terça-feira, 10 de maio de 2011

Foi tudo em uma sala pequena, porém ajeitadinha


Pedi que me contasse sua história. Não me recordo exatamente como o fiz, porque não lhe demandaria isso desta maneira, posto que quisesse muito. O fato é que pedi que me fizesse seu diário, e ela aceitou. Antes, perguntou-me se me incomodava o cigarro, o cheiro, os gestos, você sabe como é, já estou farta de ouvir que um dia morrerei de câncer, mas o câncer não existe por agora, o que comanda é o vício, e este sim existe, você se incomoda com a possibilidade do câncer? Não muito, respondi. O vício é uma coisa engraçada, acrescentou enquanto exalava a fumaça, é como cinema, se o filme é bom você senta e só percebe que está imerso na coisa quando já chegou na parte em que se regojiza por antecipadamente ter descoberto o final. Vícios bons são aqueles em que você não sabe qual o final do filme – e riu e descruzou as pernas e se afetou como se entendesse do assunto. Naquele momento, factualmente entendia, pois era a única a saber de assuntos. Eu era só papel e escuta.

Papel e escuta enquanto ouvia ela dizer que amou mais do que todas as pessoas que já conhecera. Prostituta de coração grande, salientou, muito orgulhosa de si. Falou-me sobre uma de suas paixões: um quarentão charmoso e deveras desiludido. Com o quê?, indaguei. Com a morte e com a vida. “Rejeitou-me pela doença”. Não me respondeu efetivamente qual enfermidade, mas descobri tempos depois ser AIDS. Tempos depois em que ela morreu. “Me amou por um bom tempo. Mais de cinco anos, sem que a esposa soubesse. Foi meu amor mais duradouro”. Seu amor mais louro, observou entre dentes, estendendo a mão e olhando para as unhas. Ela era um pouco arrogante, mas não a ponto de incomodar. Assemelhava-se àquelas pessoas que detêm um ar de superioridade, porém bastante divertido. De uma arrogância que não pretende intimidar, mas apenas mostrar o queixo, a nuca e os cabelos nos gestos de seu corpo. Tinha um belo corpo.

- Você sabe o que é amor? – perguntou mudando o tom da conversa. Sabia que ali eu era escuta, assim como sabia que a situação era nada mais do que um monólogo, uma complexa verborragia entre ela e Ela.

- Talvez. Algo maior do que a carne...? – respondi de maneira genérica, procurando não passar este tom.

Não. Amor é transar comigo, respondeu. Você precisa amar a carne para transar com alguém que não conhece. Amar a pulsão sexual, o desejo do gozo e da vontade. Eu sou a encarnação do amor. Eu sou a carne do amor.

A conversa percorreu outros assuntos, que em outra hora tornarei a retomar. O fato é que teceu comentários sobre a vida e sua filosofia. Disse-me muito pouco sobre suas experiências pessoais. Descobri-me um diário de ideias e não de fatos. Por causa disso, ainda me pego em dificuldade de viver, sendo mais fácil só pensar e falar sobre ideais. Falar sobre amores passados.

Hoje me lembrei dela e acordei prostituta. 

E amei como nunca amara antes.

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