sábado, 26 de junho de 2010

Quietude

Esta é a 301ª postagem do Minha Polaroide.

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Anteontem de manhã eu caminhei pelo Centro a fim de fazer minha rotina que precisa ser feita, a rotina que penso que todos têm mas não veem que nem para todos é rotina; se te pegasse a rotina e desse-te a minha, avaliaríamos que cada rotina faz parte de uma grande rotina maior, aquela da alienação que precisamos fugir. Caminhei pelo Centro abaixo de chuva, e uma menina me ofereceu um panfleto. Ela era menina e me ofereceu um panfleto, não era um panfleto comum, era um panfleto de uma menina que trabalhava na chuva. Não recusei, mas é porque nunca recuso depois que descobri que as pessoas que distribuem panfletos só são liberadas do trabalho após entregar determinada quantidade; e se não terminam, não vão embora. Em um final de tarde de dias atrás uma moça me deu um panfleto, quando vi, eram dois, olhei pra trás e com o olhar ela me pediu que fosse embora,

Que me ajude, meu bom moço
Eu não tenho o que fazer.
Já é final de tarde e eu tenho que fugir
Da vida que me prende
(Dessa rotina que se estende
Pra depois.)

Enfim, peguei o panfleto da menina na chuva. E nele me agarrei ao longo do dia porque era o panfleto de uma moça que trabalhava na chuva. Comigo, o panfleto ganhou vida: e caminhou pelo Centro, foi ao Mercado Público pegar o vale-transporte. Assistiu às aulas da faculdade, aprendeu sobre a História da Imprensa (que assim como a rotina, se repete: a imprensa nunca foi livre, desde a criação da escrita até hoje - e basta-me fechar os olhos para saber que daqui para frente, nada mudará: se o homem não mudar: e por isso fecho os olhos: por saber que assim contiunará). O panfleto conversou com pessoas, riu de coisas idiotas, foi simpático, cumprimentou quem nunca falou, ele era só um panfleto educado. Almoçou no RU, foi-se embora, aprendeu Francês para depois pensar que a língua foi feita para unir mas desune - a língua é a união de palavras que assim como conjuga pessoas, promove desunião pois se não sabes francês, não entenderás nada lá na França pois a língua só há de servir pra te excluir. Eu fui embora, mas o panfleto ficou comigo. Por todo o dia, quem pensou não fui eu, mas o panfleto, transmutado em minha consciência errática que vaga pelas ruas à procura de sentidos que expliquem minha existência aparentemente inútil, no meu fluxo consciente que pretende questionar-se mais sobre o inconsciente. O panfleto sou eu: o panfleto é todas as minhas esperanças e experiências que podem ser poucas podem ser muitas, lá sei eu sobre quantificar o inquantificável. O papel organizou o organizável, percorreu incontáveis passos. E viveu um dia simples e vazio: ou talvez um dia complicado: basta o olhar: basta sentir.

Vi um mendigo fumando um cigarro
E senti o fumo entrando pela garganta.
O fumo era ruim.
Mas me acalmou.
Aquietou uma alma que não se queda quieta.

5 comentários:

Charles Bravowood disse...

Algo me diz que sempre estamos querendo fugir, conhecer coisas que não podemos, ficar sempre além, sabe, eu acredito nisso, eu penso que ainda há tantas coisas pelas quais viver, eu só quero isso, viver!

Charlie B.


Ps. Pode me econtrar também no @eu_charlie, esses dias estive fora o blog e de todo o resto, é fim de semestre e a faculdade "bomba", rs.

Anônimo disse...

você me encanta

Anônimo disse...

Nem me fale em rotina. Tambem tento uma fuga dela, mas não consigo, levo esta vida de extrema organização e alienação. Levo uma rotina, vida suicida.
Me mato e mato um leao todos os dias.

βya disse...

que perfeito adorei teu blos bjs

Ana Luisa Pacheco disse...

ADORO A CONSCIENCIA SOCIAL DESSE BLOG.
ADOGGO