quarta-feira, 19 de outubro de 2011

os votos de felicidade e de muito sucesso

todos os homens merecem uma poesia
digo a respeito daquilo
de ser um homem-poema
para ser mais específico
todos os homens merecem ser postos em versos
e refiro-me aos homens e mulheres
sem me ater à questão de gênero

como dizia
todos os homens serão poéticos
digo, em estado de constante desequilíbrio
porque estar num poema é difícil
como andar em dunas de areia
e a cada passo afundar o corpo
como um pobre pobre louco
andando sem fim no desgosto.

todos os homens serão poesia
inclusive o que faz pilhas de lixo
e o outro que separa em latas
este por sua fina preocupação com as camadas da Terra
aquele por sua eficácia em manejar o caos.

o caos promove a poesia.

antes de terminar o poema, deixe-me falar de um homem. por volta de 40 anos, me disse: vestir uniformes pode ser libertador para quem não quer escolher. desde que o conheço em minha vida, sei que usa o mesmo conjunto de calça e camisa cinza. quando criança, a mãe lhe batia por culpá-lo pela fuga do pai, e mais tarde apanharia do irmão mais velho por não saber se defender na escola. confessou-me por fim que era excluído pelos colegas por ser bolsista e não ter dinheiro para comprar roupas de marca. à revelia de seu sofrimento, falou-me a frase que acabei de citar. avistei-o duas vezes na semana seguinte e depois nunca mais o vi.

se foi despedido ou se demitiu, não sei; se faleceu ou fugiu, tampouco. mas disse-me que vestir uniformes pode ser uma liberdade: e hoje, antes de escolher minhas roupas, lembro-me de nossa conversa na escada do edifício. sempre o vi usando o mesmo uniforme. será que se sentia livre? atormentava-o a possibilidade de escolha? não só a ele, como a todos nós também: desde decidir andar em direção à porta do prédio ou não até qual a melhor maneira de contornar os maiores problemas de nossas vidas. vestimos uniformes para nos salvarmos do peso da escolha. tiramo-os ao fim do dia, após o banho quente. despir-se de uniformes ao estar sozinho seria a liberdade máxima? mas liberdade não é medida ao praticá-la em conjunto? deveria ter perguntado ao zelador isso, porém fiquei quieto com receio de fazer com que se arrependesse de sua confissão. apesar de tudo, de alguma forma mantenho-o em pensamento. penso que o tenho dentro de mim, em certas situações. em certos uniformes.

todos os homens merecem uma poesia.
esta é sobre o zelador que num olhar clama por um fim de sofrimento
felicito-o por ter conquistado
ao meu ver, é claro
(apesar de lamentar profundamente...)

alegria, acinzentado!
tu que és homem
e se por homem digo-te sentado
assim ou assado? tu que és homem, infernal!
se te vejo alado te perco de vista ao meu lado
invisível ou abafado?
jamais esquecido!
a famosa alegria?
os melhores votos ao zelador acinzentado
             imortalizado em assunto-poesia...

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