segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

vidro arguto

de alguma forma nos assemelhamos
a dois vasos de flores em uma estante
vivendo ao longo dos anos as mesmas experiências 
e quando os outros a eles se referem dizem
"são vasos comprados juntos em liquidação"
indissociáveis 
impagáveis
eternos.

sempre o casal de vasos
guardando flores de amores efêmeros.

um casal de vasos é o que nós somos
esforçados em guardar um ao outro
e com a flor ligada ao corpo
esquecemos de nós mesmos. 

domingo, 29 de janeiro de 2012

Considerações (3)

quando a perspectiva do grito
tranca em meio à garganta
e as palavras faltam nas ruas da esperança
tudo o que resta é bater em retirada
na fuga da polícia que vem no meu percalço...

(guardas cruéis
gritam e argumentam sobre minha loucura
dizem que perdi o poder de decisões
e que todos os sorrisos
são cifrões.)

acordei hoje e decidi ter vida nova
ironia

os guardas estão atrás da porta.

janvier

raiva desta angústia visceral
desta mente de formas moles preguiçosa
e deste momento em que toda a vivência do mundo
não me importa.


e por que choras se nem estás comigo
pois que a lembrança é um estado de presença do perigo
na preocupação inerte do que já passou
e na alegoria dum sorriso que sei que te marcou.


gostaria que tudo fosse uma mentira.
leio Sylvia Plath compulsivamente e me projeto em sua tristeza.
todas as faces daquela mulher são minhas.
estou na mesma redoma de vidro
e nem parece que em um dia eu já sorri.


quase um mês sento e não rabisco nada.
acho que janeiro não é um mês de criações.
posto que no fundo eu queira rir
e as circunstâncias pesem pelo contrário
parece um esforço enorme estar em vias de explodir
como um péssimo juiz com fama de arbitrário.


tive certeza de que fiz corretamente.
vesti camisa branca, bermuda azul.
pintei todas as cores nos braços
e tomei champanha vendo as luzes no céu.


por que, meu Deus, este mês de tortura
esta vontade de deitar até chegar alguma cura
que algum médico doente me diga que tudo vai bem
e de repente me abrace como figura paternal
(apesar de eu ir bem com o real, muito obrigado)
e me conte das possibilidades do novo ano
pois que agora
com as faltas que revejo
e na confusão daquilo que desejo


me vejo neste drama infinito rodado em minha cabeça...

sábado, 7 de janeiro de 2012

Baladas

Nos últimos dias ando relendo tanto Hilda Hilst
XIX Presságio


As mães não querem mais filhos poetas.


A esterilidade dos poemas.
A vida velha que vivemos.
Os homens que nos esperam sem versos.
O amor que não chega.
As horas que não dormimos.
A ilusão que não temos.


As mães não querem mais filhos poetas.


Deram o grito
desesperado
das mães do mundo.


X Balada de Alzira

Brilhou um medo incontido
na tua face de luz.
E teu amor resguardou-se
e silenciou.


Quis esconder os meus dedos
nos teus cabelos de mágoa
mas a tua mágoa era grande 
para fugir do meu gesto.


Agora o amor é inútil
e inútil o meu consolo.
Estamos sós.


Entre o teu amor
e o meu afago
aquele triste mundo de certezas.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Distração

Deixei minha casa e fui passo a passo à sua. Era uma morada afastada, sem quaisquer vizinhos ao redor. Como um terreno à beira do mar em uma praia deserta. Chovia. Os pingos caíam como se quisessem machucar. Tentei não me intimidar, como fazem mães e pais em frente aos filhos em situações de medo. O que seria de mim ao acabar do dia? A vida retomando seus próprios contornos ou eu em vias de liquefazer? Apesar da tempestade, por dentro eu secava. Era ansiedade aliada às horas sem comer.


Sem fome.


Nos últimos dias, bebi bastante. Sorvia álcool como que para aliviar a sede de palavras na boca. É o que Freud diz - substituir malefícios maiores por menores, como cura para neuroses contínuas. Eu tenho uma neurose contínua. É a vontade de resolver problemas dos outros, para que não pense nos meus. Pensando bem, talvez eu não tenha problemas. Minha vida é pacata. Vazia. Cuido dos outros para não jogar os olhos sobre mim. Por isso é que sempre evitei espelhos e sua coragem em não hesitar em frente à realidade. São guerreiros da mais alta hierarquia. Machucam. Dizem que algumas tribos indígenas chegavam a evitá-los, por pensarem que o reflexo era a vista de uma outra dimensão. Como se espelhos fossem passagem para outro mundo. E são. Levam-nos dos sonhos para a crueldade da vida. Um universo inteiro em raios de luz.


Faz frio. Já avisto a casa, em uma mancha escura e molhada. Consigo delinear os muros marrons e o telhado cor de barro. O resto é turvo. Estou sem óculos. Esqueci-os em casa antes de sair. Quando a vida nos chama com toda sua inexorabilidade e urgência, os pequenos detalhes soam como uma ofensa para com tudo aquilo que importa. Se pudesse, teria deixado todo o meu corpo, transpondo-me apenas de coração e alma. Mas não. Respondo a chamados como quem ouve desconhecidos no ônibus: atenho-me à necessidade da voz, ao mesmo tempo em que visualizo cenários futuros. Como me despedir da pessoa quando um de nós precisar descer. Como lidar com quem exige desmesuradamente, impacientemente, sofregamente minha presença. Uma mulher uma vez me disse que tinha tantos sentimentos presos que a única saída eram os olhos. Então chorava. Achei bonito e tentei chorar, mas não consegui. Cheguei à conclusão de que certas pessoas nascem para jogar sentimentos pelos olhos, enquanto outros guardam no coração. Cada um lida com a dor que seu caminho lhe dá.


Cheguei. Bato à porta ou melhor simplesmente entrar? Já estou sendo esperado mesmo, apesar de que seria falta de educação entrar sem avisar. Hesito. Encaro-me no reflexo da janela e minha imagem aparece imediatamente. Hoje, a soma das horas me parece estar carregada de uma névoa espessa, clamando pela urgência de todos os meus atos. Entro silenciosamente e vejo um vulto no sofá. Assento-me. Não tenho tempo de sorrir.