouvir, ouvir que eu desejava sua carne e alma acima de tudo, que ainda era sexy e atraente, e que mesmo após o tempo passar, e sua pele cair, eu continuaria amando e requisitando sua presença. É isso o que acabo fazendo de vez em quando, eu falo o que os outros querem ouvir, é sempre bom colocar um sorriso na boca de uma pessoa. Melhor ainda é sentir que eu coloquei esse sorriso. É assim que eu sou, eu sou Libra e gosto do equilíbrio, mesmo que esse equilíbro seja falso, o que importa é eu estar com a sensação de segurança. Assim eu me mantenho, eu só me relaciono com pessoas que me dão estabilidade, eu gosto de sentir-me protegido e seguro, por isso sempre sou o imaturo em todas as minhas relações. Mas é bom ser imaturo, é como quando você é criança: a responsabilidade nunca é sua, pois você não tem maturidade o bastante para lidar com os problemas. Desta maneira, eu me eximo de todas as grandes preocupações, já que todos que me cercam fazem-no por mim. Não me importo que pensem que sou criança, que sou inocente, mal sabem que entendo tudo o que fazem por mim: os cuidados, os mimos, as piadas, as falsas superioridades. Eu entendo o que cada um pensa e também entendo o que pensariam caso soubessem que eu sei o que sei. Por isso finjo ser imaturo, para preservar o equilíbrio, assim nada mantém-se fora do lugar. Os dias passam, meus amigos conversam comigo e riem por eu não entender certas colocações, meu amor protege-me das maldades do mundo, e eu sigo sendo feliz, nesta minha existência que de fora, é medíocre e rasa, mas para mim, é impossível ser mais densa, pois preciso medir todas as possíveis reações de cada um para que, então, possa agir sem afetar o equilíbrio, fato este que exige de mim grande habilidade de raciocínio. Meu nome é Libra, e eu sigo um corredor que será sempre infindável, numa vida que aparenta ser uma coisa mas é outra. Os meus desejos são os passos do fantasma que me resta, e os meus fanstasmas são as pessoas que me cercam. Vez que outra estes fantasmas tentam me dar um susto, mas eu apenas finjo que não entendo e tudo volta ao normal. A convivência humana é moritificante para alguns, mas é extremamente prazerosa para mim, e é por tudo isso que digo que a ignorância é a benção dos inteligentes, pois podem optar por usá-la da maneira que bem entender. Cada um faz o que pode em relação ao que tem.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Coisas que não suporto




Trocadilhos. Será que eu preciso explicar? Trocadilho é a indigência do engraçado. É o humor pobre, fraco e vivendo de esmolas. É o sistema cognitivo usado da pior forma possível. Nada mais representante da masculinidade porcaria do que um trocadilho.
[...] gente burra com cultura. Abro parênteses para esse tipo insuportável: o burro com repertório. É, talvez você se enquadre nesta categoria. Burros que entendem tudo de filosofia, que leram todos os clássicos. Burros cinéfilos - esses eu odeio. Quer despertar meu instinto assassino? Me põe num festival de cinema. Pior que burro cinéfilo, só burro que entende de medicina holística e burro que tem boa dicção. Meu Deus, como é que pode? Burro que fez aula de teatro e aprendeu duas coisas: a mastigar as sílabas e tudo sobre Brecht. Burro que manda o convidado tirar os sapatos na sua casa para não afetar o karma. Burro que cita matérias dos cadernos culturais para embasar suas burrices. Tipo: "Eu li um ensaio de um cientista político - aqueles que lembram o nome do cara me reviram o estômago - ontem na Folha e ele falava justamente isso que eu acabei de dizer". Odeio, odeio, odeio. Gente que cita Contardo Caligares me faz perder a fé no ser humano, sério. Os termos: "eu costumo brincar que...",  "fulano é tudo de bom",  "axé para você". [...] Mulheres que posam nua e dizem que é arte. Carnaval também, é claro. Carnaval é um tipo de burrice feliz, dias em que todo o tipo de mau gosto é incentivado. [...] Ah, lembrei: não suporto folclore. E não aguento culpa cultural - aquelas coisas que a gente tem que gostar, porque é legal gostar.

Tudo que você não soube - Fernanda Young

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O Lado Fatal

Eu acabei de ver que essa é a 201ª postagem, e eu realmente queria trazer algum presente pra vocês. Então aqui tá uma das melhores poesias que eu já li na minha vida. É Lado Fatal, da Lya Luft. O marido dela a recém tinha morrido e pelo que contam, era o verdadeiro amor da vida dela. É uma poesia muito, muito bonita, e se vocês lerem até o final, não vão se arrepender. Ela consegue transpor o sentimento que a possuía no momento, sem contar que é uma poesia direta, sem mistificações e rodeios. São essas poesias que me atraem, essas palpáveis, sem mistificações, eu gosto de coisas diretas, quando você mistifica demais você acaba deixando a poesia hermética, e pra que você quer deixar uma leitura hermética? Leitura é pra todos, quanto mais universal, melhor, e quando a poesia é direta, atinge mais o povo. É preciso acabar com a imagem de que a poesia é uma coisa de gay ou do século passado, e, na minha opinião, é por meio de poesia direta e sem rodeios que se chega lá. Enfim, sabe quando você lê algo e depois sente que amadureceu? Pois bem, eu senti isso, e espero que vocês sintam também.

I

Quando meu amado morreu, não pude acreditar:
andei pelo quarto sozinha repetindo baixo:
"Não acredito, não acredito."
Beijei sua boca ainda morna,
acarinhei seu cabelo crespo,
tirei sua pesada aliança de prata com meu nome
e botei no dedo.
Ficou larga demais, mas mesmo assim eu uso.


II
Muita gente veio e se foi.
Olharam, me abraçaram, choraram,
todos com ar de uma incrédula orfandade.


III
Aquele de quem hoje falam e escrevem
(ou aos poucos vão-se esquecendo)
é muito menos do que este, deitado em meu coração,
meu amante e meu menino ainda.
 
IV

Deus
(ou foi a Morte?)
golpeou com sua pesada foice
o coração do meu amado
(não se vê a ferida, mas rasgou o meu também).
Ele abriu os olhos, com ar deslumbrado,
disse bem alto meu nome no quarto do hospital,
e partiu.


Quando se foram também os médicos e suas
[ máquinas inúteis,
ficamos sós: a Morte (ou foi Deus?)
o meu amado e eu.
Enterrei o rosto na curva do seu ombro
como sempre fazia,
disse as palavras de amor que costumávamos trocar.
O silêncio dele era absoluto: seu coração emudecido
e o meu, varados por essa dourada foice.
Por onde vou deixo o rastro de um sangue denso
[e triste
que não estancará jamais.
 
V

Insensato eu estar aqui, e viva.
O rosto dele me contempla
vincado e triste no retrato sobre minha mesa;
em outros, sorri para mim, apaixonado e feliz.
Insensato, isso de sobreviver:
mas cá estou, na aparência inteira.


Vou à janela esperando que ele apareça
e me acene com aquele seu gesto largo e generoso,
que ao acordar esteja ao meu lado
e que ao telefone seja sempre a sua voz.


Sei e não sei que tudo isso é impossível,
que a morte é um abismo sem pontes
(ao menos por algum tempo).


Sobrevivo, mas pela insensatez.


VI
Pensei que estávamos apenas no começo:
a casa mal-e-mal nos alicerces.
Mas provavelmente estava concluída
e eu não sabia.
Tínhamos erguido em nossos poucos anos
as paredes necessárias;
o telhado se inclinava ao jeito certo,
e havia vidraças nas janelas.
(Éramos felizes ali dentro
mesmo com as tempestades de fora.)
Tudo se construiu num lapso tão curto:
até a porta de entrada, por onde ele saiu
casualmente como quem vai comprar jornal.

A porta está apenas encostada
embora pareça alta, dura, intransponível:
do lado de lá, o meu amor vê as maravilhas
que tanto nos intrigavam nesta vida.


VII
Tanto escrevi sobre a morte
em livros e poemas nesses anos:
sempre achei que a entendia um pouco.


Mas agora que ela me dilacerou a vida,
me rasgou o peito,
me levou o amado,
sinto que mal começo a compreender
sua mensagem:
tirando-o de mim, a morte o devolve
para que seja mais meu.


Dentro de mim um quebra-cabeças, e nele
[o meu amado.
Nem Deus o tirará daqui.
 
VIII

O meu amado morreu:
viver sem ele, como dói.
Não tivemos filhos juntos,
nosso passado foi tão breve que era sempre
[presente.
Um dia ele mandou fazer um par de alianças
de pesada prata, parecendo antigas;
gravou apenas nossos nomes, sem data, e disse:
"Somos um só desde sempre."
Ainda não acreditei em sua morte,
e talvez isso me salve por enquanto.
Levantar-me da cama cada dia é um ato heróico,
acender o cigarro, atender o telefone, tomar café.
Mas faço tudo isso:
falo, ando, recebo visitas.
Compro móveis para a casa onde moro sem ele,
imaginando: será que ele vai gostar?


De algum secreto lugar me vem a força
para erguer a xícara, acender o cigarro,
até sorrir quando alguém me diz:
"Você hoje está com a cara ótima",
quando penso se não doeria menos
jogar-me de um décimo-primeiro andar.
 
XIX

Amado meu, agora morto,
postado do lado de lá da fronteira que nos seduzia,
mudo e quedo como se não existisses:
eu sei que existes,
intensamente, ardentemente existes,
feito e desfeito no fogo de um amor maior que
[o nosso
mas que nos abrange.


Amado meu, morto agora e para sempre vivo,
hás de ter ainda o intenso olhar que me entendia,
as curvas amorosas da boca que chamou meu nome,
as belas, inquietas mãos que ardiam nas minhas.
Ajuda-me agora, silencioso que estás,
a suportar a sobrevida
e a decifrar esse alto, intransponível muro que me
[cerca.


X
Nunca tivemos filhos juntos, e ele reclamava:
"Nosso amor merecia um filho ao menos".


Nosso filho é a minha dor de hoje,
é a fulguração que nos deixava tontos,
é o novelo da memória que teço e reteço
nas minhas insônias.


Nosso filho é o meu tempo de agora
para falar do meu amado:
da sua força e sua fragilidade,
da sua indignação e seus prantos,
da sua necessidade de ser amado e aceito
como finalmente deve estar sendo, por inteiro,
na realização de todos os seus vastos desejos.
 
XI

O meu amor enveredou por sua morte
como quem vai a um encontro de amor:
impaciente.
Deixou-me este coração golpeado,
esta derrota.
Mas também ficou a claridade desses anos
e a sensação de que ele finalmente
vive o encontro de amor
que toda a devoção de minha vida não lhe poderia
[dar.
(Um dia, celebraremos juntos.)


XII
Se me tivessem amputado braços e pernas
e furado o coração com frias facas
e cegado meus olhos com ganchos
e esfolado a minha pele como a de um podre bicho
- nada doeria mais
que te saber morto, amado meu,
depositado
nesse irremediável poço de silêncio de onde não
[respondes.

(A não ser em sonho, quando me olhas
e tuas mãos tocam as minhas espalmadas,
abertas, feridas, vazias.)
 
XIII

O meu amado morreu:
preciso viver sua morte até o fim.
Morreu sem que se instalasse entre nós cansaço e
[banalidade.
Talvez tenha morrido na medida certa
para nada se desgastar.
Dele me vem a dor, mas também a ternura,
a claridade que me permite ver
em todos os rostos o seu rosto
em todos os vultos o seu vulto
e ouvir em todos os silêncios
o seu inesperado riso de criança


XIV
Estranha a vida:
fico tangendo meus dias
como um rebanho de ovelhas desordenadas
nessa triste e fria cidade de Porto Alegre
onde ele gostava de estar
olhando o pôr-do-sol e vendo amigos.
"Morrer é tomar um porre de não-desejo"
dizia o meu amado, que era um homem desejoso:
desejava a vida, desejava a morte, desejava
[a justiça,
desejava a eternidade e a paz.


Estranha a vida:
quando releio uma frase sua,
"viver é modular a morte",
em sangue e dor preparo a minha ida.


Estranho também esse amor,
com hora marcada para a mutilação
da morte, o minuto acertado,
e o fim consultando o relógio
para nos golpear.


Estranho esse amor de agora,
com meu amado atrás de um espelho baço
onde às vezes penso divisar seu vulto
como num aquário.
Enrolado em silêncio,
mais que nunca o meu amor comanda a minha vida.


XV
Não falem alto comigo:
andem sempre na ponta dos pés.
Principalmente, não me toquem.
Finjam que não vêem se tenho um jeito absorto,
se nem sempre entendo as perguntas
com a rapidez de antigamente,
se pareço fatigada
e sem graça como nunca fui.


Façam silêncio ao meu redor.
Não me interessa nada o cotidiano nem o místico.
Não quero discutir o preço do mercado
nem os grandes mistérios da eternidade
 
XVI

Levo meu amado no peito
como quem carrega nos braços para sempre
uma criança morta.


XVII
Amado meu, que tanto ensinaste
de mim a mim mesma, e do mundo
a quem o conhecia pouco:


quando se desfizer escura a noite desta perda,
quero enxergar pelos teus olhos,
amar através do teu amor
as coisas que me restaram.


Amado meu, vivo em mim para sempre,
apesar da ruga a mais
e do olhar mais triste,
devo-te isto:
voltar a amar a vida
como agora amas, inteiramente,
a tua morte.

Se vocês chegaram até ao final, parabéns. Já podem dizer que leram um livro da Lya Luft. Eu não falei que era um livro inteiro pra ninguém se sentir desestimulado a ler, pela imagem de ler um livro todo em um post. Mas nem é tão grande, afinal de contas.

Enfim, sentiu?

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Acho que isso é um ensaio sobre o eu te amo


E eu sei que vou chover no molhado, mas vou tentar não chover num mar pelo menos. Eu não sou uma pessoa irritável, sabe, não mesmo, eu sou bem tranquilo, já cheguei a ouvir desaforo de imbecil pra não ter que sair no braço. Sabe como é, eu ainda acho que a violência é a pior ignorância de todas. Mas enfim, sabe uma coisa que me irrita profundamente? Esse negócio de falar "eu te amo". Me irrita muito, muito mesmo. Eu não vou entrar no mérito de ser uma palavra forte e sagrada e coisa e tal, acabaria realmente chovendo no molhado. Eu vou entrar em outro (des)mérito.

Um amigo meu me disse que tem medo de amar. E eu disse, hm, e por quê?, e ele me respondeu que tem medo que vá se entregar pruma pessoa que realmente não ame ele. Que hoje as pessoas burras dizem eu te amo sempre, mesmo não sentindo, e não é como se fosse de má-fé, elas só acham que estão amando mesmo. Ele tem medo de que vá entregar-se num relacionamento e, na primeira adversidade, a pessoa deixe ele, pois na verdade não o está amando, e por isso, leva o relacionamento como se estivesse. Sabe-se a diferença entre um relacionamento pautado entre o amor e o pautado entre a paixão. O levado no amor é como o Japão: resiste a grandes fenômenos destruidores, suporta ações e transgressões mais fortes. O relacionamento levado na paixão é como alguma favela do RJ: qualquer tempestade causa uma deslizamento mortal. E agora eu entro no que eu fiquei pensando depois disso.

Acho que, hoje, as pessoas sentem-se na obrigação de amar. Mais, elas sentem-se na obrigação de falar em voz alta isso, e, quando elas não amam, sentem-se mal e falam mesmo assim, numa tentativa de enganar a si mesmo, para buscar uma melhora na autoestima. Os jovens de hoje (de hoje mesmo, eu olho pro lado e vejo isso) são muito, muito inseguros. Os pais não colocam limites, mimam-nos demais, o que acarreta na baixa autoestima dos filhos. Porque é assim que funciona, se a criança não tem limites, ela sente como se estivesse num campo gigantesco, sem limites. E ela está ali, sozinha. Sem ninguém. Sem poder ver onde está a fronteira desse campo. Se eu estivesse num campo assim, bem, eu tenho certeza que ficaria nervoso. A criança também fica assim, mas traduz isso na baixa autoestima, pois interpreta como se os pais não se preocupassem o bastante com ela para mostrá-la onde está a cerca desse campo, e, por não se sentir importante, a criança desvaloriza-se e menospreza-se diante dos outros. Essa falta de limites - e de fronteiras- cresce junto com a criança e permanece com o adolescente, até que ele se dê conta e modifique o seu inconsciente voluntariamente. O problema é que a maioria dos adolescentes não faz isso. Não se dá conta e não faz a menor questão de dar-se conta, pois não vê a importância disso, mesmo que venha alguém e fale (vamos deixar de lado toda a parte da filosofia do experimentar, que, aliás, nem lembro o nome -quem souber diz aí, é um de um filósofo famoso-). Por exemplo, a maioria das pessoas que ler isso aqui vai achar uma merda e vai mudar de site, assim como a maioria das pessoas nunca lê os editoriais dos jornais ou ri do vídeo daquela guria da Malhação que teve uma epifania e conseguiu suportar, ao contrário da Macabéa em A Hora da Estrela, da Clarice Lispector.

Chega-se, assim ao início, o fato de falar-se "eu te amo" descontrolodamente. Sinceramente, quem não gosta de ouvir um "eu te amo" de alguém que você sabe que nutre algo grande por você? É muito bom, é uma sensação que te preenche. Pois bem, muitas pessoas querem causar essa sensação em outras pessoas para, inconscientemente, sentir a gratidão do dito objeto de afeição, para que este agradeça-o, e, por conseguinte, engrandeça-o, satisfazendo seu ego. Aqui chega o ápice do meu raciocínio: as pessoas dizem eu te amo na esperança de fazer o outro sentir-se bem e na esperança da recíproca. Como muitos pais não colocoram limites, seja por negligência, liberalismo pós-ditadura militar ou incompatibilidade com as inconstantes mudanças da nossa sociedade, os filhos sentiram um "menos amor", se é possível de dizer. Compensa-se, então, nos relacionamentos, com o recorrido uso do "eu te amo". É a busca do equilíbro que motiva tudo, pois um diz que o outro é muito importante e vice-e-versa. Por isso vemos pessoas dizendo "eu te amo" no primeiro dia do namoro (!), ou coisas como "você é tudo que eu tenho na vida", e "nós dois, para sempre ♥". Mas não se pode culpar os pais, obviamente. A culpa é dos próprios adolescentes que não buscaram romper a alienação própria, que impede o auto-conhecimento, que, por sua vez, leva a uma sadia autoestima. Quem se conhece não tem baixa autoestima, pois sabe de seus defeitos e qualidades, sabe que uma rejeição não muda a própria personalidade e o valor que se tem.

Claro que, na contramão, chega-se ao outro extremo, pessoas que repelem qualquer sentimento próximo ao amor, numa prepotência exagerada que tenta passar a ideia de que se é bom demais para esses sentimentos mortais. Quantas pessoas que você conhece que não estão em comunidades como "Narcolepsia Social" ou "Frios e Calculistas", tudo isso uma pseudointelectualidade que só mostra outra dose de baixa autoestima. Mas isso já é assunto para outro post.

De qualquer jeito, o "eu te amo" é algo lindo de se ouvir. Ao menos a ideia era essa.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Tudo aquilo que você sempre quis



Toda a vez que você vem à minha casa
eu me preparo:
uma hora fazendo as unhas
e para o cabelo mais duas

um quarto de hora
arejo a casa
o vento entra e vai-se a brasa
(para que eu fume
e conserve meu perfume)

uma hora e escolho a roupa:
um vestido liso, até os joelhos
fico linda e você não me poupa
meu batom é que marca meu espelho

toda a vez que você vem à minha casa
eu me retoco
(para que eu eu fique linda,
e você me veja
para que você me tenha
e eu te eleja)

tudo aquilo que (você) sempre quis

sábado, 2 de janeiro de 2010

De Ana Lúcia Ribeiro Machado para Vera Ribeiro Machado

Mãe, como faço, a minha filha não me ouve mais, ela não me respeita mais, mãe, será que algum dia ela me respeitou? Semana passada eu perguntei a ela como havia sido a aula, e ela respondeu-me aos berros, que te importa?, você quer saber tudo da minha vida, me dá um pouco de espaço!; e saiu batendo a porta do quarto.
Mãe, o que eu fiz de errado, eu só quis demonstrar interesse e preocupação a ela, será que não consegui expressar-me direito, logo eu que estudei durante quatro anos e meio Relações Públicas, eu, uma bacharelada, não sei me relacionar com meu próprio sangue, carne da minha carne, e agora, mãe? Ela que era tão apegada a mim, ela que pegava minhas roupas emprestadas, um batom vermelho, um brinco de argola, um salto de 12cm. Uma peruazinha que me dava preocupação e ao mesmo tempo orgulho; agora usa umas roupas meio sóbrias, uns casacos de couro, uns acessórios de prata, um par de all-star preto que está mais sujo que as unhas dela;
Ok, ok, mãe, eu sei que estilo é estilo, mas não estou acostumada a isso, veja, parece que foi ontem que os seus pés deslizavam para dentro do meu sapato e um andar de travesti encatava a casa toda. E agora, um batom roxo, mãe, roxo, e um cabelo laranja, onde já se viu, minha mãe? Eu sei que ela quer me chocar, eu tenho uma amiga que é psicóloga e ela me deu algumas dicas, mas de que adiantam algumas dicas se eu descubro que a minha filha tem uma identidade falsa? Eu sei que ela deve ter usado no máximo para entrar em alguma festa, talvez para comprar bebida, isso parece ser algo que ela faria. Se bem que nem pedem mais identidade nos postos e mercados, bando de burguês que só quer ganhar dinheiro; mas que me importa, mãe, mesmo sabendo tudo isso, me preocupo, se não o fizesse eu não seria uma mãe, seria uma carrasca. O que eu faço, você que soube lidar com três filhas adolescentes, como você fez? Às vezes ela chega com os olhos vermelhos à noite e evita o meu olhar, será que é maconha? Eu sei que é leve e que não é o fim do mundo, eu mesma já usei duas ou três vezes, mas como sei se ela tem cabeça forte o bastante para controlar-se? Todo o dia sai no jornal sobre o crack, o crack mata, o crack vicia, o crack começa com o álcool e a maconha, pois bem, mãe, agora ela está com a maconha e certamente com o álcool também, será que eu converso com ela? Tenho certeza de que ela vai gritar comigo, vai afastar-se ainda mais, onde já se viu, uma mãe submissa à filha, você deve estar pensando. Mas também não me importa o que você está pensando, você me chamava de lésbica e drogada só porque descobriu que eu me embebedei com minhas amigas, todas elas caxias e você ainda dizia que eram um bando de oferecidas, nunca vi tamanho absurdo, mas mãe, eu não estou submissa a minha filha, estou submissa ao medo. Tem coisa pior que isso mãe? Eu tenho medo que minha filha não tenha medo. E o pior de tudo: acho que ela não tem.