quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Distração

Deixei minha casa e fui passo a passo à sua. Era uma morada afastada, sem quaisquer vizinhos ao redor. Como um terreno à beira do mar em uma praia deserta. Chovia. Os pingos caíam como se quisessem machucar. Tentei não me intimidar, como fazem mães e pais em frente aos filhos em situações de medo. O que seria de mim ao acabar do dia? A vida retomando seus próprios contornos ou eu em vias de liquefazer? Apesar da tempestade, por dentro eu secava. Era ansiedade aliada às horas sem comer.


Sem fome.


Nos últimos dias, bebi bastante. Sorvia álcool como que para aliviar a sede de palavras na boca. É o que Freud diz - substituir malefícios maiores por menores, como cura para neuroses contínuas. Eu tenho uma neurose contínua. É a vontade de resolver problemas dos outros, para que não pense nos meus. Pensando bem, talvez eu não tenha problemas. Minha vida é pacata. Vazia. Cuido dos outros para não jogar os olhos sobre mim. Por isso é que sempre evitei espelhos e sua coragem em não hesitar em frente à realidade. São guerreiros da mais alta hierarquia. Machucam. Dizem que algumas tribos indígenas chegavam a evitá-los, por pensarem que o reflexo era a vista de uma outra dimensão. Como se espelhos fossem passagem para outro mundo. E são. Levam-nos dos sonhos para a crueldade da vida. Um universo inteiro em raios de luz.


Faz frio. Já avisto a casa, em uma mancha escura e molhada. Consigo delinear os muros marrons e o telhado cor de barro. O resto é turvo. Estou sem óculos. Esqueci-os em casa antes de sair. Quando a vida nos chama com toda sua inexorabilidade e urgência, os pequenos detalhes soam como uma ofensa para com tudo aquilo que importa. Se pudesse, teria deixado todo o meu corpo, transpondo-me apenas de coração e alma. Mas não. Respondo a chamados como quem ouve desconhecidos no ônibus: atenho-me à necessidade da voz, ao mesmo tempo em que visualizo cenários futuros. Como me despedir da pessoa quando um de nós precisar descer. Como lidar com quem exige desmesuradamente, impacientemente, sofregamente minha presença. Uma mulher uma vez me disse que tinha tantos sentimentos presos que a única saída eram os olhos. Então chorava. Achei bonito e tentei chorar, mas não consegui. Cheguei à conclusão de que certas pessoas nascem para jogar sentimentos pelos olhos, enquanto outros guardam no coração. Cada um lida com a dor que seu caminho lhe dá.


Cheguei. Bato à porta ou melhor simplesmente entrar? Já estou sendo esperado mesmo, apesar de que seria falta de educação entrar sem avisar. Hesito. Encaro-me no reflexo da janela e minha imagem aparece imediatamente. Hoje, a soma das horas me parece estar carregada de uma névoa espessa, clamando pela urgência de todos os meus atos. Entro silenciosamente e vejo um vulto no sofá. Assento-me. Não tenho tempo de sorrir.

Um comentário:

Charles Bravowood disse...

Cada um lida com a dor que seu caminho lhe dá.

Charlie.