terça-feira, 15 de novembro de 2011

Duas cidades

Começo a escrever este texto por volta de oito horas da noite e o céu está em dégradé. Quase totalmente coberto de nuvens negras, cinzas e cor de rosa. Uma mancha gigantesca enuviada. Como se acima de nossas cabeças houvesse uma cidade celestial, em contraponto à cidade de Porto Alegre tomada por concreto. Olhar para cima traz um sentimento de infinito, aliado a uma sensação de incompletude ou ausência de algo que não se reconhece. Falta de respostas, talvez? A angústia do homem deve ter começado quando, ainda macaco, parou de encarar o chão ao andar de quatro e começou a encarar o céu, em duas pernas.

O mundo acaba por se dividir, então, entre o céu e a terra. Na metade inferior está a cidade de Porto Alegre; na metade superior, um teto de nuvens. Uma cidade celestial. Quem habitará lá em cima? O ar é melhor? Respira-se melhor? Vive-se melhor? Seria interessante se realmente houvesse uma população a habitar as nuvens. Pessoas etéreas vivendo em apartamentos etéreos. Nós, daqui de baixo, talvez nutríssemos um sentimento voyeurista, visto que poderíamos observá-los todos em seus afazeres. Os moradores da cidade celestial talvez fossem mais felizes, visto que, vendo apenas a própria cidade em que habitam, não proporiam tantas questões quanto nós, a população que consegue ver dois mundos. Talvez fosse mais fácil viver lá em cima. Mais calmo. Sereno. Previsível. 

Esta dicotomia entre uma cidade de concreto e uma cidade celestial é o que move nossa existência, no momento em que as respostas que um plano pode fornecer é o que move a vida no outro. Como é viver lá em cima? O infinito... A cidade inabitável. Habitamos embaixo e ainda podemos ver lá em cima. Uma tortura, uma ânsia de respostas e uma curiosidade indecifrável para seres que vivem no chão. 

Apesar de tudo, esta angústia que nos acompanha no dia a dia tem um lado bom, no momento em que nos motiva nos afazeres diários. Buscar respostas sempre é uma força motriz. Como resolverei meu problema amanhã? Como entregarei meus trabalhos, como cuidarei da minha família - em última instância, como morrerei? São perguntas que nos são caras e, de certo modo, justificam-se por si mesmas. E, pensando melhor, talvez os habitantes da cidade celestial não fossem menos inquietos, visto que, acima de si, há o infinito.

A angústia do homem inicia quando começa a olhar para cima, em direção ao céu. Quando éramos quadrúpedes e passamos a andar em duas pernas. Quando éramos bebês engatinhando e passamos a caminhar desequilibradamente, perguntando o porquê de tudo. A maldição do homem é olhar para cima. Resta a nós, ao fazê-lo, aprender a enquadrar a vista de baixo com um ângulo diferente.

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