quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Diarios

19/01/2013 No aeroporto de Madrid

Um teto bastante alto, construido para imitar ondas de um mar revolto. Bege, cuja textura lembra uma esteira de praia na qual mulheres despreocupadas se atiram para repousar. E eu sentado, sozinho, com um cansaço nos ombros e uma sede na boca.

Chove em demasiado.

Em Madrid me ponho a associar arquitetura ao mar. Precisaria de um mergulho?

O aeroporto é imponente. Cadeiras de trabalhado plastico, pintado de cinza, somadas às dantescas colunas de metal prateado, produzem um ambiente afogado em uma aura de modernidade. O piso de marmore, limpido. E o ar com cheiro de ferro. Televisões Samsung de 29 polegadas exibem um seriado espanhol de comédia de péssima qualidade. Ao menos a resolução da imagem é quase perfeita. Seu defeito é ser plastica demais. Boa demais.

São 06:47 e não ha almas vivas além de mim e alguns homens a encerar o chão. As unicas vozes vêm da televisão e das minhas palavras no papel. Na tela, uma bela jovem beija um velho gordo em um cemitério. Além do mundo da ficção, quantas pessoas fariam igual? E não se assustariam com a grande barriga como obstaculo... 

Ficcionalizamos na tentativa de ultrapassarmos limites. Penso isso enquanto encaro o horizonte através de uma grande janela de vidro a me separar de aviões e da pista de decolagem. Do mundo exterior. Do frio e da chuva europeia.

Como em uma redoma de vidro, estou a salvo do vento gelado e das preocupações do dia a dia. Nada de atenções ao trabalho, ao sofrimento, à saude, aos problemas dos outros, do mundo, da casa. Nada de aspirações ao futuro, nada de pressões e deveres. Nada de ambições. Precisamente agora, preciso apenas me ater à outra tela mais ao longe, cuja unica função é dar-me outro sentido de vida. Isto é, saber o horario e o portão do meu voo para Lyon. Depois disso, criarei outros sentidos. Retomarei meu nome e voltarei a me apossar de mim mesmo. Mas por enquanto não importa, eu não me pertenço, eu não me controlo. Quem manda é o aeroporto, e eu amorteço.

La fora esta escuro, mas os homens trabalham.

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