domingo, 6 de março de 2011

Na verdade eu queria falar de tristeza

Não adiante discutir, cada um tem sua própria personificação da tristeza. A tristeza é, ela mesma, indiscútivel, mas é tão agradável discuti-la, alguns temas são tão interessantes: tristeza, morte, tempo, o tempo é uma coisa que realmente me fascina, tão abstrato e palatável que é, parece que desliza. Quando penso no tempo, imagino algo deslizando, de consistência de geleia, como aquela pintura do Salvador Dalí em que relógios derretem em cima de um pássaro e de uma árvore. Acho que tenho certa obsessão pelo tempo, pela sua passagem, pelos seus efeitos. O tempo nem existe mas deixa marcas que não tem como fugir. Ou tem? Um monte de gente tentou explicar que o tempo é coisa da nossa cabeça, e não uma realidade da natureza.

O ponto-chave é que ele advém de nossa subjetividade, captado unicamente pelos nossos sentidos. A noção de que o dia passou e que ontem foi ontem é algo percebido apenas por nós, humanos. Sem nossa observação e percepção, o tempo existiria? Se não existíssemos, haveria alguém com razão para perceber o tempo? Santo Agostinho dizia que o único tempo que existia é o da nossa alma, não do exterior. Ou seja, o tempo é algo finito, atrelado à nossa existência.

Então tem isso que é a noção de passagem de um fato a outro que a gente tenta controlar, uma convenção que nós fizemos para nos localizar, para nos sentirmos seguros. Mas nos sabotamos, é óbvio, senão não seríamos seres humanos, e agora a passagem de tempo é dotada de amargura e dor, as coisas que foram perdidas e nunca mais voltarão, lembranças, recordos, melancolia e saudade, acho tudo até bonito, mas às vezes cansa, acho que não o sentimento, mas essa inconformidade com o tempo que a nossa sociedade adotou. Tudo tão pleno, tão bonito, até admirável esta corrida desenfreada para perpetuar um pouquinho mais essa nossa existência curta, é tão bonita esta nossa corrida para fugir da morte, fugir do fim. Somos todos tão mimados, sempre querendo evitar que o jogo acabe, só sabemos roubar, então faz-se plásticas e usa-se cosméticos e passa-se base e vai-se vai-se vai-se, tão bonita essa nossa maneira de lidar com a não-plenitude. Nutro certa admiração pelas pessoas, porque às vezes somos tão grandiosos como nunca esperaria de se ver e às vezes tão patéticos que dá raiva. Que dualidade mais engraçada, tudo um paradoxo, um choque de opostos, o bem contra o mal, a resolução contra a imaturidade, denso versus fútil, preto contra branco, nada em entrelinhas, nada com camadas, tudo resumido em dois lados, sendo que um sempre é pior. Então postamo-nos no que é melhor e julgamos o outro lado: sempre em bom tom, para, com as palavras, deixar bem claro que é o OUTRO que está no lado ruim, e NÓS é que estamos no lado bom. O tempo é uma coisa fascinante, não é mesmo? Tempo é dor e sofrimento porque traz incompreensão.

2 comentários:

Marcel Hartmann disse...

Era um anjo belo
Disse-me que cuidasse do meu tempo
Como ele cuidava de mim
Lá de cima
E tentava fazer sombra.

Respondi que sabia picas de tempo
E que raios era aquilo
Que vinha à minha cabeça
Era deveras atencioso, acho que queria o meu bem
Respondeu-me que tempo é o coração batendo
Entre 'quer casar comigo'
E 'sim'.

Achei-o tão querido e prestativo, fui para casa e pensei em tudo o que falara.

Dias depois, odiei-o até as estranhas, pois ali nascera o meu passado e, consigo, todo o meu futuro duvidoso.

Felicidade Clandestina. disse...

Meu Deus , você transborda garoto .

E isso é coisa tão linda de ver, coisa que eu achava não existir mais, como uma raça em extinção.