quinta-feira, 5 de abril de 2012

Objetos e sentidos



Encaro esta foto de duas pernas cruzadas e esboço um sorriso no rosto ao me lembrar do contexto na qual foi tirada. Entretanto, percebo ao mesmo tempo que ela só tem significado devido a esse ato de rememoração. Caso eu morra amanhã, no meu quarto vão encontrar apenas uma imagem banal de duas pernas em preto e branco, talvez apontando para algo fora de quadro (seria uma pessoa? um outro conjunto de pernas?).

Se as coisas do mundo só fazem sentido por causa das experiências passadas, em qual posição posso me colocar? Sou apenas o que vivi? Penso nisso porque sempre descrevemos uma pessoa ao lembramos as situações pelas quais ela passou. Mas não somos também aquilo que queremos e ainda não vivemos? Por exemplo: "esta é minha amiga, que vai ser piloto de avião" ou "eu sou renato e estudo para um dia ser filólogo". Aqui importa muito mais a perspectiva de futuro - algo de que não sabemos - do que o que já foi vivido. Qual a validade do que passou e do que se espera?

Ao verificar tudo isso, me pego pensando se o mesmo não se aplica aos humanos. Quando formos velhos e nossos pais e amigos tiverem morrido, vamos nos sentir um pouco menores e menos relevantes? Ao nos afastarmos de uma pessoa querida - pelos mais diversos motivos -, sempre sentimos um golpe na autoestima, já que nos distanciamos de alguém que, de certa forma, nos conferia certo sentido neste mundo. Cada um que vive comigo diz um pouco de mim, pois construímos juntos uma realidade que ninguém mais viveu.

O desafio de conseguir se erguer e manter sozinho é conquistar um significado próprio independentemente das circunstâncias, desvinculado de memórias alheias. Para isso, vale ter um objetivo a longo prazo, como uma viagem, um emprego ou alguma outra idealização que nos transponha para uma realidade projetada. Antes de tudo, desenvolver uma lembrança ou perspectiva autossuficiente - isto é, algo que apenas eu sei ou que dependa somente de mim. E depois disso, me olhar no espelho e dizer que, sim, este é alguém que pode sair pela porta e encarar o dia como jamais encarou anteriormente. Dessa forma, o mundo não parece tão ameaçador e o fato de saber que um dia o tempo passa não desmerece qualquer segundo de agora.

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