segunda-feira, 31 de outubro de 2011

antecipações.

quando pequeno mantinha distância dos finais
e de todas as coisas que a eles remetiam.
adorava pegar o mapamúndi
ler nomes de país a esmo
e imaginar pessoas em suas vestes
sussurando palavras antes de dormir.

um nome, contudo, perturbava
Finlândia
onde já se viu um país chamado assim
terra de todos os velhinhos
que, como elefantes,
sabiam para onde dirigir-se.

mais tarde descobri em Porto Alegre
o Bom Fim
por que, meu Deus, insistir nesses nomes
e encher uma criança de medo
da morte e do breu do outro lado.

hoje passo por cortinas e sinto calafrios
além de me encantarem as janelas
e seus distintos estados de projeção.

sábado, 29 de outubro de 2011

terça-feira, 25 de outubro de 2011

pensamento

esquecer é um verbo tão cruel
o mesmo digo para obliviar. este, no entanto,
mais bonito.
sempre temi este tipo de junção
a nos tirar o poder sobre as coisas do mundo
como um pássaro que estava nas mãos
mas chega o outro dia e está na hora de sair voando
sabe-se lá em qual ilha foi parar
só nos resta ficar à espera
de que um dia tenha muita fome
e volte com pressa pra gaiola.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

enxaqueca

o caso é que sou uma pessoa muito difícil de lidar
e digo isso sem dirigir-me ao lado da construção imagética
é a necessidade de fazer um poema
como fazem os poetas muito habilidosos
que falam de si porém falam de outros
(então o faço como fazem os loucos)
e devo dizer que sou uma pessoa com jeitos nefastos
e digo isso para que talvez com a escrita eu consiga controlar
esta pessoa muito difícil de lidar
que insiste em se manter em mim mesmo
como se houvesse uma batalha de artes marciais
em que um homem lutasse com os punhos
e o outro com a mente
e insistentemente eu ouvisse suas provocações
mais suas discussões lógicas e causais
um duelo de titãs
quem terá a melhor retórica? e abusará da lógica
na construção de um argumento
que no fim haverá de possuir-me
como dois demônios loucos
fazem com a criatura indefesa
que só quer água e sombra fresca
mais instantes de paz na Terra...

domingo, 23 de outubro de 2011

Maio chega

este poeminha foi escrito em abril,
então faz mais sentido
compreendê-lo como se entrássemos no inverno
apesar de que você pode entendê-lo de diversas maneiras
como um pequeno quebra-cabeças
precisando de desconstrução

veja bem
a língua está toda congestionada
de fonemas afobados na escada
loucos pra descer no corrimão
e se vender nos afagos da tua boca

outona e inverna ao mesmo tempo, o frio
amarronzando nossas folhas
e só gela e corta nossa carne
vela nossa vida
quem disse que ficou nossa lembrança
disse mas não sabe dizer nada
a palavra é um estado de rio de passagem
na esperança de chegar ao outro lado
e quem disse que ficou ao nosso lado
há horas já se foi
o ano passa e a dívida aumenta
o coração sustenta
mas ninguém parece empadecer...

é abril e enmaia minha casa
as paredes mortas pra tombar
e eu louco pra ficar
ficar ao lado dos fonemas
e versar uns versinhos ipanema

o verbo outona...

preciso dizer que tenho gosto pelo ventinho na areia
e me lembro da nietzschiana dizer
"meu rosto tem muita simpatia por ventos"
como se fôssemos todos uma brisa
leves pra voar em meio aos prédios
flagrando casais em sexo:
o louco e o figurado
a magia e o esperado...

(uma vontade de jogar-me ao chão
e chorar e chorar e chorar...)

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Aeroclube

a dúvida do aeronauta
e a minha também:

quando se está no céu
como saber
quando começa e termina uma nuvem
se de cima todas elas são iguais...
como um terreno de algodão e Cia.
onde vivem nossos sonhos
após começar o dia.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

os votos de felicidade e de muito sucesso

todos os homens merecem uma poesia
digo a respeito daquilo
de ser um homem-poema
para ser mais específico
todos os homens merecem ser postos em versos
e refiro-me aos homens e mulheres
sem me ater à questão de gênero

como dizia
todos os homens serão poéticos
digo, em estado de constante desequilíbrio
porque estar num poema é difícil
como andar em dunas de areia
e a cada passo afundar o corpo
como um pobre pobre louco
andando sem fim no desgosto.

todos os homens serão poesia
inclusive o que faz pilhas de lixo
e o outro que separa em latas
este por sua fina preocupação com as camadas da Terra
aquele por sua eficácia em manejar o caos.

o caos promove a poesia.

antes de terminar o poema, deixe-me falar de um homem. por volta de 40 anos, me disse: vestir uniformes pode ser libertador para quem não quer escolher. desde que o conheço em minha vida, sei que usa o mesmo conjunto de calça e camisa cinza. quando criança, a mãe lhe batia por culpá-lo pela fuga do pai, e mais tarde apanharia do irmão mais velho por não saber se defender na escola. confessou-me por fim que era excluído pelos colegas por ser bolsista e não ter dinheiro para comprar roupas de marca. à revelia de seu sofrimento, falou-me a frase que acabei de citar. avistei-o duas vezes na semana seguinte e depois nunca mais o vi.

se foi despedido ou se demitiu, não sei; se faleceu ou fugiu, tampouco. mas disse-me que vestir uniformes pode ser uma liberdade: e hoje, antes de escolher minhas roupas, lembro-me de nossa conversa na escada do edifício. sempre o vi usando o mesmo uniforme. será que se sentia livre? atormentava-o a possibilidade de escolha? não só a ele, como a todos nós também: desde decidir andar em direção à porta do prédio ou não até qual a melhor maneira de contornar os maiores problemas de nossas vidas. vestimos uniformes para nos salvarmos do peso da escolha. tiramo-os ao fim do dia, após o banho quente. despir-se de uniformes ao estar sozinho seria a liberdade máxima? mas liberdade não é medida ao praticá-la em conjunto? deveria ter perguntado ao zelador isso, porém fiquei quieto com receio de fazer com que se arrependesse de sua confissão. apesar de tudo, de alguma forma mantenho-o em pensamento. penso que o tenho dentro de mim, em certas situações. em certos uniformes.

todos os homens merecem uma poesia.
esta é sobre o zelador que num olhar clama por um fim de sofrimento
felicito-o por ter conquistado
ao meu ver, é claro
(apesar de lamentar profundamente...)

alegria, acinzentado!
tu que és homem
e se por homem digo-te sentado
assim ou assado? tu que és homem, infernal!
se te vejo alado te perco de vista ao meu lado
invisível ou abafado?
jamais esquecido!
a famosa alegria?
os melhores votos ao zelador acinzentado
             imortalizado em assunto-poesia...

domingo, 16 de outubro de 2011

O belo ou o feio?

Vi uma revista de moda com uma supermodel. Não lembro quem era, porque a lembrança é de meses atrás. Devia ser uma Gisele Bündchen ou alguém com reconhecimento semelhante. A questão é que ela estava feia. Muito, muito feia.

Sabe feiura? Então. Ela vestia fivelas de couro cobrindo partes importantes do corpo, um cabelo preso de uma maneira que qualquer mulher nunca usaria para sair na rua, como se houvesse ficado uma hora andando num carro conversível. Para completar, uma maquiagem que a deixava suja. Não o sujo excitante. Era o sujo relaxado. Muito, muito feia. Só que todos sabem quem ela é (menos eu, que esqueci); e sabem também que ela é muito, muito bonita. Por isso, vê-la feia em uma foto não acabava com certa aura de beleza que a modelo adquiriu ao longo do tempo.

Isso me fez pensar em que, não importasse o que pudesse ser feito, a modelo não ficaria efetivamente feia. Seria possível ficar horrível e imprimir um aspecto estético desagradável - como de fato o fez -, porém ainda assim estaria bonita. Uma ambiguidade, uma contradição de conceitos representada por uma mulher ao mesmo tempo feia e bonita, horrorosa e charmosa, suja e espetacular.

Não sei qual o conceito que há por detrás de uma fotografia que jogue com a estética, em especial o signo da estética, mais especificamente um símbolo, visto que a beleza é um acordo entre todos. Apesar de tudo, ainda fiquei pensando em que o que as pessoas mais querem é ser bonitas. Quem quer ser feio? Ninguém quer, todo mundo quer ser magro, de preferência sarado, ter cabelo liso, rosto simétrico, sem rugas ou espinhas, olhar profundo, seios ou um pinto grande. É isso o que pregam, é isso o que as pessoas valorizam e é isso o que a publicidade e a mídia mostram - e não adianta falar que a publicidade "sugere" esses valores, visto que uma ação publicitária só faz sucesso se agrada a população, e sabemos que a sociedade gosta daquilo que já viu, não do que é novo (alô, Indústria Cultural).

A modelo que vi na revista de moda alcançou a beleza que todos desejam. Mais do que desejam: de alguma maneira obscura e inconsciente, invejam. Depois da conquista, ela pôde se dar ao luxo de ser feia. E isso eu achei engraçado, porque cultivamos entre todos uma ambição inquietante, um consumismo desenfreado, quanto mais, mais. Não entendo qual o conceito de fotografias como esta de que falo (se alguém souber, me diga), porém acho engraçada essa maneira de cutucar uma ferida que está aberta no dia a dia de todos. A mulher, de tão bela, desdenhou a beleza.

Quem se atreve a se abster de uma característica incutida de um enorme poder? Beleza hoje é poder. É beleza e informação (alô, Rüdiger). Mas informação não atrai a maioria das pessoas. Queremos para nós companheiros bonitos E inteligentes, não apenas um ou outro. E nós, somos o quê? Somos bonitos? Somos inteligentes? Até que ponto usamos o outro para suprir uma carência nossa? Um deslize de nosso ego?

Dias atrás eu disse que no final tudo são pessoas.
Hoje digo que além de pessoas
No final tudo é ego.

Que freudiano da minha parte...

sábado, 15 de outubro de 2011

a herança platônica.

Um par de olhos para ver. Duas 
Orelhas para ouvir.
Uma boca para falar e sorrir.

Incrível essa matemática da natureza
Com seus infinitos redondos
E seus ângulos de noventa graus.
Parece até que tudo veio em prol da perfeição
E tudo que desviasse do curso
Fosse erro de um cientista maluco
Adorando se meter num laboratório
Para se perder em incríveis experiências
Atrás de um quê de razão.

A busca da perfeição em que caio!
Um cientista maluco
Explodindo um tubo de ensaio...

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Para dizer do céu e de suas consequências

Uma casa tem muitas paredes. Mais precisamente, quatro, para fixar os limites. Há também o chão, para não existir contato com a terra, e o teto, para não sairmos voando. Tetos são chapéus de casas. Eles cortam asas, de fugas maiores, e alimentam manias de pertencimento. Moradores de rua não têm teto - e pertencem a quê(m)? A ninguém, visto que não têm limites. E quem não tem fronteiras, como pode saber até onde vai a sua vida? Para redimir, inventam histórias e caçam memórias. Muitos têm família, outros a tiveram, poucos sonham em tê-la. Nenhum tem uma casa para pertencer a todos.

*

Uma casa tem muitas paredes. Para quem é vizinho ou apenas transeunte, o que importa são as paredes de fora. Pode haver altas colunas gregas, como um Partenon, ou mesmo uma porta de vidro que gire até a metade, como nos apartamentos dos ricos na novela. Uma casa pode ser feia por fora e bonita por dentro. Pode ser feia por dentro e bonita por fora. Pode ser feia em ambos os lados, assim como bonita.

Como pessoas.
No fim tudo são pessoas. E suas obras e seus tiques amargos.
Todos os movimentos do mundo vêm em direção às pessoas. A História só existe porque afeta um ser humano. A Literatura serve para mexer com uma cabeça.
A Filosofia, e todas as suas loucuras, para brincar com nosso senso.
A Psicologia perturba nossos traumas.
A Medicina cuida de nossa casa.
A Poesia liberta nossa alma.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

melancolia

Hoje de manhã fiquei em casa
Polindo as paredes brancas
Com panos de chão muito encardidos
Como se me arrastasse pelo piso
Feito uma cobra fria e nojenta
Efêmera
Procurando um rato pro jantar
Mais de dois meses deixando ninhos no deserto
E deslizando apenas
Nem pensar em corvos ou fitas e fatos
Cheíssima de veneno e cariño
E deslizando apenas
Nem pensar no alto

(O sol
O certo e o errado)

Subalterna
Querendo mais que nunca duas pernas.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

"mas no fundo gostava da dor do fim"

a ironia do dia
essa hermenêutica toda que desgraça
e se não me entendes é porque não faço graça
desejando que tudo que há fosse indizível
assim ninguém se preocuparia em entender
todas as tolices que os tolos têm a dizer
muito menos o que os sábios querem
no mundo parece que todos são conselheiros
exigindo dois barbeiros
um para cortar o cabelo
outro para acariciar a barba
como se não houvesse ninguém hábil para entender uma história
que no fim já passou e se ficou
não resta nada a fazer por mais que queira
além de sentarmos todos ao redor dessa fogueira

e admirarmos o fogo que consome.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

E por mais que o destino queira me deixar só
Sempre faço a volta e dou um nó...

Yoga 2

A questão é que no fim criticamos a sociedade do espetáculo e o modo como a mídia retrata tudo, dando um enfoque sensacionalista. Só que no fim nós mesmos, em nossas relações interpessoais, espetacularizamos nossa vida, tornando nossa imagem o mais rentável e agradável possível, na esperança de agradar ao maior número de pessoas possível.

Então como exigir uma imprensa séria se nós nos levamos a sério demais ao nos esforçarmos ao máximo para parecer algo que muitas vezes não somos? E se o somos, queremos deixar bem claro a todos que sim.

Como se a vida fosse um palco de teatro e coubesse a nós a última deixa.
A fala mais importante.
Fundamental na peça.
Na vida de alguém.






Solidão.

domingo, 2 de outubro de 2011

Yoga

Inspirar profundamente, com a coluna reta. Agora expira enquanto coloca a testa no chão. O chakra fluirá melhor. Será o da coroa? Pois não sei. Agora volta a sentar com a coluna reta, expirando lentamente. Todos os seus problemas estão do lado de fora. Inspira e abraça o joelho. Segura a respiração. Pode voltar a ficar deitado, expirando lentamente.

Como se fôssemos todos bebês na barriga da mãe. Aprendendo a respirar pelo cordão umbilical. Alguém já pensou na primeira respiração do feto? Quando é possível dizer que ela ocorreu. Entre um esperma e algo gelatinoso, posteriormente de uma maneira quase sólida, onde dá para dizer: respirou? Ou talvez jamais dê, sendo esta a polêmica do aborto.

O olho de Londres.

Segure as mãos acima da cintura, com a coluna reta. Quem sabe vamos viajar para o lugar dos sonhos? Ninguém pediu, mas eu faço mesmo assim. O Egito quem sabe. Mergulhar numa montanha de areia, fugir de uma tempestade, morrer de calor, morrer de frio, peregrinar como fizeram aqueles da Bíblia, estudados na Catequese e Crisma. Depois escrever longos relatos para uma revista qualquer, que no fim ninguém vai comprar, porque só sei falar de consciência, parece que me falta palavras que abordem o que é palpável. Ou quem sabe encarar a vida de agora e seus problemas e todos os seus dilemas e desdobramentos, onde morar onde ficar como comer o que escolher para amanhã? Sonhando com o Egito e com montanhas de areia.

Mais três respirações lentas. Pode começar a tormar consciência do corpo, mexendo os pés, braços, joelhos e mãos. Já tomei consciência do corpo, moça. Mas pra quê fazer Yoga? Pra quê estudar Filosofia? Por que Arte? Por que arrumar a cama se de noite eu desarrumo?

Daquelas perguntas sem sentido, cuja única resposta é: para ter mais um motivo que rode a roda da vida. E quebrar a rotina, porque hoje todos a tememos. É uma vida por demais interessante, então é tudo tão imprevisível... Todos muito felizes e realizados. Pois não viram nossas fotos nas redes sociais? Estamos sempre sorrindo ou fazendo uma expressão de mistério. Venha me descobrir. Inclusive, somos todos cultos e lemos livros incrivelmente intelectualizados, entendemos muito de cinema, música, assim como temos um senso crítico que nos permite formular sentenças sobre praticamente todos os assuntos. Exceto Ciência, porque somos das Humanas.

Abram alas. Já faz horas que começou o espetáculo. Ninguém reparou? E somos todos o personagem principal.