quarta-feira, 10 de julho de 2013

A furada

As pessoas sempre dizem que ao guardarmos muitos sentimentos dentro da gente, uma hora a mente cansa e enlouquece. Eu nunca dei muita bola porque era o tipo de coisa que minha vó dizia - até que eu enlouqueci e vi que era verdade mesmo. Após muitas reflexões em janelas de trem, surgiu a ideia de redigir cartas e textos destinados a coisas do mundo que me incomoda(ra)m. Antes eu fazia poesia, mas dai eu vi que não sei escrever poesia mesmo e que é melhor eu guardar tudo no meu bloco de notas até que um dia eu seja agraciado com um talento plathiano (porque o sofrimento eu já tenho).

Durante algum tempo, (se a minha perseverança for mais forte do que dois posts) esta Polaroide vai virar qualquer coisa parecida com Cartas para Julieta. A diferença é que minha Julieta não vai ter uma estatua com peitos em Verona para que eu os aperte à espera de que um dia eu tenha um namorado que tenha a paciência de aguentar as minhas neuras, além de ser enigmático e interessante o bastante a ponto de me desafiar. Prefiro pensar que são cartas ao meu lado B. Ou ao lado C, não sei. Prefiro ser só um neurótico simpático, tipico da nossa geração. Na minha tautologia e ansiedade, consigo ser tão clichê como uma comédia romântica com a Jennifer Aniston  - assim como você. Talvez seja culpa da infância: na demora da internet discada para carregar os jogos do site do Cartoon Network. Ou o programa da Angélica durante as manhãs de segunda à sexta... Bom, a questão é que estou aqui admitindo tal faceta na esperança de que alguém se identifique com a minha voz. E seja feliz nesta simplicidade. Enfim, comecemos os trabalhos.

Caro Jean (ou qualquer outro nome francês comum, como Mathieu ou Pierre),

Quando estávamos no bar e você pediu um drinque de vodka com suco de pomelo, eu fiquei com um pé atrás. Eu gosto de gente diferente (se você tivesse pedido o drink com o suco de laranja, eu iria te achar um chato). Entretanto, vodka com suco de pomelo não é prenuncio de alguém interessante e agradável, mas de alguém que gosta de sofrer. Você bebia aquele copo sem fazer careta, enquanto eu tentava encontrar o trauma de infância que fez você forte o bastante para nem ao menos tremer o olho ao colocar o liquido na boca. Sera que os pais batiam muito nele?, eu pensava. O irmão mais velho ganhava sempre nos jogos de videogame sem deixar o caçulinha reclamar? Por um acaso sofreu bullying no colégio? Enquanto meus dedos esquentavam a minha cuba libre, eu fingia prestar atenção à historia do seu amigo que quebrou a perna fazendo sky. Quando a cuba libre acabou, decidi parar de me afogar em especulações e viver a realidade. 

Quando você me julgou por nunca ter ido à Amazônia, eu tive a paciência de explicar que o Brasil não é a Europa, onde pega-se um trem e em duas horas se esta em outro pais. Mas depois você me perguntou se eu via muitos macacos em Porto Alegre e como era viver em uma cidade sem ônibus, apesar de eu ter dito antes que morava em uma capital do tamanho de Barcelona. Eu sorri e fui educado. Tudo bem, você é francês e não tinha obrigação de saber do Brasil, apesar de estar saindo com um brasileiro. Entretanto, logo em seguida você perguntou onde eu iria trabalhar com a minha graduação em Jornalismo. "Porque é só para trabalhar no Exterior, né? Ou tem jornais no Brasil?". Naquela hora eu tomei dois grandes goles da minha (segunda) cuba para dar uma resposta educada. Quem quer saber do Brasil? Aqui é só Carnaval e floresta mesmo, né.  E gente que faz uma faculdade para nada. 

Você era bonito e educado, então pensei em dar mais uma chance. 

Quando você perguntou se eu queria dar uma passada rápida na Fnac, eu fiquei feliz, já que alguém interessado em livraria certamente deveria ter ao menos UM lado interessante para mim. Separamo-nos rapidamente para que eu pegasse um livro para a faculdade - e então eu te perdi de vista. Tentei encontrar você na seção de literatura francesa, inglesa, ibérica, nórdica, latina, poesia, livros de viagem e até mesmo em filosofia. Para meu azar, você estava no ultimo lugar que eu esperaria: literatura juvenil. Uma estante apenas com livros de capa negra: todos os derivados de Crepúsculo, A Hospedeira e qualquer obra com vampiros e lobisomens sexualmente instáveis. "Isso é para algum primo?", eu ainda perguntei. "Não, é para mim mesmo... Adoro esse tipo de livro!", foi a resposta.

Eu juro que não foi só isso que me fez reportar um compromisso inadiável que me exigia dentro de casa. Eu não sou o chato dos livros, não acho que estrangeiros tenham obrigação de saber sobre o Brasil ou que o mundo tenha que ter o mesmo gosto de bebida que o meu. Mas a mim já basta minha prima de 12 anos falando intensamente sobre livros de semi-humanos com romances de princesa moderna. De mais a mais, você usava óculos escuros em lugares fechados, o que não faz sentido. 

As mais sinceras saudações 
do brasileiro que bizarramente toma banho todos os dias.