quarta-feira, 31 de agosto de 2011

tristeza é uma coisa que pesa muito, como dois sacos de arroz em cada ombro.
de noite o peso dos sacos dispersa dos ombros.
vai pros sonhos.

domingo, 28 de agosto de 2011

Deriva

Você fala. Pega a palavra. Quando a molda, insere um sentido dentro dela. Quando não fala, não enquadra nada. O que ocorre é que todo enquadramento implica em uma perda de sentido, tendo em vista que tudo é múltiplo e formado por diversos prismas - causados por diversas apreensões de realidade.

O que quero é que me fale do silêncio. Porque aquilo que se fala se doma. O que não fala, imagina. Imaginar é falar sem ter limites.

Eu quero que a palavra se esqueça. E que a mim se ofereça. Estou num estado muito do libertário, pois não consigo escrever nada. Como quando se tem uma grande vontade de usar uma roupa nova, mas, apesar de tirá-la do armário, vem um desânimo forte e precisamos guardá-la de novo.

Desejo muito que, por oferta de algum vento, venha até mim o ar da palavra. Pra que assim eu consiga organizar algo que possa me ajudar, visto que escrever me ajuda a entender as coisas. Como a psicanálise. Me acalma. No momento estou perdido nos mares que estão dentro de mim. Tem como entender? É parecido com aquela situação de estar boiando no mar e fechar os olhos. Quando a gente os abre, estamos bem longe de onde supúnhamos estar. O que ocorre é que quando fecho os olhos, me vejo em um lugar tão longe que nem sei onde é. Daí, me falta a palavra. Depois de averiguar sua ausência, entristeço. É a palavra que me ajuda a sobreviver nas minhas águas. Hoje não escrevo por motivos distintos dos de antes.

Assim os dias passam. O tempo passa por mim. Navego não sei. Deriva.


(queria terminar com um verso bonito. mas me falta o ar, então silencio)

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Estética

Um sorriso um sorriso é um sorriso um belo riso eu digo rio eu digo um rio e um sorriso um belo rio é um sorriso um belo riso eu digo isso e rimo um belo riso é sempre um belo piso de um sorriso eu vejo e rio. e me banho. e sorrio um belo rio. entre meus dentes um rio que eu lhe digo um belo riso entre teus dentes e eu me banho no teu riso um belo riso que sorri e eu sorrio somos dois sorrisos se banhando que beleza no teu riso um belo rio e eu te vejo e tu me vês e nós sorrimos.

um belo riso um riso belo um belo riso um riso belo um riso belo belo riso um belo riso um riso belo um belo riso um riso belo um belo riso um belo riso um riso belo um belo riso um riso belo um riso belo belo riso um belo riso um riso belo um belo riso um riso belo um belo riso um belo riso um riso belo um belo riso um riso belo um riso belo belo riso um belo riso um riso belo um belo riso um riso belo um belo riso...

domingo, 21 de agosto de 2011

Água

fiz um desenho que aguou
era uma nuvem branca bem no meio do papel
parece que choveu
porque afinou como se houvessem espremido
até que gotejasse em chuva
dado as pancadas que formaram minhas fronteiras.

(pesssoas são feitas mais de vazio
do que matéria
no silêncio cavocando rios sem beiras
à procura de uma luz no fim da história)

a palavra nuvem é uma palavra voo
palavra do vento, palavra esvoaçante
cujo falar nos faz deitar em breve paz
como no colo da mãe.

palavras são esponjas
absorvendo os sentidos que os homens dão
às coisas
e depois esfregamos na janela
para ver melhor o outro lado.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Existe o sim e o não. Todo o resto, não. Ou uma proposição é afirmativa, ou é negativa. Impossível ser as duas. Impossível não ser uma. Ou se fala a verdade ou se mente. Nega-se ou afirma-se. Uma pergunta é sempre afirmativa ou negativa, visto que seu sentido é preenchido por traços da realidade - reais ou não. Verdadeiros ou falsos. Se se mente um pouco, se mente por completo. Fora do sim e do não é outra realidade.

Para falar bem é preciso saber mentir bem.
Para falar em total verdade, é preciso ter pouca vivência. Não viver muito.
Ser um bebê é a sinceridade em forma de humano.
Quanto mais se vive, menos se sabe da verdade.
Mais se mente.
Mais se sente.

E chora.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A verdade



Em verdade estou alegre como nunca
Salutemos todas as bondades da vida
Incluindo a merda de cachorro em que pisamos
Até porque depois das tempestades e bonanças
Tudo que é mandado por deus é de sorte maior
Chuvas saciam viventes
E enchentes aliviam nossa sede
Esta sede por desejo de vida
Que incrivelmente move a nossa história

Riam comigo, meus caros!
Hoje não preciso fazer poesia:

Escrevo-a no meu dia a dia.

sábado, 13 de agosto de 2011

Segunda crônica do soldado da lembrança


Uma vez, quando muito pequeno, minha mãe levou eu e meu irmão para uma reunião da escola, à noite. A dele era seguida da minha. Levou-nos sozinha, visto que meu pai naquela noite precisava comparecer em um jantar de negócios. Fomos os três - meu irmão apenas um ano a mais do que eu.

Voltávamos a pé. Era verão, daqueles em que mesmo após o sol ir embora, anda-se e sua-se. Com o alívio vindo vez em quando, arrastado com a brisa que parece nos fazer mais leves e o sereno que parece dar mais força.

Ao chegarmos na quadra de nosso prédio, vimos que toda ela estava sem luz. Meu pai ainda não chegara, tendo em vista a hora, e não havia celulares à época por um preço razoável para nós. Mãe, eu disse, a gente vai ir mesmo assim? Não é perigoso? Por dentro eu estava tomado de emoção, como se finalmente estivesse vivendo uma situação perigosa parecida com os desenhos que adorava assistir. Como se minha vida corresse um real perigo, cuja salvação só se daria por meio de um teste de bravura. Ela disse que sim, de qualquer maneira. E fomos.

Eu de um lado, meu irmão do outro. Ele aparentava não estar com nenhuma sombra de medo. Acho que pretendia ser bravo, como supostamente devem ser os irmãos mais velhos. E, na ausência de nosso pai, seria o responsável pela segurança da mãe e do irmão caçula. De qualquer forma, éramos duas crianças e uma mulher sem armas, pensei. Ledo engano. Mais tarde descobri que uma mulher defendendo seus filhos é das coisas mais perigosas que há por aí.

Mas enfim. Descemos a quadra a passos largos. Chegamos no prédio. Para a confirmação de nossos receios, o prédio também estava sem luz. Caiu sobre todos a névoa do medo. Pouco menos de um mês antes, o zelador encontrara, de manhã cedo, um mendigo dormindo no quarto onde colocava-se o lixo. Era uma espécie de depósito, encontrado no meio do corredor em todos os andares, onde jogávamos a sacola de lixo em um buraco, cuja conexão com uma lixeira gigantesca, no térreo, dava-se por um sistema de tubos largos. Após todos saberem do caso, instalou-se nos condôminos o receiro de ir ao quarto do lixo - como chamavam o recinto as crianças do prédio. Minha mãe passou a não nos deixar irmos sozinhos lá, com medo de darmos de cara com um homem barbudo e sujo. Mais tarde, o lugar viraria o elevador do prédio.

Como a novidade tecnológica viria só meses mais tarde, precisávamos subir ao 6º andar com o risco de dar de cara com um mendigo. Uma mulher de 40 e duas crianças. Subimos de mãos dadas, minha mãe um passo à frente. Lá pelas tantas, confessei que tinha muito medo e que queria voltar.

- Não precisa ter medo, filho - ela apertou mais forte minha mão. - Não vai acontecer nada, eu estou aqui. De alguma forma, avistei, na escuridão, o sorriso dela em minha direção. Mais provável é que o tenha sentido, pois que imediatamente fiquei mais calmo. 

Chegamos em casa sãos e salvos. Muitos anos mais tarde, minha mãe revelou que nunca teve tanto medo na vida. Só que, no momento em que eu disse que temia, era sua obrigação me tranquilizar. "Se uma mãe mostra que tem medo, o que sobra pro filho?", falou.

Hoje tive que trocar as fraldas dela. Minha mãe não se lembra dessa história, ocorrida décadas atrás. Muito menos que disse que eu não precisava ter medo. Enquanto coloco ela na cama e vejo as feridas causadas por uma doença terrível, em nada a ver com Alzheimer, e temo pela morte dela, digo para mim mesmo: não precisa ter medo, não precisa ter medo...

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Primeira crônica do soldado da lembrança

Começa uma história formada por alguns capítulos. Este é o primeiro. Não tenho
a menor ideia de quantos vão haver. Se a sorte estiver do meu lado, 
consigo escrever os próximos. Por enquanto, tudo é uma nuvem e um nada. 
Tudo é ficção. "Tudo é dançável". 


Dei a comida na boca. Coloquei um pano de prato ao redor de seu pescoço, cobrindo até em cima do queixo. Assim evitava que caísse algo na pele. Eu vestia um pijama limpo, visto que ela não permitia que sentassem na cama com roupas de rua - a maneira como chamava qualquer peça usada fora de casa. Depois da porta, dizia, tudo é cheio de energia incontrolável, dessas que a gente não sabe de onde vem. A cama é sagrada, só senta nela em quem a gente confia pra passar a noite.

Com o passar dos anos, parou de falar da rua. Entretanto, conservou o medo que secretamente tinha dela. E, por consequência, manteve o engraçado hábito de averiguar se estávamos de pijama. Com a repetição da vigilância, nem esperávamos que ela indagasse: rapidamente púnhamos logo a roupa. Ela, na outra via, perguntava sempre. Vez em quando esquecia que a recém perguntara, e novamente repetia a questão. Ontem, ao mesmo tempo em que eu dava sopa em sua boca, seguidamente ela olhava para meu corpo. Dado que estava muito fraca, às vezes se contentava em passar a mão pelo tecido a fim de investigar a grossura do pano. Ficava uma meia-hora sem pensar no assunto, mas em seguida já perguntava de novo.

Minha mãe tem Alzheimer e a maior coleção de pijamas que já vi na vida. Um armário inteiro só para peças de dormir. Ironicamente, grande parte da vida teve insônia.

Ontem, dei comida na boca dela. Como se fosse criança, e eu conhecesse toda a sua vida. Pela primeira vez, fingi que podia tomar conta. Tudo uma mentira, evidentemente. Só tomamos conta de quem se permite ser tomado. Às vezes, choro pelo fato de não poder mais mentir junto com ela.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Linguagem

Sabe aquela frase mais do que clichê, o silêncio fala e blablablá? Então. Às vezes eu queria que ele realmente falasse, pra poupar o esforço de tentar traduzir sensações em linguagem. Porque o mundo todo se resume a sensações. A respostas em frente a uma causa, esta que inicia uma cadeia de experiências particulares em um indivíduo. Existe a sensação de ter caminhado, a sensação de ter amado e a sensação de ter assistido a um filme. Daí falamos e tentamos reunir os aspectos mais importantes da experiência em palavras.

Toda fala é uma perda. Toda perda é uma tristeza para o homem. Viver é uma coisa masoquista.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Carta para alguém bem perto - Fernanda Young


Não pode ser. Não pode ser assim. Estar desta forma, existir. Por quê? Será que todo mundo sente isso? Essa esquisitice enquanto respira? Todo mundo pensa enquanto respira? Pensa em cada bocado de oxigênio que entra e que sai, depois, já estragado, já gás carbônico? Eles sentem assim, da maneira que eu sinto? Gostaria de saber se as pessoas ficam pensando sobre o ar ou se apenas o respiram, de forma simples e vital. Queria saber se é mais agradável ser outra pessoa. Se é bom sentir-se outro. Num corpo mais gordo - será mais macio existir dentro de 90 quilos? O gosto da boca, a sensação de estar vivo, seria diferente? Porque há um sabor de vida dentro da cavidade bucal. Há micro-organismos vivos por todos os cantos da gente. Alguém aí sente isso? Como eu sinto, desde menina, cócegas estranhas, que me inquietam e agoniam, por causa desses seres viventes, que têm funções biológicas que nunca entendi. Quantas bactérias carrego comigo? Por que, afinal, essa complexidade toda? Essa chatice indagativa existencial? Por que não sou uma burra? Por que eu não sou uma mesa? Simples como uma mesa. Óbvia como uma mesa. Prática. Aceitável. Necessária.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Unhas

Deve manter as unhas sempre bem aparadas. A questão não é evitar arranhar o outro no descontrole da selvageria. A gente mostra que gosta nas pequenas coisas. Quando coloca a melhor roupa que tem ao marcar um encontro. Ou ao passar fio dental e fazer bochecho. E ao cortar as unhas. Ninguém repara nas nossas unhas, senão aquela pessoa que nos dá as mãos. Aquela que fica quieta e a gente não se importa. Quando pega o ônibus junto e ficam os dois olhando pra janela, sem querer quebrar com o devaneio do outro.

A gente mostra que gosta também quando devaneia junto. E fica falando bobagem sem se importar em parecer ridículo. Até porque de palhaço todos temos um pouco. E manias de estardalhaços. Dá trabalho esconder os hábitos imaturos e que dão vergonha. Mas pra quem a gente mantém as unhas sempre aparadas, dá gosto passar vergonha. A boa felicidade é aquela acompanhada da boa vergonha. Ninguém sente algo verdadeiro se não expõe as verdades omitidas. Despir-se é um ato de autoaceitação. Apesar de o corpo aparentar trazer mais vergonha, é a nudez da alma que mais comove. Vai de cada um saber qual é a nudez mais adequada.

Por via das dúvidas, mantenha as unhas sempre bem aparadas.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Sensação térmica de 4 graus em Porto Alegre

Queria mais do que nunca que a voz da maturidade falasse sobre mim. Que um verborrágico (adoro essa palavra) fluxo de consciência viesse - como se usando uma droga -, enviado por um Eu do futuro. Desatando descobertas sobre mim.

É egoísmo, mas me interessa mais saber se, daqui a 20 anos, estarei fazendo algo que preste, do que saber se os Estados Unidos serão uma potência mundial. Ou as calotas polares. Quem quer saber das calotas polares do futuro. A gente é tudo imediatista mesmo. Fala que se preocupa - e no fundo se preocupa mesmo - com o meioambiente. Mas chega amanhã e nos aliviamos ao conseguirmos ir de carro para algum lugar, em vez de pegar ônibus. Vem o inverno e tudo o que queremos é uma estufa no banho. Dane-se o consumo elétrico, as termoelétricas do Brasil e a camada de ozônio. Mas tem coisa pior do que se pelar antes de entrar no chuveiro? Deus é muito mau por não inventar uma nuvem de calor no banheiro. Pior é sair da água quente e ter que se vestir.

Não entendo pessoas que saem peladas no banheiro. Digo, aquelas que saem sozinhas. Por que tomar banho sozinho e se vestir no quarto é o cúmulo. Tomar banho no frio é o cúmulo. Quero saber se no futuro eu vou tomar banho no frio. Se vai ter frio. Onde eu vou sentir adormecer. Com quem eu vou adormecer? Vou perder parte da minha insistência?

Eu quero desesperadamente um fluxo de consciência.