quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Verão de 40º

Antes de dormir, comecei a pensar sobre fenilcetonúria e caí no câncer. E se eu tivesse câncer? E se fosse câncer tomando todo o corpo, assim, o médico me diz que eu tenho mais ou menos um ano de vida, que posso tentar alguns procedimentos invasivos, no entanto de nada vai adiantar, que até pode passar o número de uma psicóloga transpessoal para eu ir me tratar de uma maneira diferente (é um estilo novo, tem algo de física quântica...), mas mesmo assim meus dias estão contados, ele fala: não exatamente com estas palavras porém de um jeito mais sutil, tudo muito cuidado, muito delicado. Contudo não me faz diferença porque notícias assim são tão afiadas que o eufemismo se faz cortina, tentando esconder algo como uma

Caverna escura escura escura aquilo
Que a gente chama Morte
Que faz um grande corte na tua vida
(E a gente finge não temer)
E procura uma saída
E se faz de louco
Acaba por cair em manicômio

(Devo dizer que prefiro a solidão.)

E qual seria a minha reação? Chorar e chorar e chorar porque quando a gente chora a alma se lava. E chorar mais um pouco. Toda aquela conversa fiada de pensar no futuro que não vai mais ser, no presente que já é e logo passa. (E chorar e chorar e chorar). Eu me conheço bem, é certo que cairia em depressão. Meus amigos tentariam me animar, mas não saberiam como, pensariam
eu não sei o que fazer, mas ele precisa parar de chorar
eu não sei o que falar, mas ele precisa de um ombro
eu não sei o que pensar, mas minha mão tem que se mostrar
cria vergonha e vê se te levanta

Como catapora a notícia haveria de se espalhar, e todos que comigo não têm intimidade se lamentariam. Alguns pensariam o que eu deveria estar passando, tentariam se colocar no meu lugar (para falar a verdade, são sempre esses que fazem a diferença pela VIDA). Outros falariam "baah, que merda, sério?". E que merda, meu caro, vai pro inferno você também. Porque a gente não conhece os outros e faz pré-julgamentos e julga como delegado prepotente e age com base nas pré-concepções, quando vê nem falamos com a pessoa porque já a detestamos (pois sim, e eu faço isso também, porém tento me podar).

Acho que também teria reações infantis, porque não se pode ignorar que tenho 17 anos que é: o que acho que se esquecem. (E choraria choraria).

E choraria
Porque de toda a porcaria
A gente pensa ser melhor
Diz pros outros que está bem mas
No fundo no fundo
As estranhas se flagelam.
Pior é

Dizer que está mal e sente dor
Só para ganhar atenção
E manejar um sorriso
A seu próprio favor

A gente é tudo podre mesmo.

Primeiro pensei que aproveitaria meu pouco tempo de vida cursando Ciências Sociais na PUCRS à noite, mas depois voltei atrás porque acho que não passaria meu último ano enlouquecendo com duas faculdades. Depois projetei que me levantaria da cama podre de fedida com minhas formas já nela moldadas. Talvez viajasse. Gritaria mais, sorriria mais. E procurasse todos os dias aquele calafrio que sinto quando estou sozinho sozinho e ouço Yann Tiersen ou Perfume Genius no meu mp4, e algo toma o meu corpo de maneira que não me reconheço e pareço ver-me de cima e sinto que não sou eu eu eu: às vezes choro e agradeço pela vida.

Acho que viajaria. Me declararia a todos que eu já amei, e se não amei ninguém, passaria a amar todos porque quando a gente está prestes a morrer tudo é efêmero, tudo é tão simples, somos todos mortais com carne e alma, nossa: carne que não serve para nada além de fazer com que nossos líquidos não escorram pelos ralos, eles até deveriam, cair no esgoto sujo sujo sujo de Porto Alegre, boiar nas ruas durante uma enchente e entrar na casa de alguma família pobre que não tem o que comer, eu diria que me sorvessem até que eu virasse eles, pura união virando depois mijo amarelo, se bobear misturado com cachaça.

Antes de definhar até os ossos, antes de fazer com que minha mãe acampasse ao lado do meu leito, antes...
Antes de fazer meu pai ficar careca, antes...
De deixar meu irmão solidário
Antes de causar dor nos meus amigos...
Eu me atiro no Guaíba.
E não morro:
Viro água que passa a evaporar
(O tempo aquece)
E viro chuva.

Refresco teu corpo no verão de 40º.

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