segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Fome

Peguei um ônibus à noite e um casal de no máximo dezoito anos se sentou na minha frente. Ficaram quietos, de mãos dadas. O cara olhava para a janela com um olhar extremamente desinteressado. Parecia ser um desinteresse pela vida como um todo: pelo trabalho, pelos estudos, para o lugar em que se dirigia e até mesmo para a garota ao lado. A indiferença para com um todo contrastava com a namorada, que o encarava com um quê de necessidade. Ela devorava os contornos do queixo, nariz e boca dele, como se dependesse do olhar para fixar dentro de si o namorado e o afeto que por ele sentia.

A garota o encarava com um olhar de idolatração, como se ele a salvasse de uma situação muito ruim para pô-la em uma posição muito melhor, incorporando traços de um príncipe encantado, morador de uma realidade de alguma forma distante mas tocável, longínqua mas plena. De alguma forma era um amor puro e obsessivo.

Parece hiperbólico ou mesmo superficial julgar isso, no momento em que eu era apenas um espectador, porém foi exatamente esta sensação que apreendi ao olhar para eles por meio do reflexo do vidro; um jovem de boné com o queixo apoiado nas mãos detendo um cansaço de vida que costumamos ver apenas em pessoas velhas que desistiram de buscar alguma alegria ou novidade, enquanto a jovem encarava um ídolo salvador.

Então comecei a pensar se todos os relacionamentos detêm certos aspectos de salvação. Relacionamo-nos com pessoas que tomamos como salvadores ou a garota era apenas um exemplo de uma paixão obsessiva? O que se procura em uma relação?

O casal que vi no ônibus me soou como um exemplo de que nos relacionamos com outro para enfim nos relacionarmos com nós mesmos. Busco em um segundo aquilo que de alguma forma me faz falta, o que implica em que o uso como um objeto para preencher um buraco na minha personalidade. Seria tudo então uma busca de plenitude? De paz consigo? Porque isso parece acarretar em um processo de interminável procura de alma gêmea a nos completar, e isso me parece uma concepção triste de relações amorosas, no momento em que preciso ser preenchido, em vez de acrescentado.

O que move a paixão? Talvez haja vários motivos, e nesta situação eu pude refletir sobre apenas um deles. O que ocorre é que achei deprimente a cena de um jovem indiferente para com uma garota que o sorvia com fome. Talvez ele nem sentisse algo por ela, o que torna tudo mais triste ainda. Mas ainda fica a dúvida: partindo da premissa de que se relacionar com outro é também se autoconhecer, o que alimenta uma relação é a fome pelo outro ou por nós mesmos?

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